Monday, August 14, 2006 Enquanto isso, em Gotland City... Do diário de Scot Foutley Todo ano, durante uma semana do mês de Agosto, a principal cidade de Gotland, Visby, se enfeitava para Semana Medieval, em celebração a conquista da ilha pelo rei dinamarquês Waldemar Atterdag em 1361. O festival era muito legal, tinham espetáculos históricos, torneios com cavaleiros, concertos, mercados medievais e varias outras atividades culturais. Para onde você virasse, esbarrava com pessoas fantasiadas como na era medieval, homens usando aquelas calças esquisitas, mulheres com vestidos cheios de enfeite, arqueiros, bobos da corte, trovadores, acrobatas, reis e rainhas... Eu vinha todo ano com a minha família, já era tradição e uma maneira que encontrávamos de ao menos por uma semana nas férias sairmos juntos. Esse ano vínhamos um pouco mais a contragosto, andávamos brigando o tempo inteiro e papai estava irritado, com os nervos a flor da pele. Mas como mamãe insistiu que ele viesse e teve o nosso apoio, ele acabou cedendo. Ok, nosso apoio não era pela semana em família, mas sim pelo show do ABBA que teria hoje à noite, mas ele não precisava saber desse detalhe. Papai tinha aversão ao ABBA! Assim que chegamos ao local nos dispersamos. Megan encontrou um grupo de amigas e foi com elas brincar nas barracas, Wayne se juntou ao David Wortshafter, o Wart, seu amigo de infância mais retardado que uma mula e desapareceram na multidão e eu fui andar pela feira com Karen, deixando papai e mamãe sozinhos por lá. - Que tal tentar a sorte no arco e flecha? – ela falou saltitante - Péssima idéia, sabe que sou ruim na pontaria. - Melhor, assim ganho de você! Vamos! Karen agarrou minha mão e foi me puxando pelo meio das pessoas até a área cercada. Um homem vestido de bobo da corte nos entregou os arcos e um saco cheio de flechas. Karen já tinha intimidade com aquelas coisas e começou a disparar as flechas na direção do alvo. Eu ainda fiquei um tempo tentando encaixar a minha, mas começou a juntar gente em volta pra ver os ‘arqueiros’ em ação e coloquei aquilo de qualquer jeito no arco, disparando a 1ª. A pressão daquilo foi tão grande que fui lançado para trás, me equilibrando para não cair. Karen começou a rir e ignorei, lançando a 2ª flecha. Ao invés de lançar para baixo, foi para o alto, e ouvi um chiado e algumas penas caindo: aceitei um pássaro desafortunado que passava na hora. Minha irmã agora gargalhava e me invoquei, esticando o braço cheio de pose e mirando no alvo, dessa vez ia acertar, era questão de honra! Respirei fundo e larguei o dedo. A flecha disparou feito um foguete, traçando uma reta até um arbusto do lado do alvo. Karen já comemorava por ter vencido quando alguém gritou, caindo em seguida de dentro do arbusto. Era um garoto que reconheci como um namoradinho de Megan nas férias, que eu detestava. Minha irmã saiu logo em seguida desesperada e ajudando-o a levantar. Tinha acertado a flecha na bunda dele. - Vamos embora, larga os arcos! – Karen falou apressada e atirei tudo no chão, correndo com ela. - Hei esperem! Vocês não terminaram de jogar! – o bobo da corte falou, mas nem demos atenção. - Será que ela nos viu? – falei afobado, mas rindo muito. - Acho que não, estava ocupada. Declaro sua a vitória, só por ter flechado aquele garoto chato! Passamos correndo pelas pessoas na feira esbarrando em todo mundo, às gargalhadas. Papai odiava aquele tal de Robert, ia ficar até feliz se contássemos que eu ataquei de cupido às avessas. Paramos para comprar maça do amor e Wayne passou disparado por nós dois, gritando agitado ‘Papai vai participar do duelo, papai vai participar do duelo’. Karen e eu nos entreolhamos espantados, mas disparamos na mesma hora atrás de Wayne, que corria na direção do anfiteatro onde normalmente ocorriam os torneios com os cavaleiros naquelas armaduras prateadas. As arquibancadas da arena estavam lotadas e Wayne correu para o canto dela, onde logo avistamos mamãe aflita, tentando convencer papai à não entrar lá. Ele estava paramentado com aquelas armaduras, carregava uma lança e andava com dificuldade, talvez por ser tudo muito pesado. Wayne logo se prontificou a ajudá-lo com o capacete e mamãe batia nele para que não desse mais corda, mas era tarde demais. Papai se ajeitou naquela roupa e montou no cavalo meio sem jeito, abaixando o visor de proteção e cavalgando para o centro da arena. - Ah vamos sentar rápido, quero assistir a isso de camarote!! – Karen falou rindo alto e me puxando para a tribuna de honra. - Ô mãe, o que o pai tem? Ele perdeu o juízo? – perguntei quando