Friday, November 05, 2010


O nosso quinto ano em Hogwarts começou como uma verdadeira maratona de horários a serem cumpridos. Além do fato de terem duplicado nossas quantidades de aulas e deveres, pois teríamos que prestar os NOM’s no final do ano letivo, as Olimpíadas estavam sendo responsáveis por ocupar todo o restante do tempo livre dos competidores. No meu caso ainda somavam-se dois outros agravantes: Karatê e Taekwondo. (Isso porque McGonagall havia me escalado como treinador das duas equipes de Hogwarts, e não estava sendo uma tarefa fácil achar alguma estabilidade dentre os “lutadores”.) E, além delas, eu também tinha me inscrito para competir em arquearia, tiro esportivo e xadrez de bruxo! Sim, me sentia acabado na grande maioria dos dias, mas não reclamava. De certa maneira tinha mesmo que agradecer por ter todo o meu tempo – e cabeça – ocupado com atividades construtivas...

Era quinta-feira e faltavam apenas três dias para o Halloween. Em Hogwarts comemoraríamos a data no sábado. De manhã com a primeira visita – oficial – do ano ao vilarejo de Hogsmeade; de noite com o banquete de praxe no Salão Principal.
Mas neste ano ainda teríamos mais uma atividade: a festa no salão comunal da Lufa-lufa, onde MJ seria o DJ.
Estávamos na aula de Poções e eu dividia a bancada com Sheldon e JJ.

- Não se esqueçam de entregar o relatório sobre o repelente para lesmas carnívoras na semana que vem. Alguns de vocês estão começando a ficar encrencados em Poções. – tio Yoshi consultou seu diário e fitou a todos sério. JJ se endireitou na cadeira. – Tirem uma amostra do tônico para os nervos que terminaram hoje e deixem em cima da minha mesa. Não se esqueçam de etiquetarem seus nomes. E estão dispensados.

Sheldon apanhou um frasco vazio, recolheu uma amostra da poção púrpura do seu caldeirão e esvaziou-o em seguida com um aceno de varinha. Eu e JJ o observávamos descrentes demais para nos movimentarmos. Ele nos encarou indiferente.

- Hiro, espero que não esteja esquecendo-se do nosso treino de xadrez de bruxo amanhã?! – ele perguntou enquanto etiquetava seu nome no frasco e guardava o livro e o estojo de ingredientes na mochila.
- Tudo bem Sheldon. Não estou esquecendo.
- Ótimo. – virou-nos as costas e saiu sem dizer mais nada. JJ soltou um sorrisinho e virou os olhos.
- Sheldon... – comentou e começamos a recolher nossas amostras e juntarmos nossas coisas. – Amanhã eu tenho que arranjar alguma companhia para a festa. Você está pensando em levar alguém? – ele me encarou com um pouco de esperança na minha resposta, mas minha cara logo deve ter denunciado o óbvio e ele pareceu murchar.
- Não. Ninguém. – respondi com sinceridade e ele não insistiu.

Nossos amigos nos alcançaram e mudamos de assunto. Estava saindo da sala com eles quando tio Yoshi segurou meu braço.

- Pode ficar mais um pouco, Hiro, por favor? – ele pediu, mas ele parecia calmo então não me preocupei e concordei com a cabeça. Ele esperou todos saírem e sorriu antes de continuar. – Monique está em Hogwarts. Tirou uns dias de férias e veio nos visitar. Pediu para vê-lo. Tenho que me reunir com McGonagall agora, mas você pode ir encontrá-la em minha sala.
- Ok tio! Vou sim! Obrigado. – respondi feliz e sai apressado.

De todos meus primos, Monique era de longe a favorita. E eu sabia que esse favoritismo se estendia dela para mim também, embora ela sempre fosse muito diplomática ao demonstrar. Ela veio me abraçar e bagunçar meu cabelo assim que entrei na sala. Tínhamos muito que conversar.

[...]

