Wednesday, August 23, 2006

Tempestades de verão

Do diário de Scott Foutley

Há algum tempo atrás eu cheguei à conclusão que tudo de importante na minha família sempre acontece em dias de chuva. Basta cair um temporal lá fora, para um novo se iniciar aqui dentro. E dessa vez não foi muito diferente. Era nossa ultima semana de férias e passamos um dia inteiro trancados dentro de casa devido a forte chuva. Mamãe andava meio estranha, como se estivesse com algo entalado na garganta querendo sair. Megan também estava esquisita, mas essa eu sabia por quê: ela estava morrendo de medo que papai descobrisse o que andou fazendo nas férias... Wayne estava normal, relaxado até demais, mas não fazia idéia do que se passava em sua cabeça. Karen passou o dia inteiro no telefone. E eu, bom, estava cada dia mais confuso, mas há alguns dias resolvi esquecer o que me incomodava e fingir que nada aconteceu...

Papai chegou do trabalho estressado, mas não me atrevi a perguntar o que aconteceu. Sabia que o Ministério andava enfrentando problemas com os seguidores de você-sabe-quem e isso já era o bastante para deixar meu pai irritado 24hs por dia. Na condição de Ministro da Magia, era sobre ele que as cobranças caiam... Mamãe veio batendo na porta dos quartos para avisar que o jantar estava servido e que queria todos na mesa hoje, sem desculpas. Então, me via agora sentado do lado direito de papai e do esquerdo de Karen, de frente para Wayne e Megan do outro lado da mesa. Todos mudos, comendo.

- Como foi o dia hoje, querido? – mamãe arriscou de repente.
- Um caos. Preciso me aposentar depressa. – papai falou sua habitual frase. Notei que Wayne disse junto com ele, mas sem emitir som algum. Tive que segurar o riso.
- E vocês crianças? Fizeram algo de bom durante o dia? – mamãe tentou mais uma vez iniciar um diálogo.
- O panaca não quis sair do armário a tarde toda... – Wayne falou apontando pra mim.
- Cala a boca! Wayne passou o dia inteiro atirando balão d’água na janela do vizinho! – soltei depressa e papai se virou para ele, serio.
- Wayne, já fez o que mandei? Já está tudo certo?
- Bom... Não, na verdade, eu fiz outra coisa... – e notei que meu irmão parecia satisfeito.
- E será que posso saber o que você fez? – papai começava a se irritar.
- Me alistei no exercito!

Agora ninguém mais comia, apenas olhávamos de papai para Wayne, como se assistíssemos a uma partida de tênis.

- Pois desfaça. Você não vai servir exercito algum. – disse calmamente.
- Não! Não vou voltar para Durmstrang!
- Não é você quem decide isso. Você não vai a lugar algum que não seja a escola.
- O senhor não pode me dizer o que fazer, já sou maior de idade!
- Maior de idade que ainda não se formou e enquanto morar sob o meu teto, fará o que mando!

Papai largou o garfo na mesa e se pôs de pé, indo para o escritório. Mamãe levantou depressa e o seguiu. Ficamos os quatro na mesa.

- Muito bem cabeça oca, conseguiu tira-lo do sério. – falei rindo
- Cala a boca, panaca. Não vou voltar a Durmstrang, ele não pode me obrigar.
- E pretende fazer o que? Se amarrar na cama?
- Já está tudo resolvido! – papai falou, sentando a mesa novamente – Pode fazer as malas, você irá para Hogwarts com seus irmãos em uma semana!

Tive a impressão de que desmaiei por alguns segundos. Wayne em Hogwarts?? Tem como um dia piorar??

- Como é?? Ora papai, o que tem demais ele se alistar? Se quer ir pra guerra, o senhor deveria deixar! – falei em pânico já.
- Não se meta Scott. – papai me olhou severo e fiquei quieto.
- Não, nem pensar! Não volto a Hogwarts também, já passei dois anos lá e não me adaptei. Por isso o senhor me transferiu para Durmstrang! – Wayne parecia meio desesperado.
- Pois então terá que se esforçar mais. Já falei com Dumbledore, não tem mais volta. Assunto encerrado! E não tem permissão para se retirar da mesa.

Wayne largou os talheres e cruzou os braços, entendendo que aquela era uma batalha perdida. Agora quem suava era eu, sabia que minha vida acadêmica ia sofrer uma guinada de 360º com meu irmão estudando lá... Mamãe olhou para cada um na mesa e respirou fundo.

- Vou vender a produtora musical. – falou visivelmente aliviada por ter contado.

Dessa vez o som de “O que??” foi unânime, todos olhamos para ela incrédulos, pedindo uma explicação. Mas o fato era que mamãe já estava cansada, alegava trabalhar demais e não ter tempo para a família. O que não deixava de ser verdade, pois ela passou uns dias conosco nessas férias por um milagre divino! Papai foi o que aceitou mais rápido a novidade, o que acabou não sendo uma boa coisa...

