Sunday, June 10, 2012


"Fomos deixados com o sentimento horrível de que agora que a guerra acabou nada resolveu. Que ganhar uma guerra é tão desastroso quanto perder.

Agatha Christie"

Quando acordei na ala hospitalar 24h depois do fim da guerra, Hogwarts estava diferente. Não havia comemoração pela derrota de Cadarn e vitória do nosso lado, mas sim lamento pelas vidas perdidas na batalha. Amber e Sheldon estavam sentados ao lado da minha cama quando despertei e me contaram o que aconteceu depois que desmaiei. Os dois haviam me carregado até a enfermaria, onde tia Louise rapidamente diagnosticou que eu estava com hemorragia interna por causa dos fragmentos de armaduras que me atingiram. E com a ajuda de uma enfermeira Bulstrode completamente apavorada, me abriu ali mesmo e me operou ao modo trouxa, salvando minha vida.

Todos estavam abalados pelas mortes que haviam ocorrido, mas evitavam falar no assunto. Havia sido necessário um dia inteiro de trabalho para Filch e alguns professore retirarem os corpos de Brittany e Timothy do túnel demolido. A porta havia segurado parte do fogovivo e seus corpos não foram carbonizados, mas Amber disse que estavam em péssimo estado quando foram resgatados e McGonagall não deixou que notificassem seus pais até que a enfermeira tivesse cuidado deles e melhorado suas aparências.

McGonagall também havia dado um prêmio especial de serviços prestados à escola para cada um de nós por termos impedido a entrada de todos aqueles vampiros pelos túneis, mas a última coisa que eu me sentia era especial. Sentia-me culpado pela morte de dois alunos, e não um herói. Eles estavam no lugar errado, não deveriam estar nos túneis e quando detonei a bomba eles ainda não estavam na sala. Mas ainda assim, no fim, havia sido meu dedo a apertar o botão do detonador.

Já era noite quando Bulstrode expulsou os dois da enfermaria e um casal que não conhecia entrou. Estavam abatidos e a mulher tinha os olhos muito vermelhos. Olhei para a direção em que eles caminhavam e vi que o corpo de Timothy jazia na cama próxima à porta. Eram seus pais. Observei, hipnotizado, a mulher acariciar seus cabelos e beijar sua testa gelada, enquanto lágrimas incontroláveis pingavam em cima de seu corpo.

Odiava Timothy, ele sempre foi ruim comigo e fez da minha vida um inferno por longos quatro anos, mas nunca desejei sua morte. Vendo o quanto seus pais sofriam diante de seu corpo sem vida, lembrei-me de como foi doloroso ver minha mãe morrer e senti meus olhos ficarem marejados. Nenhum pai deveria conhecer a dor de enterrar um filho. São os filhos que devem enterrar os pais, quando chegar a hora deles, e sofrer a dor de perdê-los. Essa é a ordem natural das coisas.

A mulher trocou algumas palavras com a enfermeira que não pude ouvir e então Bulstrode apontou pra mim. Vi a Sra. MacNamara caminhar na minha direção e sabia que ela me culparia pela morte de seu filho, certamente me chamaria de assassino, mas quando ela parou diante da minha cama com os olhos vermelhos de tanto chorar, apertou minha mão com força e abriu um sorriso fraco.

- McGonagall disse que você e seus amigos arriscaram suas vidas para salvar Timmy e a outra menina. Mesmo que não tinham conseguido, obrigada.

Tudo que consegui fazer foi piscar e isso fez com que as lágrimas que estavam presas caíssem. Ela entendeu que eu sentia muito pelo que aconteceu e soltou minha mão, voltando para junto do marido e saindo juntos com o corpo do filho.

Aquela mulher achava que se Timothy tivesse sobrevivido deveria sua vida a mim, e, no entanto, era por minha causa que ele estava morto.

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Voltar à rotina no castelo não foi uma experiência agradável. Fui liberado da enfermaria na manhã de sábado e Justin e Julian estavam parados no corredor me esperando. Não entendi porque quiseram me acompanhar até o salão principal para o café da manhã, mas foram necessários apenas cinco minutos sentado à mesa da Corvinal para compreender.

Assisti em câmera lenta Kevin levantar da mesa da Grifinória e traçar uma reta na minha direção. James e Graham levantaram apressados e o seguiram, mas ele já havia me agarrado pela gola da camisa e me chamado de assassino quando eles o alcançaram. Julian e Justin o empurraram pra longe e os outros dois o impediram de atacar outra vez, enquanto eu permanecia imóvel no banco. Não discordava dele. A morte dos seus amigos estava depositada na minha conta, então por que reagir? Eu era mesmo tudo aquilo que ele gritava enquanto era arrastado pra fora do salão comunal.

