Sunday, July 09, 2006 Hiroshima, meu irmão Do diário de Scott Foutley Às vezes quando você é um garoto, fica acordado a noite refletindo sobre coisas que há muito tempo os adultos deixaram de se perguntar: Qual a sensação de estar morto? O tempo e o espaço são mesmo infinitos? O que havia antes de tudo começar? Ou... Por que existem pessoas como o Wayne? Eu nem podia imaginar, ate durante o sono meu irmão parecia me odiar. Acho que ele nunca perdoou algo que fiz muito cedo na vida: nascer. E para piorar tudo, eu fiquei. Wayne tentou se adaptar. Na verdade, nosso relacionamento atingiu certa estabilidade, mas eu sempre imaginei que as coisas ficariam assim. Não importa o quanto seu irmão o odeie ou o quanto você o odeie, há sempre um limite que você estabelece. Há argumentos que você poderia usar contra ele, mas não usa para não feri-lo. Ate que um dia as coisas foram longe demais. Estávamos já na ultima semana no resort. Enquanto todos participavam das atividades e competições, eu optava por passar meu tempo observando de longe. Claro que participei de alguns jogos, pois papai me arrastou pelas orelhas até as areias quentes para o vôlei de praia em que disputamos contra a família do tio mais chato que tenho e fui forçado por ele a competir na canoagem com meu irmão... Mas ao menos tive a chance de ver meu primo Evan afundar no meio do lago quando tentou nos ultrapassar e Wayne o acertou com o remo, desequilibrando ele e a Kate e virando o caiaque. Nunca me dei bem com Wayne, mas temos nossos momentos... Raríssimos, devo acrescentar! Ele parecia ter prazer em me torturar, não pode me ver quieto que já encosta para provocar. E não tem sido diferente desde que chegamos a esse resort. Minha escapatória era conversar com Jake, o único primo com quem me dava bem. Jake era meu cúmplice, fomos criados juntos e isso fazia dele o alvo favorito nº. 2 do meu irmão. Estávamos sentados no chalé da vovó refugiados da chuva e sem nada pra fazer, observando seu hamster de estimação correr de um lado para o outro na gaiola, quando Wayne chegou pisando nas revistas que estávamos lendo. Já olhei pra ele irritado e levei um tapa na cabeça por isso. WF: O que as moçinhas estão fazendo? JV: O que você quer Wayne? WF: Olha o tom de voz, cabelo de cuia. SF: Vai embora, não tem mais nada pra você fazer? WF: Não... Prefiro ficar aqui... Ooh que ratinho bonitinho, pode ver? Mas claro que ele nem esperou a resposta e foi logo abrindo a gaiola e pegando o bicho com a mão, apertando ele. Jake tentou resgatar seu hamster antes que os olhinhos explodissem, mas Wayne o empurrou pra longe e levantou depressa, correndo pela sala com o bicho espremido entre os dedos. Fomos atrás dele, mas mesmo sendo dois, meu irmão ainda era mais forte. Ele sentou na mesa e ia nos afastando com o pé, até que acertou o nariz de Jake com força. JV: Olha o que você fez! - disse com os olhos marejados e saiu correndo com a mão suja de sangue SF: Satisfeito Wayne? Já conseguiu machucar alguém, agora me devolve o Charles. WF: Não... Deixa ele fazer um pouco de exercício... Wayne soltou o hamster no chão, que saiu correndo feito um louco pelo chalé, se escondendo debaixo dos móveis. Abaixei-me para procurá-lo e de repente senti meu cabelo sendo puxado com força. Virei assustado e meu irmão estava com o cano de um aspirador de pó na minha cabeça. SF: Desliga isso, ta embolando meu cabelo! WF: Vamos brincar de buraco negro? Será que um rato consegue escapar ou vai ser sugado para o desconhecido?? SF: O que? Não, larga isso!! Levantei de um salto e travei uma batalha com ele, na tentativa de tomar aquela coisa de sua mão. Wayne ia me acertando cotoveladas enquanto vasculhava os cantos dos móveis com o aspirador de pó ligado. Começava a temer o que poderia acontecer, até que ouvimos um chiado fino e o som de algo entupindo. Ele desligou o aparelho e olhou pra minha cara. Dessa vez ele foi longe demais, não agüentei e pulei em cima dele, o derrubando no chão. Wayne me empurrou contra a cama depois que se recuperou do susto e engatinhou até o aspirador de pó, abrindo rápido. Corri atrás dele para ajudar e encontramos o hamster do Jake duro dentro do saquinho. SF: Você matou o Charles! WF: Desculpa, só estava brincando, não queria matá-lo... SF: Você está sempre brincando, esse é o problema! WF: Ah qual é, vai chorar agora por causa de um rato? SF: Qual o problema? Eu choraria se você morresse também... Só senti o punho de Wayne no meu peito antes de tombar em cima da mesinha de centro. Naquele momento, quando olhei para meu irmão, alguma coisa se instalou dentro de mim. Eu não odiava a maneira dele ser, eu o odiava. Eu odiava tudo nele e naquele momento eu não me importava com nada, eu só queria feri-lo. SF: Sabe por que você levou um bolo ontem? Sabe por que a Ângela o deixou plantado no salão por 4 horas? WF: Cala a boca! SF: Porque ela não gosta de você. WF: Cala a boca! SF: Ela não gosta! Ninguém gosta. WF: CALA A BOCA! SF: NÃO! Você pode ser maior e mais forte que eu, mas sabe de uma coisa Wayne? Eu tenho amigos. Ninguém gosta de você Wayne! Você é sempre ruim com as pessoas, porque ninguém gosta de você! Você me da pena... Fiquei esperando ele vir me bater, estava preparado para levar uma surra por ter dito aquelas coisas, mas ele não o fez. Meu irmão ficou parado me encarando, então largou o rato morto na minha mão e saiu do chalé, sem dizer uma única palavra. Agora quem tinha ido longe demais havia sido eu, sabia disso. Mas não fiz nada para consertar, apenas recolhi o rato e sai do chalé alguns minutos depois para devolvê-lo ao meu primo. Quase não vi Wayne nos dias que se passaram. Eu procurava ficar o maior tempo possível com a vovó, longe das atividades familiares e ele também me evitava. Já era o dia de voltarmos para casa e eu estava sentado sozinho num banco, quando ele veio ate mim. SF: O que está fazendo aqui? WF: Não é da sua conta... Ele ficou mudo e passamos um tempo olhando para a grama. Então ele resolveu falar. WF: Olha, desculpa, ta? Não fiz de propósito! SF: Esse é o seu problema Wayne. Você nunca tem a intenção. WF: Você acha que fiz aquilo de propósito? Acha mesmo? SF: Não... Desculpe as coisas que eu disse. WF: Papai já esta colocando as malas no carro, você vem? SF: Vou... Levantei do banco e caminhamos devagar ate a porta do chalé, um empurrando o outro como de costume. E enquanto meu irmão e eu voltávamos para a casa naquele dia, acho que nós dois sabíamos que as coisas jamais seriam as mesmas entre nós, tudo seria mais complicado. Agora nós dois sabíamos que eu também podia feri-lo. E o mais entranho é que eu não sabia se aquilo me agradava. |