- Ótimo! Papai agora não poderia estar mais feliz! – Karen soltou irônica.
- O que quer dizer com isso? – ele perguntou
- O senhor esta feliz, pois agora mamãe vai ficar em casa lavando suas meias. Não era isso que sempre quis? O senhor nunca engoliu o fato de mamãe trabalhar e ganhar seu próprio dinheiro, sempre quis que ela dependesse de você!
- Karen! Não fale assim com seu pai!
- Não o defenda mamãe, ele é um porco chauvinista! É por isso que estou saindo de casa!
- Que historia é essa de sair de casa, Karen? – papai falou já levantando a voz
- Isso mesmo que o senhor ouviu, Adam e eu vamos morar juntos. Saio daqui assim que as crianças voltarem para a escola!

Hoje era o que? O dia das revelações? Papai ia ficando vermelho a cada instante e apesar de achar que ele fosse contestar e tentar impedir Karen, ele não o fez. Deu um longo suspiro impaciente e continuou a jantar. Mamãe olhava para minha irmã meio triste, mas parecia conformada. Acho que ela já esperava por isso.

- Bom, já que estamos contando tudo, vou ser franco... – Wayne começou – Scott foi o responsável pela fuga da vovó naquele balão, no dia da festa...
- WAYNE! – saltei da cadeira, olhando depressa para mamãe. A fuga da vovó tinha dado uma tremenda dor de cabeça para meus tios, que perderam uma noite procurando por ela e estragando a festa.
- Foi você? Mas porque fez isso? E porque não nos contou, quando estávamos desesperados procurando sua avó nos hospitais?? – mamãe parecia chateada.
- Ela pediu pra não contar, estava odiando aquilo tudo... Wayne seu imbecil! – e ele riu.
- Olhe o linguajar, Scott! – papai reclamou
- Mas ele que... Ah, não era o veterinário que tosava o cachorro errado papai, era Wayne que o pegava mais cedo e esburacava o pêlo dele. O senhor causou a demissão do funcionário da loja a toa! – contei por vingança e papai arregalou os olhos!
- Scott foi quem cortou suas gravatas pra fazer uma corda! – Wayne me acusou de uma coisa que fiz quando tinha 5 anos.
- Ahn, er... Foi Wayne que encerou seu carro com pedras quando o senhor confiscou a vassoura dele!

Vi meu irmão ficar mais branco que um fantasma, enquanto papai parecia prestes a ter um colapso com todas essas quantidades de informação em tão pouco tempo.

- Ora seu... – disse entre os dentes - Megan freqüentou aulas na Academia de Aurores o verão inteiro, escondida!
- Wayne seu idiota!!! – Megan gritou, batendo nele.
- Desculpa, não lembrei de mais nada sobre o Scott...

A mesa agora caiu em um silencio profundo enquanto papai encarava minha irmã, sério. Mamãe parecia preocupada também, ate que ele resolveu falar.

- Não, já falei mil vezes. Não quero você metida com isso.
- Mas é o que eu quero fazer, quero ser um auror!
- Não Megan! Não vou deixar minha filha caçula correndo risco de vida em missões suicidas! Você não faz idéia do quanto é perigoso, nunca esteve lá de verdade!
- Espera aí! – falei olhando para ele – Quer dizer que Megan não pode arriscar a vida, mas Wayne e eu sim??
- É, bem lembrado panaca! Por que quer que nós dois nos tornemos aurores, correndo o risco de morrer, mas ela não pode?
- O senhor é um ditador! As mulheres estão conquistando sua liberdade, estamos conquistando nossos direitos e eles são os mesmos que os dos homens! O senhor não pode impedir Megan de ser o que ela quer! – Karen nos apoiou
- Os meninos têm razão, Stuart... – mamãe se pronunciou.
- Não incentive essa insanidade, Isadora! Sei que compartilha dessa opinião comigo!
- Papai, conforme-se, eu vou ser auror.
- E pretende pagar a academia com que dinheiro? Não vou bancar essa loucura, pode esquecer.
- Darei um jeito! Não preciso de sua ajuda para nada. Freqüentei as aulas do curso de verão com uma bolsa de estudos e se Wayne não tivesse dito nada, o senhor nunca teria descoberto!

Megan agora havia levantado o tom de voz e isso era uma coisa que papai não admitia: que falássemos mais alto que ele. Eles agora gritavam à mesa, Megan o desafiando cada vez mais. Mamãe, Karen e Wayne se meteram na briga, ela tentando amenizar as coisas, Karen colocando mais lenha na fogueira e Wayne querendo uma justificativa plausível para eu e ele estarmos sendo pressionados a nos tornamos aurores. Olhava para eles perdido, sem conseguir entender o que era dito tamanha era a gritaria. Precisava fazê-los calar a boca...

- Acho que sou gay...

Não foi preciso gritar. Mesmo falando em um tom normal, todos ouviram. Eles me olhavam com os olhos arregalados. Podia perceber que papai tentava pensar rápido em algo para dizer, mas não conseguia.

- Estou brincando, calma... Só queria que todos calassem a boca por um minuto! Mas bom saber as reações...

Papai estava visivelmente aliviado por eu ter dito que era brincadeira, mamãe agora ria e Megan também, embora soasse forçado e Karen parecia indiferente. O único que se manteve sério foi Wayne, que me encarava pensativo. Para contrariar todas as leis da natureza, além de Karen, ele parecia ser o único que não reagiria mal a uma novidade dessas...