Tuesday, December 27, 2005

A morte pede carona

Do diário de Louise Storm

Estávamos às vésperas do ano novo e já estávamos todos acampados na casa dos meninos. Susan tinha saído com George para encontrar uns amigos em Oxford e eu fiquei em casa jogando cartas com Brendan e Remo, que tinha ido me visitar hoje de novo, dessa vez entrando pela porta da casa da minha tia. Julian, que havia saído com Chelsea, chegou um tempo depois do almoço com ela e balançava as chaves do carro animado.

JS: Esta pronta pra treinar hoje de novo?
LS: Eu? Tem certeza?
BS: Ahn Julian, a Louise? Dirigindo seu carro?
JS: Qual o problema? Ela teve umas aulas comigo no verão passado, mas precisa praticar mais, já esta na idade de tirar a carteira de motorista. Não é só porque ela é bruxa e pode voar numa vassoura que não vai aprender a pilotar um carro comum!

Saltei do chão empolgada e fui logo tomando as chaves da mão dele. Corri ate o carro estacionado na entrada da casa e Julian sentou-se na frente comigo. Brendan, Remo e Chelsea entraram meio receosos no banco de trás e se amarraram aos cintos quando eu dei a partida no carro.

Fui dirigindo devagar pelas ruas de South Kensington e muito bem por sinal, não havia dado nenhum deslize ate ali, estava seguindo tudo que Julian tinha me ensinado há cinco meses atrás. Já estávamos na altura da Harrod’s quando percebi que estava sem gasolina. Parei calmamente no posto e o moço abasteceu, mas enquanto o taque enchia, um outro carro parou na minha frente. Paguei o frentista e continuei parada no mesmo lugar.

JS: O que foi? O tanque já esta cheio, pode ir.
LS: Eu não sei dar ré...
BS: O que?? Eu quero sair, abre a porta Julian!
LS: Cala a boca Brendan! Finge que está procurando alguma coisa, o moço ta olhando pra cá!
- Alguém problema ai moça?
LS: Não, nenhum, obrigada.
BS: Tem sim, ela não sabe dar ré!
- Ahn tudo bem, sem pressa.
LS: Seu idiota! Tinha que abrir o bocão?

Depois de aproximadamente 3 minutos o senhor parado na minha frente saiu e eu retornei a estrada. Estava dirigindo bem devagar na pista da esquerda quando ouço varias buzinas atrás de mim.

LS: O que esse boçal quer? Que saco...
JS: Lou, melhor você ir pra pista da direita, essa pista é de alta velocidade;
LS: Mas eu estou indo rápido!
RL: Você esta há 40 km...
LS: Seu carro não tem retrovisor não?
CH: Ah ele quebrou ontem, um menino de bicicleta bateu no carro.
LS: Bota a cara ai fora Julian, me diz quando posso ir então!

Julian esticou o pescoço pra fora do carro e ficou lá uns 15 minutos, mas eu não conseguia mudar de faixa. Quando ele implorou pra eu ir depressa, pois alem de estar congelando estava ficando com torcicolo, consegui passar. Mais buzinas podiam ser ouvidas.

BS: Sua louca, você cortou uns três carros!
LS: Eles que entraram na minha frente!
JS: Tudo bem, ninguém se machucou, agora já foi.
RL: Lou olha pra frente!!!

Remo gritou no banco de trás e eu virei a tempo de frear, antes de acertar um cervo que pastava no canteiro. Sim, eu já estava quase subindo nele quando fui beliscar Brendan por ficar me criticando. Continuei meu caminho até o Royal Albert Hall, que era pra onde estávamos indo, e estacionei numa rua perto.

