Saturday, July 01, 2006

A viagem de carro

Do diário de Scott Foutley

- Depressa Scott, o ônibus já vai sair!

Minhas amigas estavam paradas perto do ônibus trouxa terminando de acomodar as bagagens e me berrando, mas eu não estava com pressa de ir embora. Não que gostasse de acampar, mas ao menos aqui eu tinha a companhia delas e ir embora significava passar o resto das férias em casa. Muita coisa havia acontecido desde que chegamos: Tiago e Yulli pareciam ter terminado de vez e ela agora andava saindo sem compromisso com Mark. Alex também terminou com Logan e jurava que eles conseguiriam manter a amizade. E Louise, finalmente, voltara a namorar Remo. Na festa de despedida na noite anterior eles se acertaram e não se desgrudavam mais.

Já havia chegado ao ônibus e procurava um espaço vazio para empurrar minha bagagem quando ouvi alguém me chamar. Virei-me para ver quem era e avistei meu pai parado de braços cruzados perto da saída, indicando com a cabeça para ir ate ele. Já fui me despedindo das meninas, pois tinha certeza que não voltaria com elas.

- O que veio fazer aqui?
- Não tenho tempo para esperá-lo chegar a Londres nesse ônibus para então irmos através de chave de portal para a Suécia. Sua mãe insiste que devemos chegar a esse resort de carro, como o resto da família dela.
- Ela também está aqui?
- Não, já foi com Megan e Karen. Fiquei para trás para apanhar você e seu irmão. Vamos, Wayne está nos esperando em um pub aqui perto para irmos para a Suécia pegar o carro.

Wayne estava ali?? Isso quer dizer que minhas esperanças de que ele passasse as férias mais uma vez na casa daquele amigo retardado dele na Bulgária acabavam de ir por água abaixo. Respirei fundo e segui papai até o pub, arrastando minha mala. Assim que pisamos nele meu irmão veio na minha direção, me dando uma gravata e despenteamos meu cabelo.

- Irmãozinho! Quanto tempo!
- Já voltou, é? Pensei que ia ficar na casa do Wart.
- Papai me forçou a voltar, repeti o ano em Durmstrang...
- Você é o orgulho da família, Wayne... – falei debochado
- Você e suas piadas, sempre hilárias! – e deu um soco no meu braço, rindo.
- Parem de brincadeira e vamos embora, já estamos atrasados!

Papai tirou uma lata de refrigerante do bolso e estendeu a mão para que a tocássemos. Senti um puxão no umbigo e no instante seguinte meus joelhos se chocaram com o chão duro da sala da minha casa, com Wayne caindo por cima de mim. Percebi que no canto haviam três malas arrumadas e reconheci uma delas como sendo a minha.

- Vocês têm 10 minutos para pegar algo que não esteja na mala que sua mãe arrumou. Vou colocando o resto das coisas no carro. 10 minutos!

Ele saiu carregando uma das malas e mais outras coisas ate o carro e fui checar a minha. Não tinha nada ali que quisesse trocar, então fui arrastando-a para o carro atrás dele. Wayne veio me seguindo e passou a minha frente, sentando-se no banco do carona. Quando já estávamos acomodados, papai partiu rumo às estradas da Suécia.

Não me recordo da ultima vez que peguei essas estradas para uma viagem de família. Quando éramos pequenos, todas as férias de verão eram reservadas para passarmos juntos, em alguma praia. Era a época em que papai ainda não era ministro da magia e tinha tempo para a família, época que mamãe não mergulhava de cabeça nos projetos da produtora musical e tirava férias sem ligar de hora em hora para saber se estava tudo bem, época que Karen, Megan, Wayne e eu não tínhamos mais que 10 anos e passávamos horas a fio enterrando papai na areia ou fazendo castelos na beira da água enquanto mamãe tirava milhões de fotos. Agora não tem nada disso, estava tudo completamente diferente e mesmo que nunca admitisse isso, sentia falta dos velhos tempos.

Observava os outdoors passando ligeiro pelo vidro do carro, alheio a musica que Wayne botou no radio ou as reclamações de papai dizendo que não estávamos lendo o mapa direito. Paramos para almoçar em um desses restaurantes na estrada e alguma coisa me dizia que papai estava perdido. Mas não adiantava dizer nada, ele nunca iria admitir que não sabia onde estava, para ele tudo estava sempre sob controle, ele iria se recusar a pedir informação. Comemos uma torta suspeita e voltamos ao carro. Dessa vez sai antes de Wayne e sentei no banco da frente, apesar das tentativas dele de me arrancar de lá a força. Um grito de papai resolveu o problema e ele sentou emburrado no banco traseiro.