Embora meus amigos repetissem o tempo inteiro que ninguém além de Kevin me culpava pelo que aconteceu, não conseguiam me fazer sentir melhor. Não tínhamos aula, era o cenário perfeito para passar o dia trancado no dormitório sem ninguém tentando saber se estava tudo bem. Ouvi Amber me chamando da porta várias vezes, mas fingi que estava dormindo em todas elas. Não queria conversar com ela e nem ninguém, porque não aguentava mais ouvir que estava tudo bem quando era o exato oposto disso.

Já era noite de domingo quando sai da torre da Corvinal. Não sei exatamente no que estava pensando ou o que me guiava, mas quando me dei conta estava parado em frente à entrada da sala de armaduras. A porta de madeira havia sido danificada pelo fogovivo, mas ainda estava de pé. Uma fita amarela, daquelas que selam a cena de um crime, estava cruzada na entrada. Empurrei a porta devagar, com receio dela se desfazer com um simples movimento, e entrei na sala.

Era um cenário horrível. O fogovivo destruiu tudo que encontrou pelo caminho e o cheiro de metal queimado ainda era forte. As armaduras que decoravam o lugar, enormes e douradas, estavam todas retorcidas e negras como carvão. Nenhuma havia se salvado. A porta que levava ao túnel não existia mais e dava pra ver a terra que foi retirada por Filch e os professores para resgatarem os corpos de Brittany e Timothy. Os vampiros também haviam sido retirados de lá, mas o túnel estava destruído. Levaria anos para que Filch o liberasse, se é que chegaria a fazer isso. A passagem para o The Old Haunt não existia mais.

Deixei a sala de armaduras e entrei na sala ao lado, onde ficavam os troféus recebidos pelos alunos da escola. Esse ano a taça gigante do Campeonato de Quadribol que tomava conta do lugar de destaque na estante era da Sonserina, mas a taça do campeonato de 2014/2015 conquistada pela Corvinal também estava lá, e ao lado dela estava minha placa de Melhor Goleiro da Temporada. Não consegui conter um sorriso tímido de se formar em meu rosto. Foi depois daquela final, conversando com Amber na festa da vitória, que percebi o quanto gostava de sua companhia.

Não sei quanto tempo fiquei parado olhando para a taça da Corvinal, mas meu olhar de repente desviou para a estante ao lado, onde ficavam os prêmios especiais. Reconheci a placa em nome do tio Harry e outra em nome do tio Ron da vez que eles foram atrás do Basilisco por ter ouvido o professor Neville contar essa estória para meu próximo livro. Um pouco mais acima estava uma placa bem inusitada. Era um prêmio especial em nome de Louise Storm, Yulli Kinoshita, Alexandra McGregor, Samantha Wood, Scott Foutley, Benjamin O’Shea, Alucard Chronos, Mirian Capter e Marcus Ferguson pelo sucesso no sequestro de Fawkes, a fênix de estimação de Alvo Dumbledore.

Não consegui não rir, imaginando o que tia Louise, tio Scott, tio Ben e os outros aprontaram para conseguirem roubar a ave do diretor e ainda merecer um prêmio por isso. Papai uma vez me contou que era uma tradição entre a turma dos graduandos de Hogwarts tentar sequestrar Fawkes, mas que os únicos que conseguiram foram eles. Não existia mais esse tipo de coisa, mas quem sabe não estivesse na hora de começar uma nova tradição? Peguei-me pensando no que poderíamos fazer para deixar um legado em Hogwarts, mas minha atenção foi desviada para a parte baixa da estante, onde o nome Amber K. B. Beckett brilhava em uma placa de bronze. Outras duas iguais, com Sheldon I. White e Rupert A. F Storm, a ladeavam. As três nos parabenizavam por defender os túneis do castelo e evitar sua invasão por vampiros. Em volta delas, placas individuais com os nomes de todos da AD decoravam duas prateleiras inteiras, todos haviam sido condecorados por lutarem contra os vampiros.

Mais uma vez, não sei exatamente no que estava pensando. Minha reação automática foi abrir o vidro da estante e pegar a placa com o meu nome. Encarei-a por alguns segundos e então, em um ataque de fúria, atirei-a contra a estante. O vidro se estilhaçou e metade dos prêmios caíram no chão. Alguns estilhaços de vidro bateram no meu braço e um pouco de sangue escorria, mas não me importei. Fiquei parado encarando a estante semidestruída e a placa em minha homenagem jogada no chão até que senti um par de mãos apertar meu ombro.

- Rupert, venha comigo. Tem alguém com quem você precisa conversar.

A voz era da diretora McGonagall. Quando me virei, ela estava ao meu lado e o Dr. Pace parado próximo à porta. McGonagall tinha uma expressão de pena estampada no rosto e sabia que se não havia sido repreendido por quebrar o vidro, era por que ela se importava comigo. Olhei para a estante destruída mais uma vez e depois de volta pra ela, assentindo. Eu precisava de ajuda.