Saturday, September 03, 2005

Confissões de um diário falante

Do diário de Sarah Victoria Batland

Copenhague, 06 de agosto de 1976.

Querido diário

Estou no céu! Não, eu não morri. Quem vos fala não é uma alma penada. O que aconteceu? Calma, diário falante, eu vou contar tudo, tintim por tintim. Acho que minha alma está a zilhões de quilômetros do corpo.

Antes de mais nada, estou sozinha em casa!! Não, não exatamente sozinha, os orangotangos continuam plantados ao lado da porta do meu quarto, e se movimentam como sombras para qualquer canto que eu vá. Ok, eu sei que não nada disso que te interessa. Quer saber do cachorro preto que apareceu aqui ontem à tarde? Ta certo, você venceu. Eu conto.

Estava eu compenetrada no meu livro de animagia avançada quando de repente ouvi um latido rouco do lado de fora da janela. Ellys saltitava ansiosamente dentro da gaiola, o que me deixou ainda mais intrigada. Não tenho cachorros em casa. E nenhum bicho entrava assim, sem mais nem menos, nas propriedades dos Batland. Cadê o sistema de vigilância? Deve estar dormindo, tenho certeza. Ah, se papai pega o gorila do binóculo roncando no alto de sua torre... derruba ele de lá com um berro.

Quando eu abri a janela, o animal pulou para dentro do meu quarto. Eu já estava com os pulmões cheios pronta para gritar, quando o cachorro desapareceu e em seu lugar surgiu um garoto de 16 anos. O grito só não saiu porque minha voz sumiu. Sirius Black estava parado à minha frente, com os cabelos desgrenhados e um sorriso canino estampado no rosto.

Quando abri a boca pra falar, ele pôs as mãos nos meus lábios e, pedindo silêncio, fez sinal para que eu o acompanhasse. Um ponto de interrogação se desenhou na minha testa. Doce ilusão a dele que eu iria conseguir sair pela porta, lépida e faceira, dizendo aos postes: vou dar uma voltinha com meu amigo cachorro, mais tarde eu volto. Ele pareceu entender a minha preocupação e riu da minha cara preocupada. Só então ouvi o estalinho na minha cabeça e lembrei: pra que diabos então eu fiz o teste de animagia? Por que raios eu passei em primeiro lugar, se na hora que preciso me transformar em um animal e sair pela janela sem ninguém perceber, eu esqueço que posso fazer isso?

Rindo de mim mesma, puxei a varinha debaixo do travesseiro e, mentalizando a fórmula mágica, me transformei. No lugar onde até então estava a minha forma humana, surgiu um lindo cão branco e peludo, de imensos olhos azuis. Saímos os dois pela janela, correndo e respirando o ar puro da tarde ensolarada.

Depois que ultrapassamos os limites possíveis e imaginários da visão dos gorilas, Sirius se aproximou de uma pedra imensa e voltou a ser garoto, sentando-se sobre ela. Assumi novamente a minha forma humana e sentei ao lado dele. Meu amigo estava sério, os olhos perdidos mirando seus joelhos.

Eu perguntei o que tinha acontecido. Ele não respondeu. Sirius inclinou a cabeça sobre mim e se aninhou no meu colo como um animalzinho ferido. Ele segurava uma das minhas mãos.

Calma, diário! Ta curioso pra saber o final, é? Se você não parar de pular, eu não conto mais nada pra você, pego um diário trouxa e uma pena e vou escrever. Não adianta me olhar assim, chantagem emocional comigo não funciona. Respirou, tá calmo? Posso continuar? Ok.

De uma hora pra outra, Sirius começou a falar. Não, eu não vou repetir tudo o que ele me disse, não adianta insistir. O que eu posso contar pra você, é que Sirius saiu de casa. Dessa vez, acho que definitivamente. É, a coisa lá ficou feia, a família dele resolveu se debandar pro lado de Você-Sabe-Quem. A mãe dele o colocou pra fora de casa, acredita? Como uma mãe faz uma coisa dessas? Ela deve ter bosta de dragão circulando pelas veias. Eu perguntei se ele queria ficar aqui, se tinha pra onde ir. Ele disse que iria para a casa do Tiago, aquele umbiguista metido a gostosão. Ai, como eu odeio Tiago Potter. Ta bom diário, eu sei que isso não vem ao caso.

Então, você me pergunta: se ele tem pra onde ir, o que veio fazer aqui? Certamente não foi pra conhecer os lindos gramados dinamarqueses. É, eu fiz a mesma pergunta. Sabe o que ele respondeu? Que queria me ver. Isso mesmo, ME ver. Não arregala os olhos, seu indiscreto. Pára de rir, senão eu não conto mais.

Continuando, ele queria me ver. Disse que sou a única pessoa além dos amigos em quem ele pode confiar. Lindo, né? E que tem coisa que ele não se sente à vontade pra falar com o Tiago ou o Remo, eles iam debochar da cara dele. Nessa hora me senti uma irmã mais velha. Você sabe que a última coisa que eu quero ser para Sirius Black é uma irmã mais velha, mas eu não podia mandá-lo caçar hipogrifos. Minha boa educação não permite isso. Olha aqui, senhor diário mal-educado: estou cansando dessas risadinhas, tá me ouvindo??

Promete se comportar??? Olha, se você gargalhar na minha cara de novo, eu jogo você fora.

Ele falou, falou, falou. E eu ouvi tudo, letrinha por letrinha, fonema por fonema. Então, ele voltou a sentar, olhou no fundo dos meus olhos, e me abraçou. Eu não sabia o que fazer com as minhas mãos, então abracei ele também. Fiquei dura, parada, como se segurasse uma coisa muito frágil que poderia se transformar em um milhão de pedacinhos caso eu apertasse um pouco.

O abraço já ia ficando longo demais quando Sirius segurou meu queixo com uma das mãos. Os olhos dele brilhavam, e ele foi se aproximando, aproximando... eu podia contar os risquinhos coloridos que faziam de seus olhos os mais lindos que eu já vi na minha vida. Então, eu não sei explicar como, ele... me beijou. Seus lábios tocaram os meus. Ele segurava uma das minhas mãos e a outra passeava pelo meu pescoço. Senti uma onda quente invadir meu peito, senti vontade de pular, dançar, gritar para o mundo inteiro que Sirius Black estava me beijando.

DIÁRIO!!!

Você vem me perguntar se foi bom? Foi m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o! Você pode duvidar, como eu sei que está duvidando, mas foi lindo, tá? Era isso que você queria saber, não era? Você que insistiu para que eu contasse. O resto não te interessa, é coisa única e exclusivamente minha. E NÃO, eu não estou com a boca inchada! É impressão sua. Para de me olhar com essa cara. Tá bom, você quem pediu, da próxima vez vou te trancar no armário e usar um pergaminho. Enxerido, hunf!!