Monday, April 09, 2007


Por Louise Graham Storm

- Eu quero fazer algo estúpido!
- Algo estúpido? – Brendan me olhou intrigado e riu – Como o que?
- Sei lá, algo estúpido! Algo sem pensar!
- Se atira da ponte então... – e dei um soco no braço dele
- Algo que me mantenha viva, idiota
- Vamos fazer uma tatuagem então!
- Com certeza, já estou até lá! – olhei para o meu primo com cara de deboche
- É sério, Lou! Tem uma loja nova na cidade, uns hippies que vieram de Liverpool, estão super famosos já! – como não respondi, ele continuou – Sempre quis fazer uma, e acho até que sei que desenho seria!
- Qual desenho? Do pernalonga? – falei rindo e ele me olhou torto
- Não, um desenho que vi na casa da sua avó uma vez que fomos lá tomar chá. Só precisava encontrar ele para dar ao hippie...
- Está dizendo que se encontrarmos o tal desenho, você faz uma tatuagem? – falei descrente
- Sim!
- Ah, vamos encontrar esse desenho e agora, vem!

Levantei do banco e sai arrastando Brendan pela mão rua abaixo até a casa da minha avó. Apesar da vovó Mary ser bruxa e meus primos todos trouxas, as duas famílias se dão bem. Sempre juntamos as duas para as festas de fim de ano e a vovó Mary está sempre convidando meus primos pra tomar chá com biscoitos, mesmo quando eu estou em Hogwarts.

Fomos caminhando pelas ruas de Londres brincando, como sempre fazíamos. Tinha uma relação diferente com cada um dos meus primos, mas com Brendan era o relacionamento mais instável. Hora estávamos bem e quem não nos conhece poderia até pensar que éramos namorados, e hora estávamos em pé de guerra, a ponto de brigarmos feio e eu bater nele. Ele vinha puxando meu cabelo pela rua e eu o beliscava, tentando me desvencilhar de suas mãos. Eu ria tanto das brincadeiras que não percebi que havíamos chegado à casa da vovó. Foi Brendan que me parou no meio da calçada, com uma cara esquisita.

- Que foi? Viu assombração? – falei ainda rindo, mas ele tinha uma expressão assustada no rosto
- Eu sei que você é bruxa e que vocês fazem mágicas, mas como você sabia o desenho que eu queria?
- Hã? Do que está falando? Eu não sei que desenho é esse.
- Então pode me explicar como ele foi parar ali, no alto da casa?

Brendan segurou meu queixo com força e virou meu rosto na direção da casa, apontando com a mão livre para o telhado. Senti meus joelhos cederem e se os reflexos dele não fossem bons, eu teria caído no chão. Uma névoa cobria a casa, só a casa da minha avó, e no meio dela, nítida e horripilante, estava a marca negra.

- Louise? – Brendan me sacudia, tentando me manter de pé – O que você tem? Está me ouvindo? Você está pálida!

Brendan continuava falando comigo, tentando me manter em pé, mas eu ignorava seu esforço. Tudo que queria era que ele me soltasse e me deixasse cair sentada no chão, me deixasse ali. Deixei um soluço escapar e só então percebi que estava chorando. Olhei para Brendan com o rosto molhado pelas lágrimas e ele me encarava assustado, sem entender nada.

- Lou, fala comigo! O que houve? – ele me abraçou e tentou me acalmar
- A vovó... – falei entre soluços – ela...ela... – mas não consegui completar a frase.

Não consegui, ou talvez não quisesse completar. Quem sabe se não dissesse em voz alta, não fosse verdade? Mas embora desejasse isso, sabia que era impossível. Sabia que quando a marca negra era deixada sobre a casa de um bruxo, era sinal de que os comensais da morte haviam passado por ela e deixado uma ou mais vítimas. Caminhei devagar até a varanda e meu primo vinha logo atrás de mim, com as mãos nas minhas costas como se estivesse com medo que eu caísse de repente. Enquanto abria a porta, rezava em silencio para que aquilo não passasse de um pesadelo e eu acordasse logo, mas sem muitas esperanças de ser ouvida.

A cena que vi foi algo que nunca mais vou esquecer. A sala estava completamente revirada, como se um tornado tivesse passado por ali e deixado tudo de pernas para o ar. Móveis rasgados, louças quebradas, a parede tinha marcas de luta e a porta que levava à cozinha estava arrebentada, fora claramente arrombada com um feitiço. Minhas mãos e pernas tremiam enquanto eu olhava ao meu redor, sem querer pensar no que eu realmente procurava. Brendan estava o tempo todo ao meu lado, olhando tudo horrorizado, mas não fez mais perguntas. Ele sabia que eu falaria quando fosse preciso.

Percorri toda a sala e não havia sinal de nada ali além de móveis quebrados. Pensei em subir as escadas, mas os quadros no corredor dela estavam intactos, sinal de que ninguém passou por ali estourando feitiços. Virei o rosto na direção oposta e vi a porta da cozinha escancarada. Fechei os olhos e respirei fundo antes de entrar, pois sabia que encontraria o que procurava se passasse por aquela porta.

O cenário não era muito diferente da sala, com apenas um detalhe que me apavorou como nunca nada antes fez: havia traços de sangue. Traços de sangue e traços de luta, um duelo havia sido travado naquela cozinha e infelizmente o lado errado saiu vencedor. Senti a mão de Brendan apertar meus ombros com força e me virei para ele. Meu primo tinha lágrimas nos olhos e indicou algo com a cabeça. Acompanhei seu olhar e vi. Atrás da mesa havia um par de pés calçados com os chinelos lilás que havia ganhado de presente de George. Atrás da mesa, estirado no chão como uma tábua, estava o corpo da minha avó.

Corri até ela e me ajoelhei ao seu lado, sem controlar os soluços. Eles estavam tão fortes que eu começava a ter dificuldade para respirar. Brendan se ajoelhou ao meu lado e podia sentir que ele se esforçava ao máximo para não chorar mais e me apoiar, mas não estava tendo muito sucesso. Não importava, estava grata apenas por ele pensar que isso ajudaria. Os olhos dela estavam arregalados e a expressão de pânico que tinha no rosto denunciava que algo além do ataque a surpreendeu. Fechei seus olhos ainda chorando muito e ouvi a porta se abrindo, os passos cada vez mais altos e próximos. Saquei a varinha do bolso e estava pronta para usar tudo que vinha aprendendo com o professor Stroke nos últimos meses quando vi que era meu irmão. George entrou correndo na cozinha e quando seus olhos caíram sobre o corpo da vovó, ele me encarou desesperado e começou a chorar. Aquilo tudo não era um sonho, e nem mesmo um pesadelo. Era a mais pura realidade. Minha avó estava morta, e graças aos seguidores do Lorde das Trevas.

A dor vai curar essas lástimas
O soro tem gosto de lágrimas
As flores têm cheiro de morte
A dor vai fechar esses cortes

Flores - Titãs