ela sentou ao nosso lado, nervosa. - Paramos para experimentar o ponche numa dessas barracas e ele acabou exagerando um pouco... Vocês sabem como o pai de vocês fica exibido quando bebe! Bastou um infeliz desafia-lo e pronto, ele está achando que é o Rei Arthur! - Melhor o Lancelot... Rei Arthur era o marido traído! – falei rindo e Karen me beliscou - OK, falei com o mediador, ele disse que não tem perigo nesses torneios. Eles colocam cortiça na ponta das lanças e tem médicos de plantão pra algum eventual acidente. – Wayne falou vindo se sentar conosco e nos distribuindo binóculos - E você quer me tranqüilizar com essa informação?? – mamãe berrava - Relaxa mãe, que mal pode acontecer? Papai está querendo descontrair! – Karen falou se divertindo com aquilo - É mãe, agora não tem jeito... A não ser que a senhora encarne a Guinevere, vai ter que ficar sentada aqui e assistir ao torneio... – completei Mamãe se sentou conformada no banco e apertou os binóculos contra os olhos, mordendo os lábios de aflição. Uns homens vestidos a caráter entraram na arena e depois de ler um pergaminho com as regras, um deles tocou uma corneta e papai e o oponente recuaram com os cavalos cada uma para uma extremidade, ficando na mesma direção. Eles emproaram as lanças e quando a corneta tocou outra vez, dispararam com os cavalos. A cena que veio a seguir foi a mais inusitada que já presenciei em toda a minha vida: enquanto papai cavalgava contra o outro cavaleiro, o capacete começou a entortar na cabeça e ele querendo enxergar, se concentrou em ajeitá-lo. A lança então pendurou para o lado, arrastando no chão, fazendo um risco na areia. Ele já estava quase se chocando com o outro cara quando ergueu a cabeça de novo e se assustou com a cara do cavalo do oponente bem na sua frente. A lança que arrastava no chão já sem a cortiça cravou na areia, o cavalo freou para evitar o choque e meu pai foi arremessado para cima do outro cavaleiro, com armadura e tudo. Os dois deram um encontrão no ar e caíram embolados no chão, espantando os cavalos. Mamãe já ia levantar da tribuna de honra e ir socorrer o papai quando eles se levantaram e cataram as lanças que jaziam no chão, rodeando a arena incitando uma contra o outro. A multidão agora gritava alucinada, encorajando-os a duelar, e eu e meus irmãos nos juntamos ao coro pedindo luta. O outro cara avançou com a lança pra cima do meu pai e ele desviou ao mesmo tempo em que gritamos ‘olé’. Ele se levantou e já ia partir pra cima outra vez quando meu pai largou a lança no chão e agarrou a cabeça do cara, girando com ele na areia. O homem conseguiu se soltar e teve inicio uma verdadeira caçada, com ele correndo pela arena gritando e meu pai feito um touro atrás dele de braços esticados. Minha mãe agora se descabelava e os bobos da corte interviram, apartando os dois. Eles carregaram meu pai todo cheio de terra para a tenda médica e corremos até ele, a barriga doendo de tanto rir. - STUART! Perdeu o juízo? Quantos anos você tem? 5?? - Muito bom papai, muito bom! – Wayne dizia rindo - Mostrou pra ele quem manda! Meu herói! – Karen completou - Não sabia que o senhor andava a cavalo! - falei - Parem de dar apoio a isso, já chega! Ande, levante dessa maca e vamos embora! - Ah não mãe! O show do ABBA vai começar daqui a pouco! – falei e Karen e Wayne concordaram - Sim Isadora, vamos ficar para ver o ABBA com as crianças... Olhamos para papai em choque, tendo certeza que ele ainda estava sob o efeito do álcool, mas nos aproveitamos da deixa para ficarmos na feira até o fim do show. Saímos de lá e paramos em um dos restaurantes temáticos da feira, sentando em uma mesa de pedra redonda, comendo aquelas comidas pesadas e conversando animados, como não fazíamos há muito tempo. Quando escureceu nos encaminhamos para a arena outra vez, agora para assistir ao show do ABBA. Já estava lotado, mas como papai tinha influência mesmo estando bêbado, conseguimos vaga na tribuna de honra. Megan se juntou a nós dizendo que havia largado o Robert de bunda pro ar no ambulatório e pela primeira vez em muitos anos vi minha família toda junta brincando, sem brigas, tendo mesmo que por 2 horas um gosto em comum. Claro que amanhã papai vai ficar horrorizado quando contarmos que ele se fantasiou de cavaleiro da távola redonda na frente de uma multidão de trouxas e bruxos, lutou como um sumô na areia e dançou cantando à plenos pulmões ‘Dancing Queen’, mas ninguém mandou beber ponche demais. E sim, nós não íamos deixá-lo esquecer desse dia nunca mais! Wayne tem razão: tudo acontece em Gotland City... |