- Ok, deixe só revisar para não me perder. Sua vida é agitada demais. – ela comentou ironicamente e eu mostrei a língua. Ela riu e devolveu o gesto antes de continuar. – Você não está saindo com nenhuma garota. Só se dedicando exclusivamente às aulas e às Olimpíadas? Isso?
- Já não é o bastante? – perguntei me sentindo cansado.
- Não. Hiro, nós tínhamos um pacto! Se lembra? Você me prometeu que tentaria sair com algumas garotas.
- O ano mal começou Nique. Eu ainda não estou fora do pacto.
- Mas já está atrasado! Sábado vocês tem visita à Hogsmeade e festa de Halloween. É sério? Não vejo oportunidade melhor de convidar alguém...
- É, pode ser. – comentei descrente e ela não desistiu.
- Hiro.
- Ok. Eu sei. Eu vou tentar.
- E não vale a Leslie. Ela não conta.
- Certo.
- Eu acho que você deveria convidar a Clara. De uma vez por todas.
- Monique...
- O que é? É ela quem você sempre quis convidar. Você não consegue me enganar, priminho. A todos os outros sim, mas eu já sou velhaca em você. – ela me deu um tapinha no ombro e sorriu. Sorri também.
- Ela está envolvida demais com outros dois garotos. Fica fugindo deles o tempo todo, mas eles são insistentes. Acho que é só uma questão de tempo... – comentei e senti a garganta secar. Monique se agitou do meu lado.
- E você está vendo isso acontecer e não está fazendo nada? Hiro! Vocês são amigos desde quando? Sempre?! Se você entrasse nessa “disputa” poderia sair com vários quilômetros de vantagem dos outros!
- Não sei. Ela me vê só como um grande amigo, e é só isso que nós somos mesmo. – constatei inseguro.
- Mas se você pensa que podem ser mais, por que não tentar? E se você não demonstrar isso a ela, ela não vai descobrir sozinha. Como eu disse: para todos os outros você consegue disfarçar muito bem. Por favor? Só tenta? Por mim? – ela insistiu e eu ri.
- É, pode ser. Vou pensar em alguma coisa ok? Prometo. – eu respondi e ela sorriu. – Agora você pode jogar uma partida de xadrez de bruxo comigo? Não estou tendo tempo de treinar adequadamente, e quero muito ganhar do Sheldon nas Olimpíadas. – eu disse enfático e ela riu concordando e puxando o tabuleiro para perto de nós.

Ganhou todas as partidas, pois meus pensamentos já me traíam ao me levar pra Clara...

ººººº

O sábado amanheceu com um tempo ótimo para os que se preparavam para passar o dia em Hogsmeade. Não era o meu caso. Depois de escutar Clara comentando com Keiko que havia fugido de sair com Zach, eu armei um plano para passar o dia sozinho com ela no castelo e estava confiante que daria certo. Sentei-me ao seu lado durante o café da manhã e puxei conversa despreocupadamente.

- Planos para hoje? – perguntei pra ela enquanto passava geléia em uma torrada. Ela sacudiu os ombros.
- Nada muito audacioso. Acho que vou ficar por aqui mesmo, e aproveitar pra treinar para as Olimpíadas... Pelo menos não terei que dividir o Ginásio com tantas pessoas. – ela respondeu e se voltou para mim. – E você?
- Também vou ficar por aqui. Preciso me dedicar um pouco mais àquelas equipes... A de Karatê até que já está bem encaminhada, mas a de Taekwondo... Bem, você viu no último treino. – sorri torto e Clara fez uma careta concordando. – Marquei com todos eles mais tarde. Você poderia me ajudar hoje, então?! Eu acho que algumas meninas relaxariam mais se tivessem outra menina ajudando elas com os golpes...
- Claro! Ajudo sim. Preciso mesmo treinar um pouco.
- Ótimo! Obrigado.

Acompanhamos nossos amigos até o Saguão de Entrada quando Filch começou a liberar as turmas. Zach e Thruston estavam lá, e ambos acenaram para Clara cumprimentando-a. Ela retribuiu os acenos, sem graça, e passou o braço pelo meu me puxando para o Ginásio enquanto eu ria e virava os olhos.

[...]

- Até que não estão mais tão ruins... – Clara comentou se sentando no tatame, cansada, quando o último grupo de alunos saiu do Ginásio. Eu ri me sentando ao seu lado e abrindo o kimono.
- É, eles me surpreenderam. Não sei se vamos conseguir muitas medalhas, mas não vamos passar vergonha.
- Acho que McGonagall já fica satisfeita com isso. – ela disse e rimos.
- Eles já devem ter voltado de Hogsmeade... Daqui a pouco começa o banquete.
- Sim. E que bom. Estou com fome... Lutar cansa! Se eu não estivesse tão curiosa sobre essa festa na Lufa-lufa, eu até seria capaz de recusá-la também só para ir dormir. Quase não estamos tendo tempo para isso.
- É verdade. – concordei e novamente usei meu tom despreocupado para perguntar: - Vai com alguém na festa? Algum dos pretendentes?

Ela me olhou com uma das sobrancelhas erguidas em resposta e eu ri. Ela riu também e deu um esbarrão proposital em mim.

