Monday, August 06, 2007


“Lembro-me dessa pescaria em particular, não por ter sido a melhor nem a pior, mais por ter sido a ultima ao lado de meu pai”

- Wayne, Scott, andem logo!

A voz enérgica do meu pai, ampliada magicamente, invadiu meu quarto e saltei da cama assustado. Wayne também caiu no chão com o susto e logo minha mãe entrava no quarto mandando que levantássemos, arrancando os lençóis de cima da gente e dobrando.

- Depressa, seu pai está irritado por vocês ainda não terem descido!
- Mas estamos de férias, por que está nos tirando da cama... – procurei pelo relógio no quarto – às 7h??
- Por acaso esqueceram que vocês vão sair hoje para a pescaria? – mamãe falou impaciente

Olhei para Wayne e ele parecia também ter esquecido por completo desse detalhe. Desde que eu tinha 3 anos, Wayne tinha 5, papai nos leva para uma pescaria anual em uma região campestre aqui na Suécia. Sempre foi muito divertido, eram 3 dias que os homens da família ficavam longe das mulheres da casa, sem brigas, apenas passando um tempo juntos. Mas há algum tempo que essa pescaria deixara de ser divertida. Há pelo menos três anos, nós vamos arrastados.

Papai já estava todo equipado na cozinha quando descemos, as caras amassadas denunciando que ainda estávamos dormindo. Ele não nos deu bronca, tampouco sorriu. Apenas mandou que entrássemos logo no carro e comunicou que tomaríamos café no caminho, por causa do nosso atraso. Nos despedimos da mamãe e saímos para o que parecia ser nossa caminhada até a forca, dada nossa animação contagiante.

A viagem até o lago Vättern era de aproximadamente três horas. Wayne correu para sentar no banco da frente, o que agradeci, pois assim não teria que viajar todo aquele tempo ao lado do papai. Queria estar em qualquer lugar, menos ali. Louise tinha me convidado para ficar uns dias na casa dela e cheguei a aceitar, mas mamãe vetou. Depois de não ter aparecido em casa para o ultimo Natal, ela proibiu a família de se separar nessas férias. Wayne também andava mal humorado, pois Wart tinha viajado para o Hawaii e o convidou, mas meu irmão foi obrigado a recusar.

O lago Vättern estava do mesmo jeito que lembrava da viagem do ano passado. E de todos os outros anos. Passaram-se 11 anos desde que papai me trouxe aqui pela primeira vez e tudo continuava exatamente igual. Porém, papai parecia achar algo de novo a cada ano. Wayne desceu do carro de má vontade e começou a montar a barraca perto da água, sem magia. Papai nos proibia de usar varinha aqui, pois tinham muitos trouxas acampados ao redor. Regra estabelecida desde que éramos crianças, já éramos craques em deixar um pedaço de lona com aparência de algo confortável para se passar três noites.

A sexta-feira já havia terminado. Papai tinha uma tenda só dele e eu dividia uma, absurdamente pequena atualmente, com Wayne. Não dormi à noite, diferente do meu irmão. Além de Wayne roncar, ficava jogando as pernas para cima de mim e eu as empurrava para longe, para vê-las voltando a bater em mim segundos depois.

Levantei logo cedo no sábado e descobri que papai já estava com suas botas de pesca dentro da água ajeitando o anzol. Peguei minhas coisas e me juntei a ele. Como diz o ditado trouxa: se não pode vencê-los, junte-se a eles. Papai hoje estava mais animado, até sorria e falava animado das tais mudanças que ele insistia em ver no cenário. Não via nada, mas resolvi deixar o mau humor de lado e cooperar, se era para ver meu pai animado. Wayne levantou muito tempo depois, já quase ao meio dia, e saiu da barraca arrastando seu equipamento de pesca, sentando afastado e começando a montar as coisas.

Estávamos cada um em um pedaço do lago e quando fui caminhar mais para o fundo, senti um buraco debaixo dos meus pés. Era uma parte bem mais funda, que não estava ali no ano passado. Olhei para papai e ele estava distraído mais afastado da gente, então virei para Wayne.

- Ei, Wayne... – meu irmão me olhou entediado – Vem até aqui, acho que achei uma coisa!
- O que é? – meu pai me ouviu e veio caminhando interessado
- Não pai! – falei depressa, mas ele me ignorou – Não, não é nada, só queria mostrar ao Wayne, não é nada demais!
- Ora vamos, o que você ac- - Mas não ouvi o resto da frase, pois papai já havia pisado na vala e afundado. A única coisa visível era seu chapéu, boiando no lago.

Wayne começou a gargalhar enquanto eu me desesperava. Não pelo fato de que meu pai ainda não havia emergido, mas sim porque sabia que quando ele saísse da água, torceria meu pescoço. E acertei, não é a toa que adoro adivinhação. Vi algumas bolhinhas se formando na água e segundos depois, mais assustador que o monstro do Lago Ness, papai pôs a cabeça na superfície. E as risadas escandalosas de Wayne não tornavam em nada esse momento ao menos descontraído. Ele apanhou o chapéu que boiava, saiu de dentro do lago e torceu ele quando passou por mim para tirar o excesso de água, desaparecendo dentro da barraca.

