Wednesday, July 19, 2006

Divinos segredos

Do diário de Louise Graham Storm

- Aaaaargh SUSAN SAI DESSE BANHEIRO!
- Não enche Louise, eu entrei agora!!
- Suzie, você ta ai dentro há quase uma hora!!
- Você não pode falar nada, Chelsea! Você ficou aqui um tempão também!
- Será que dá pra vocês pararem de gritar?? Tem um bebe na casa tentando dormir!

Fernanda apareceu irritada no corredor com Eduardo no colo, o afilhado dela de 8 meses, filho do tio James. Já estávamos no Brasil há 2 semanas e o que no começo era festa, agora se transformara em situação caótica. Adoro minhas primas, de verdade, mas conviver com elas o tempo inteiro, tendo que dividir tudo, não era fácil. E posso falar por experiência própria que o convívio diário com garotas é uma árdua tarefa, pois divido um dormitório com mais 4 durante o ano inteiro. Há uns 4 dias nós andamos nos estranhando, brigando por qualquer motivo besta, a situação estava ficando insustentável.

Ignoramos a reclamação da Fernanda e começamos a socar a porta insistentemente, até que Susan saiu com a cara amarrada, batendo a porta do quarto quando passou. Os meninos já tinham saído para um kart e nós íamos passear na cidade, mas claro, se conseguíssemos terminar de nos arrumarmos. Na hora de procurar os sapatos, descobrimos que tia Cátia amontoou todos no sótão da casa e subimos as 4 para procurar cada um o seu. Já estávamos quase saindo quando a luz apagou e a porta do sótão bateu com força.

- O que foi isso?? – Susan falou assustada
- Acho que faltou luz...
- A porta ta trancada e não abre sem energia.
- Como não abre? Não é só puxar?
- Não... Meu pai adora inventar e criou um mecanismo esquisito que faz a porta travar quando falta luz
- Ah que ótimo, então vamos ficar presas aqui até ela voltar?
- Socoooorro! Tirem-me daqui! – Chelsea começou a berrar na janela, mas parece que não havia mais ninguém em casa.
- Será que da pra pular? - arrisquei
- Ta louca?? Estamos no 3° andar!

Diante da perspectiva de que ficaríamos trancadas naquele lugar escuro por no mínimo uma hora, cada uma sentou em um canto e se calou. Acho que passamos meia hora assim, caladas, encarando os sapatos, até que Susan levantou e começou a revirar o sótão. Ao que parecia, ali era o depósito de coisas velhas da família. Tinha caixa com coisas de bebe, roupas velhas, brinquedos, quadros... Mas o que chamou a atenção de Susan foi um álbum de fotografias antigo. Ela o apanhou e sentou de novo, abrindo.

- Nossa Lou, olha essa foto que pré-histórica! Acho que foi da última vez que viemos aqui...

Sentei ao lado dela para ver a tal foto e comecei a rir quando olhei. Devíamos ter no máximo 7 anos e estávamos na praia. Eu estava cercada de baldinhos e pás, brincando na areia com ela e a Fernanda. Chelsea se juntou a nós duas e a cada foto que passávamos, tinha uma historia pra contar. Nanda desfez a cara emburrada e sentou ao meu lado também, ajudando a relembrar da nossa infância, quando nós vínhamos para o Brasil quase todo ano e quando não vínhamos, eles iam a Londres. A gente cresceu e acabamos nos afastando um pouco, mas sempre fomos muito amigas.

- Lembra da vez que eu fui a Londres e nós nos perdemos no Museu de Historia Natural?
- Como ia esquecer? Minha avó ficou louca achando que tínhamos sido seqüestradas, chamou ate a policia!
- Ah olha essa aqui, foi nas férias que fomos esquiar... Nossa, eu devia ter 9 anos.
- Foi a ultima vez que nos vimos... – Nanda falou olhando pra foto
- O que é esse caderno aqui? – Chelsea falou puxando um caderno velho da caixa
- Meu Deus! É o meu diário velho, escrevia nele nas férias... Pensei que Sergio tinha jogado fora!

Fernanda puxou o diário da mão de Chelsea e começou a folhear, lendo uma pagina ou outra que considerava engraçada. A cada capitulo daquele diário eu ia ouvindo coisas que nem me lembrava mais, coisas de quando não tínhamos mais que 10 anos, como da vez em que Susan, Julian e eu pegamos Fernanda e Brendan se agarrando atrás das bananeiras e usamos chantagem pelo resto do verão para não contarmos aos pais deles.