Fomos até lá buscar os ingressos para o show do The Wonders. Eles fariam um único show aqui em Londres, 11 anos depois de se separarem e Julian havia conseguido 5 ingressos. Ele disse que havia subornado 3 e estava devendo favor para mais uns 7, mas que as entradas eram nossas. Saímos de lá horas depois e voltamos ao carro. E foi que eu me dei conta da roubada em que estava: a rua onde estacionei o carro era uma ladeira e ele estava parado no final dela, o velhinho perto da cabine recolhendo os papeis no alto dela. Como que eu ia parar e entregar aquilo? Sentei em frente ao volante e fiquei ali pensando um tempo, ate que resolveram me perguntar se não iríamos sair.

CH: O que houve Louise? Perdeu o papel do estacionamento?
RL: Não, ele esta aqui comigo.
JS: Então vamos, não esquece de parar pra entregar o papel.
RL: Você não vai parar não é Lou? – Remo perguntou preocupado
BS: Você não sabe parar em ladeira não é mesmo?? – Brendan já estava desesperado
LS: Não vou parar não, não posso!
RL: Mas como que você não sabe parar em ladeira??
BS: Lou deixa o Julian dirigir!
LS: Não! Vocês querem ir a pé? Porque ainda dá tempo de descer...
RL: Não, sou namorado ate o fim, vamos lá e seja o que Merlin quiser...
BS: Que bom que você pensa assim, porque eu acho que esse é mesmo o fim...
LS: Quietos vocês dois! Chelsea segura o papel do lado de fora da janela, quando eu passar você atira ele pro velho! Mas presta atenção, porque eu não posso parar!

Chelsea assentiu com a cabeça apavorada e eu liguei o carro. A arrancada foi tão rápida e violenta no desespero de não parar no meio da ladeira que passei feito um foguete pela cabine, fazendo o velhinho desequilibrar com a força do vento que se formou. Sai pelo meio dos carros em alta velocidade, cortando os que passavam no caminho ainda sem parar. Quando já estava no acostamento, pisei no freio. Os três passageiros do banco de trás estavam encolhidos e tinha as cabeças nos joelhos. Julian estava agarrado ao cinto e tinha os olhos fechados.

LS: Cadê o papel do velhinho?
CH: Ta aqui ainda... – Chelsea falou com a voz tremula, ao constatar que ainda estava viva.
RL: Você passou tão rápido que derrubou o velho!
CH: Não deu tempo de largar o papel, foi tudo tão depressa... Meu braço ficou imóvel por causa da pressão do vento!
BS: LOU COMO VOCE SAI ASSIM NO MEIO DE UMA PISTA DE ALTA VELOCIDADE???
LS: EU NÃO PODIA PARAR ORA! O CARRO IA DESCER E BATER NOS QUE ESTAVAM ESTACIONADOS!
JS: Ok, ok, calma pessoal, foi só um susto... – Julian falava tentando se recuperar dele. – Lou, por favor, traça uma reta pra casa e não entra em rua errada, porque já que você não sabe dar ré, seria um problema. Acho que já vivemos emoções demais pra um dia só!

Refiz o caminho para a casa dos meninos ainda nervosa por quase morrermos no meio daquele monte de carro. Ninguém reclamou durante o trajeto, ainda estavam em estado de choque. Brendan ia murmurando agradecimentos nas suas preces e Remo e Chelsea estavam mudos, ainda sem palavras. Julian ia me guiando para que eu não entrasse em ruas erradas ou que fosse contramão e logo chegamos. Brendan desceu do carro trocando pernas e beijou o chão assim que saiu. Chelsea estava triste após uma experiência quase morte e entrou com Julian. Remo estava tremulo e se despediu de mim dizendo que precisava voltar pra casa logo, pois queria passar mais um tempinho com a mãe. Segundo ele, depois do que aconteceu hoje nunca se sabe quando você vai morrer.

Assim que entrei em casa Julian foi dizendo que quando eu voltasse para as férias de verão retomaríamos nossas aulas de direção, mas dessa vez dirigindo em campos desertos e longe dos pedestres e demais carros. É, sou obrigada a concordar com Remo: sou uma melhor pilota em cima de uma vassoura...


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N.A.: Baseado em fatos reais