Papai passou o resto do dia com a cara fechada. E o fato de suas roupas, incluindo o calção, estarem penduradas num varal improvisado na frente da barraca não facilitava as coisas. Logo anoiteceu e sentamos em volta da fogueira que ele fez para comermos alguma coisa. Mas ninguém falava nada, então Wayne teve a brilhante idéia de reclamar.

- Essa viagem está um saco! – disse jogando uma pedra no fogo – Quero voltar, ir para o Hawaii com o Wart
-Como você é chato, Wayne – resmunguei – Reclama de tudo!
- Cala boca você, panaca! Você tentou me afogar hoje!
- Não queria que você se afogasse, só caísse – olhei para papai e não consegui prender o riso – Mas acabou que não foi você quem caiu...
- Muito engraçado, Scott – papai falou sério – Foi uma brincadeira estúpida, poderia ter machucado seu irmão
- Ora papai, tenho um pouco de senso de humor, foi engraçado! – agora ria alto, mas ele ainda estava sério

Wayne levantou e imitou papai afundando na vala, e ele acabou dando risada. Mas então papai começou a falar da casa que ele queria construir no lago, a mesma que ele queria quando éramos crianças, e Wayne mais uma vez falou mais do que devia.

- O senhor ainda não desistiu dessa insanidade? Sabe que mamãe nunca ia deixar, e é burrice fazer uma casa aqui, esse lugar está morto!
- Mas que absurdo é esse? – papai olhou Wayne espantado – O lugar não está morto, está tudo como sempre foi, é um excelente lugar para se ter uma casa de campo. Poderíamos vir mais vezes, a pescaria não precisaria mais ser anual!
- Ah ótimo, tudo que precisamos é que essa porcaria de viagem se torne mais freqüente...
- Wayne, cala a boca! – falei quando vi que papai parecia chateado – Você não tem tato?
- Não me mande calar a boca, panaca! – Wayne sacudiu o graveto que mantinha no fogo para cima de mim e caiu uma fagulha na minha camisa, queimando
- Agora já chega!

Atirei o graveto que usava para assar um marshmallow no chão e parti pra cima de Wayne, o derrubando no chão. Papai levantou de um salto e agarrou minha camisa pelas costas tentando nos apartar, mas acabei acertando o cotovelo no rosto dele. Wayne conseguiu me atirar para o lado e cai no chão a tempo de ver papai com a mão no rosto por causa da pancada perder o equilíbrio e cair por cima da fogueira. Na tentativa de se esquivar do fogo, ele chutou um pedaço de madeira direto pra cima da nossa barraca. O fogo lambeu a lona depressa e em questão e segundos, não tínhamos mais onde dormir.

- Legal panaca, muito legal mesmo! – Wayne levantou do chão e me empurrou com o pé – Vou dormir no carro!

Meu irmão marchou até o carro e se trancou lá dentro. Papai ainda olhava abismado para a barraca em chamas e desobedecendo a sua própria regra, fez sair água da varinha e apagou o fogo, entrando em sua barraca ainda intacta e me lançando um olhar de desapontamento. Legal, a viagem perfeita!

Demorou um tempo até que eu fosse dormir no carro com Wayne. Queria ter certeza que ele já estaria dormindo quando eu entrasse, ou certamente ia querer me bater. Mas não consegui pregar o olho pela segunda noite consecutiva. E mais uma vez, levantei cedo. Papai estava de pé na beira do lago, olhando para a água. Parei ao lado dele, mas não disse nada. Foi ele quem quebrou o silencio.

- Sua mãe e eu ficamos chateados quando só um dos nossos quatro filhos voltaram para a casa no Natal – disse ainda olhando para a outra margem do lado – Queria apenas passar um tempo com vocês. Wayne se formou e logo sairá de casa, e você nunca pareceu precisar da nossa ajuda para nada desde que entrou para Hogwarts, sei que não irá demorar a se mudar também. Sentimos falta de como nossa família costumava ser mais unida.

Uma das piores coisas que você pode sentir é a sensação de ver alguém de quem você sempre dependeu, dependendo de você. Naquele momento entendi que tudo que meu pai queria era fazer algo divertido junto da gente, que fossemos um pouco mais unidos, e que ele sentia mais falta disso do que jamais pude imaginar. E ao constatar isso, me senti um idiota por não ter cooperado muito.

- A casa ficaria boa se fosse na beira do lago – falou de repente – Naquela margem do lado de lá
- É, ficaria ótimo lá – menti. Afinal, que mal faria? - Acha que venderiam o terreno para você?
- Não sei. Sua mãe me mataria...
- É, talvez...

Ficamos parados olhando para o lago sem conversar e minutos depois Wayne acordou e parou ao meu lado, também passando a encarar a água sem falar nada. Papai disse que estava na hora de voltar para a casa e depois de juntarmos as coisas que restaram, sentamos na beira da água para pescar uma ultima vez antes de pegarmos a estrada de volta a Gotland, dessa vez sem discussões ou brincadeiras de mau gosto. E acho que enquanto estávamos ali, mudos, havíamos entendido o motivo de termos voltado ao lago esse ano. Tínhamos voltado para nos despedirmos...