- Estamos na rodovia certa, papai? – perguntei confuso
- Claro que estamos! Não sabe ler o mapa?
- Sei, por isso estou perguntando... Aqui diz que estamos na rodovia 27 e deveríamos ter virado na 25!
- Não tem nada errado Scott, só peguei um atalho. Não se preocupe.
- Não estou preocupado, só comentando.
- Então não comente, apenas leia o mapa direito para dizer onde temos que virar agora!
- Para com isso Wayne!
- Isso o que? Não fiz nada...
- Você ta cuspindo em mim
- Ta maluco??
- Já mandei parar com isso! – virei para ele tentando acerta-lo e acabei amassando o mapa.
- Parem os dois! – papai falou e sentei novamente.

Wayne havia saído da lanchonete com um canudo na boca e estava mastigando pedaços de papel e cuspindo-os em mim com aquilo. Minha blusa já estava branca e o mapa todo salpicado de saliva, mas papai estava tão concentrado na estrada tentando não se perder mais ainda que não percebia que a todo instante uma bolinha voava perto dele. Meu irmão cuspiu mais uma vez e acertou minha orelha. Atirei o mapa de qualquer jeito no chão e voei para o banco de trás, apertando o pescoço dele. Papai deu uma freada repentina que nos lançou pra frente na mesma hora.

- JÁ CHEGA! FIQUEM OS DOIS NO BANCO DE TRAS E SE OUVIR UM BARULHO SEQUER LARGO AMBOS NA ESTRADA!

Pronto, era só o que faltava para a viagem ficar completa, papai se estressar por estar perdido e descontar na gente. Sentei do lado oposto e foquei minha atenção no mato do lado de fora. Hora ou outra Wayne cuspia outro papel, mas socava seu braço e ele revidava, ficando apenas nisso. Começava a escurecer e nada de chegarmos lá. Mamãe já devia estar preocupada... Notei que um outdoor indicando o resort, com a mesma distancia, passara pelo carro 3 vezes. Olhei para Wayne, mas ele não parecia ter percebido nada. Papai talvez, mas não confessaria. Resolvi falar.

- Pai... Acho que já passamos aqui 3 vezes...
- Não passamos não, você deve ter dormido.
- Nós estamos perdidos, o senhor esta andando em círculos!
- Não estamos perdidos coisa nenhuma, fiquem quieto ai e me deixe dirigir! Não consigo me concentrar na estrada com vocês dois me interrompendo a todo instante!
- Boa panaca, nos fez ganhar outro esporro de graça...
- Cala a boca cabeção... O QUE FOI ISSO??

Um estouro vindo de debaixo do carro ecoou na estrada deserta e papai perdeu o controle do volante, descendo o acostamento e parando a meio centímetro de uma placa. Abri a janela depressa para ver o que era e Wayne passou por cima de mim, abrindo a porta e saindo do carro. Papai fez o mesmo, com uma cara irritada.

- O pneu furou pai...
- E agora? Não tem mecânico aqui! – disse saindo atrás deles.
- Panaca, ele pode consertar com magia!
- Mamãe não vai gostar de saber disso...
- Sua mãe confiscou minha varinha, não há nada que eu possa fazer.
- Vamos trocar nós mesmo então, ue... – arrisquei
- E desde quando você sabe trocar pneu?? – Wayne falou rindo
- Pra sua informação, eu sei sim! E você por acaso sabe?
- Não, mas não tenho cara de borracheiro, não preciso saber.

Mentira, não sabia coisa alguma. Vira algumas vezes meu avô fazendo isso e o imitava no meu carrinho de pedal quando era criança, mas nunca nem senti o peso de um pneu de verdade. Papai duvidou também e me irritei, arrancando a caixa de ferramentas da mão dele e me abaixando ao lado do pneu estourado. Os 30 segundos que fiquei parado tentando adivinhar qual ferramenta deveria usar foram os mais longos da minha vida, mas por fim me lembrei e comecei a girar aquela porcaria. Era duro, minhas mãos doíam, mas eu evitava fazer cara sofrida para não dar chance deles falaram. A cada giro que eu dava naquilo e a coisa não se mexia, papai deixava escapar um riso debochado. Wayne não disfarçava e ria o tempo todo. Quando consegui fazer com que a chave se movesse, cai sentado no chão com a pressão que fiz.

- Largue isso Scott, eu mesmo faço.
- Não, eu disse que posso fazer.
- Você não sabe o que esta fazendo, admita logo – papai falou já se abaixando para pegar a chave da minha mão.
- Então você também admita que estamos perdidos e peça ajuda!
- Não estamos perdidos, quantas vezes vou ter que repetir??
- Se você não consegue pedir ajuda por orgulho, não reclame de mim! Puxei a você...

Papai me encarou serio e pensei que ele fosse me dar um tapa, mas ele cruzou os braços e saiu de perto, deixando que eu terminasse o serviço. Levei um tempo, mas finalmente consegui trocar o maldito pneu. Voltamos para o carro e fui lendo o mapa alto para ele, que dessa vez seguiu minhas instruções e em pouco menos de uma hora chegamos ao resort. Mamãe já estava com um telefone na mão prestes a chamar a policia. Saímos do carro e fui direto para o quarto, sem trocar nenhuma palavra com ele. E pelo jeito, o resto das férias vai ser do mesmo jeito...