- E você e o Brendan hein? E não faz essa cara afetada porque eu sei que vocês têm se encontrado, ele me contou!
- Que fofoqueiro! Mas não foi nada, só uma fraqueza, ele é tão bonitinho... Só não contem pra ninguém!
- Adoro meu primo sabe, mas ele não serve pra namorar, é muito safado – Susan concluiu e rimos.
- O que foi Nanda? Você ta meio vaga... - perguntei
- É que... Olha, não contem isso a ninguém pelo amor de Deus, mas... Eu acho que estou grávida.
- O QUE?? – falamos ao mesmo tempo
- Não tenho certeza de nada, é só impressão... Mas a mulher sente essas coisas, sabe?
- É do Brendan? – perguntei já sabendo a resposta
- É né...
- Meu Deus, a vovó vai morrer!
- Não piora as coisas, Susan! Ele já sabe? – Chelsea falou tentando controlar a voz
- Não, nem contei. Melhor ter certeza antes, não tem necessidade de alarmar ele à toa...
- Ok, uma coisa de cada vez. Fernanda, quando sairmos daqui vamos ao medico com você.
- É, sem pânico, pode ser alarmo falso.
- Eu acho bom ser! Meu pai vai me matar, capaz de me obrigar a casar com ele, do jeito que é antiquado...
- Argh casamento? Nem sob tortura! – Susan falou
- O que tem demais em se casar? Julian e eu nos casamos...
- Desculpe, acho que não ouvi direito... VOCES O QUE?? – falei espantada
- Não era pra eu contar nada, mas nos casamos na 1ª semana de férias. Ninguém sabe, ainda estamos pensando em como contar.
- Bom, é melhor vocês acharem uma justificativa realmente boa, porque tia Claire vai dar um ataque.
- Nem me fale... Ainda não sei como concordei com essa loucura, mas agora já está feito.
- Bom, já que estamos falando tudo... Quem quer apostar que até amanha a Lou fica com o Serginho?? – Susan falou rindo e a acertei com o álbum
- Que papo é esse? Não sei do que você ta falando...
- Ora Lou, ate eu que sou meio lerda percebi que o Serginho ta afim de você. – e todas concordaram.
- Ah gente, não tem nada a ver, eu tenho namorado.
- Então diz isso pro meu irmão, porque ele a empenhado em ficar com você.
- Era só o que me faltava...

Realmente só faltava essa. Agüentei ate agora as investidas do meu primo, mas estava a ponto de gritar. Confesso que por algumas vezes me peguei considerando a idéia de ceder, mas logo desistia. Tinha acabado de me acertar com o Remo e não ia me perdoar se traísse a confiança dele. Contei isso a elas, que concordaram comigo e me incentivaram a dar logo um fora em Sérgio antes que ele me agarrasse no meio do corredor. Passamos horas trancadas lá, presas a memórias e dividindo segredos umas com as outras, sabendo que o que fosse dito ali, permaneceria lá. A luz voltou muito tempo depois, mas só percebemos quando a porta do sótão abriu e Sérgio entrou preocupado, procurando por nós. Elas desceram as escadas depressa para irmos com Fernanda ao medico, mas ele me reteve lá em cima.

- Aonde vocês vão com tanta pressa?
- A lugar nenhum, só queremos sair um pouco.
- Espera um minuto... Eu queria conversar com você...
- Sobre o que? – perguntei, mas sabia o que era.
- É que você esta diferente, mudou muito desde a ultima vez que nos vimos e eu pensei que...
- Olha, desculpa, mas não vai dar. Gosto muito de você, de verdade, mas eu tenho namorado e amo muito ele, não pretendo trair sua confiança.
- Desculpa, eu não sabia... Você não falou nada. Tem certeza que gosta dele? – e riu
- Absoluta.
- Bom, então esquece. Mas se um dia você terminar com ele... – falou rindo
- Pode deixar que vou me lembrar disso, mas é melhor você partir pra outra, pois não tenho a intenção de me separar dele de novo...
- Nunca diga nunca
- Para de me agourar! – falei brincando e ele riu

Ainda fiquei encarando ele alguns segundos e depois passei pela porta, indo me encontrar com elas para saímos. As meninas já estavam a minha espera e me interrogaram sobre ele ter me segurado no sótão, rindo enquanto eu contava o que tinha acontecido. Não tinha mais duvidas dos meus sentimentos por Remo e agora mais do que nunca eu tinha certeza disso. O amava de verdade e nenhuma outra pessoa iria me fazer questionar isso.