Friday, August 17, 2007


Dormia enrolada confortável no cobertor, sonhando com os planos de formatura que Scott e eu já começávamos a elaborar, quando um barulho ensurdecedor me fez saltar da cama. Procurei meus óculos no criado-mudo e vi George ainda fora de foco sentado na cama, com a mesma cara assustada. Levantamos ao mesmo tempo e corremos para a janela, para encontrar vovô John no quintal com uma máscara preta no rosto e um maçarico na mão. Ele tirou a máscara e sorriu para nós dois quando nos viu na janela.

- Desçam, quero lhes mostrar uma coisa! – disse animado e olhei confusa para George
- O que ele está aprontando?
- Não faço idéia, mas agora estou curioso – George calçou os chinelos e correu até a porta – Não vem?

Calcei os chinelos também e desci atrás de meu irmão. Desde que havíamos voltado de Canterbury, estávamos na casa do nosso avô bruxo. E por mais que não conversássemos sobre isso, todos sentiam que a casa estava diferente sem a vovó. Era como se tudo estivesse mais vazio, mais triste, e vovô se esforçava ao máximo para não deixar que nos contaminássemos com a melancolia que estava presente em cada cômodo. Chegamos ao quintal ainda de pijamas e ele polia algo de metal de aparência esquisita.

- Bom dia vovô – disse sonolenta – O que é isso?
- Uma fênix, ora! – falou como se fosse a coisa mais obvia do mundo
- Er... Não se parece uma fênix – George me olhou sem entender também – E pra que precisa de uma de ferro?
- Isso se chama arte abstrata, nunca ouviu falar? – vovô parecia chocado e reprimi a vontade de rir – Joanna me emprestou alguns livros enquanto vocês estavam na aula, me ajudou com algumas coisas da loja, sabem
- Está muito bonito, vovô – belisquei George discretamente quando ele me olhou de sobrancelha erguida – Se parece sim com uma fênix, é que George só lê livros sobre quadribol
- Mas vovô, pra que está usando esse fogo todo? – George me olhou feio e se virou para ele – Por que não usa magia e termina logo isso?
- Está brincando? – outra vez ele nos olhou perplexo – E onde está a graça? Essas ferramentas que Henry me emprestou são fantásticas! Construí praticamente tudo para a loja sem usar magia! Não é demais?

Sorri para o vovô e ele sorriu de volta, abaixando a máscara outra vez e continuando a soldar sua fênix de ferro. George entrou para ver televisão e fiquei sentada no banco do jardim observando ele trabalhar. Vovô havia comprado uma loja no Beco Diagonal há alguns meses e depois que vovó morreu, meus avôs trouxas estavam se dedicando em ajudá-lo com o que fosse preciso. Vovó Joana era a mais animada e vinha visitá-lo constantemente. A tal fênix parecia ser a ornamentação que faltava para que a loja de artigos contra arte das trevas estivesse completa.

Depois de servir o almoço, uma deliciosa comida congelada, vovô decidiu nos levar ao Beco Diagonal para comprarmos nossos materiais e visitar a loja. Despachei uma coruja avisando Remo que estaria lá na parte da tarde e usamos a lareira para irmos até o Caldeirão Furado. Minha lista de livros era extensa agora que iria cursar meu último ano em Hogwarts. Mais de uma hora depois, quando consegui eliminar todos os itens dela e voltar para a loja do vovô, Remo já me esperava lá. Ele sorriu ao me ver entrar e apertou a mão do meu avô.

- Podemos começar amanhã mesmo, Remo! – vovô estava radiante
- Sim, estou animado, Sr. Graham – Remo respondeu no mesmo tom – Tenho certeza que vou gostar de trabalhar aqui com o senhor
- Como é que é? – falei surpresa, largando as bolsas atrás do balcão e abraçando Remo – Você vai trabalhar aqui? Como pareço ser a última a ficar sabendo disso??
- Calma meu amor, você não foi à última – falou me dando um beijo – Cheguei há algum tempo já e como não sabia onde você estava, resolvi ficar esperando. E conversando com seu avô, ele me ofereceu uma vaga aqui. E aceitei.
- Mas isso é ótimo! – olhei para vovô e ele piscou pra mim – Estou muito feliz, de verdade!
- Já terminou suas compras? Vim buscá-la para que conheça o apartamento – ele olhou para vovô – Não tem problema de Louise ir comigo?
- Não, claro que não! – vovô falou sorrindo – Deixei as compras ai mesmo, querida. Quando for para casa posso levar. Traga minha neta de volta antes das 23h, rapaz.
- Sim senhor.