- Estou ficando sem desculpas para fugir deles. Preciso de algo mais definitivo.
- Um namorado?! – perguntei assustado e ela pareceu ter levado um choque.
- Quem falou em namorado? Eu estou querendo desculpas sérias para poder ficar sozinha sem ser mal-educada e você solta essa palavra com N?
- Desculpa, foi mais forte do que eu. – sacudi os ombros rindo e ela riu em desaprovação. – Bem, podemos ir juntos para festa da Lufa-lufa hoje, então? Pelo menos por hoje eu te asseguro um pouco de paz deles dois. Depois pensamos em outras “desculpas definitivas”.
- Você faria isso por mim?
- Claro. Só vou ter que desmarcar meu encontro de hoje, mas... – comecei a falar, mas rimos imediatamente do meu tom irônico.
- Você é um anjo, Hiro. Um anjo! – ela me deu um beijo no rosto, aliviada, e o senti esquentar imediatamente. Fiquei feliz por Monique não estar lá para nos assistir.

ººººº

O Salão Comunal da Lufa-lufa já estava abarrotado de estudantes quando chegamos lá. MJ conseguia movimentar grande parte deles enquanto misturava músicas agitadas, e primeiranistas circulavam pelo local com bandejas de bebidas nas mãos.
Como todos nossos amigos já estavam espalhados por todos os lados, eu e Clara não tivemos dificuldades em pegarmos duas cervejas amanteigadas e nos sentarmos afastados sem que parecesse estranho.

- Papai já deixou escapar sobre algumas festas neste Salão Comunal que ele e tio Kyle freqüentavam, na época em que nossas mães estavam aqui... – comentei sorrindo e reparando nas diversas entradas de túneis espalhadas por toda a sala circular.
- Papai também. E mamãe ficou vermelha como uma pimenta. Eu não imagino minha mãe se acabando em uma festa assim...
- Também não. Mas não fico nem forçando para imaginar. Bizarro.
- É. – rimos. Olhei para frente e Zach sorria para Clara e ameaçava vir em nossa direção. Ela ficou reta no pufe. – Vamos andar!

Ela disse e puxou minha mão, abrindo caminho entre as pessoas para o lado oposto de onde Zach estava. Acabamos entrando em um dos túneis que levava para os dormitórios. Estava vazio.

- Acho que não vão nos encontrar aqui. – eu comentei olhando para as pessoas que dançavam e Clara encostou-se à parede.
- Está ridículo eu ter que fugir deles. Queria ser um pouco mais “desbocada”, nesse aspecto. Como a Keiko.
- Não se comparem. Sério. – pedi e ela riu.

Ficamos nos encarando em silêncio e eu acabei dando uns passos em sua direção e me aproximando dela. Clara congelou, mas não desviou os olhos. O que eu estava fazendo, eu não sabia dizer, mas de repente eu já não conseguia mais me controlar. Já estava muito próximo a ela quando estendi uma das mãos para segurar seu queixo. Olhei-a uma última vez antes de colar meus lábios nos dela. Inicialmente ela não moveu um músculo, e parecia ter se tornado mais uma das pedras da parede onde estava encostada. Mas depois ela correspondeu e passou os braços pelo meu pescoço, me abraçando. Segurei-a pela cintura e puxei-a para mais perto.

Não sei quanto tempo ficamos nos beijando, mas era como se tivéssemos entrado em uma bolha a vácuo; estava tudo silencioso ao nosso redor. Quando nos afastamos o barulho voltou a tomar meus ouvidos e me assustei, soltando o abraço de Clara e encarando-a.

Novamente estávamos nos olhando em silêncio, mas dessa vez vários pensamentos diferentes passavam pela minha cabeça. Eu definitivamente não me arrependia de ter ficado com ela, pois eu planejei aquele momento e queria que tivesse acontecido. Mas, depois de feito, e enquanto nos encarávamos, eu achava tudo aquilo absurdo demais. Esperei alguma reação dela, mas ela não dizia nada também. Comecei a rir.

- Desculpa Clara. Não por ter te beijado, porque eu realmente quis fazer isso. Mas por não ter uma reação melhor.

Ela começou a rir também, e ríamos os dois descontroladamente.

- Tudo bem. Eu só fiquei muito surpresa, mas não vou dizer que também não quis. Só foi... Estranho. – ela concluiu e eu concordei.
- Sim! Estranho!
- Bem, acho que estamos bem. Ainda estamos achando essa situação absurda... Seria preocupante se não tivéssemos, certo?
- Certo. – rimos. – Vamos procurar mais bebidas?
- Vamos!

Estendi minha mão pra ela, que a pegou sorrindo e novamente saímos cortando as pessoas juntos.
Mas eu já me sentia muito aliviado. Clara era minha melhor amiga, e eu não precisava me preocupar em vê-la de outra maneira. Pelo menos por enquanto.