Despedi-me do vovô e saímos da loja, desaparantando em seguida. Já havia feito o teste e passado, mas como não sabia onde ficava o lugar, Remo aparatou comigo. Senti aquela sensação de desconforto e quando ela passou, estava em uma sala semi-mobiliada. O barulho que vinha da janela não deixava dúvidas: o apartamento ficava na Carnaby Street.

- Então? – Remo falou depois de me deixar analisar o cômodo – O que achou?
- Faltam alguns móveis, mas presumindo que vocês começaram a fazer a mudança essa semana, está excelente!
- Vem, vou mostrar o resto – ele me puxou pela mão através de um corredor – Não é muito grande, mas somos apenas dois

O corredor tinha quatro portas. Uma levava à cozinha, uma ao banheiro e as outras duas para os dois quartos. O quarto que seria o dele já estava quase todo arrumado, apenas com algumas caixas ainda lacradas. A janela tinha vista para um café bastante freqüentado por pessoas da nossa idade. A rua inteira, na verdade, era tomada de jovens. Carnaby Street era como o point da moda em Londres.

- Vocês não poderiam ter escolhido um bairro melhor, e uma rua mais perfeita que essa! – disse animada, saindo da janela e voltando a olhar para o quarto
- Que bom que gostou Louise! – Sirius saiu do quarto dele atraído pelo barulho – Aluado foi bem chato quanto à localização, acho que estamos bem perto da sua casa
- Sim, apenas há duas estações de distância – Remo respondeu
- Vou até Holborn terminar de trazer minhas coisas. Tiago falou que ia me ajudar e até agora não apareceu, então desisti de esperar – Sirius terminou de calçar os sapatos e saiu do quarto – Se ele aparecer, mande catar pulga de pelúcios. E pode mostrar meu quarto a ela, mas não se assuste com a bagunça – ele sorriu e desaparatou

Remo indicou o quarto de Sirius com a cabeça e entrei. Realmente ainda estava uma bagunça. Todas as caixas já estavam abertas, e tinha roupa pendurava em todas elas. A cama estava desmontada e o colchão em pé contra a parede. A vista da janela dele dava para um dos pubs badalados da rua. Voltamos para a sala. Passamos o resto da tarde e parte da noite organizando as coisas. Sirius logo retornou com dezenas de caixas e Quim apareceu também para ajudar. Já passava das 21h quando Sirius desceu para comprar uma pizza e depois de comermos, sentei no sofá com Remo para descansar.

- Lou, queria perguntar uma coisa a você – Remo disse parecendo escolher as palavras
- O que foi?
- Queria que você viesse morar aqui, comigo – falou em um fôlego só e me assustei – Quero morar junto de você

Apesar de saber que não era a melhor coisa a se fazer no momento, não pude evitar ficar calada sem responder por um tempo. Não esperava uma proposta dessas, assim tão de repente. Remo parecia já esperar por isso, e esperou pacientemente até que eu assimilasse o que ele acabara de me propor. Não nego que nunca pensei nessa possibilidade, pois queria passar o resto da minha vida com ele e eventualmente, o dia se dividirmos o mesmo teto chegaria. Mas havia me esquecido de pensar em como seria quando ele chegasse.

- Não posso – respondi depois de pensar bastante
- Por que não? – ele parecia um pouco desapontado
- Agora não é hora. Não que eu não queria, não é isso – acrescentei depressa – Claro que quero morar com você, mas ainda nem me formei, não posso simplesmente chegar em casa e comunicar ao meu avô Henry que vou embora, que vou morar com o meu namorado.
- Entendo – disse parecendo menos chateado – Me precipitei um pouco, não?
- Não acho que tenha se precipitado... Se vovô não fosse tão paranóico, ou se não tivesse Sirius aqui também, teria aceitado de imediato – disse sorrindo – Morar com você é tentador, mas também ter que dividir o espaço com Sirius Black é exigir demais. Ele vai transformar esse apartamento em um antro
- Bom, então acho que vou ter que procurar um outro lugar para ano que vem – ele segurou minha mão e entrelaçou os dedos nos meus – Seu avô gostando ou não, ano que vem você é só minha.
- Pode apostar que sim – disse beijando-o
- Mas, como não quero me indispor com mais um avô seu, e esse parece gostar de mim, acho que está na hora de levar você de volta a St. James

Remo levantou e estendeu a mão para mim, mesmo que não sentisse a mínima vontade de me deixar ir embora. Eu também queria ter ficado lá, mais do que qualquer outra cosia que já houvesse desejado. Mas eu não podia. Eu tinha 17 anos, morava na casa de meu avô, e dormia numa cama comprada por ele. Nada era meu, a não ser os meus sonhos e a certeza de que a partir daquele momento, nem todos os caminhos me levariam de volta pra casa.