Monday, September 10, 2007 A primeira semana de aula tinha sido extremamente cansativa. Ainda estávamos todos absurdamente assustados com os horários sobrecarregados e as pilhas de deveres acumuladas, mas nada havia sido mais exaustivo do que as novas aulas de ‘Defesa Avançada’, lideradas por Kegan O’Shea. Após três horas, descobrimos o porquê de tantos quesitos. Repassamos vários feitiços simples e vários complicados. Kegan circulava pela sala durante os duelos e gritava para que fôssemos mais rápidos e certeiros, e quando o sinal tocou, todos só desejavam um pouco de calma e tranqüilidade. Quando o final de semana chegou, aproveitamos o tempo livre para adiantar deveres e conversarmos sobre a semana. No fim da tarde de domingo, estávamos todos nós ali deitados na grama dos jardins, sem fazer absolutamente nada.
Os nativos não eram muito receptivos, mas o grupo de turistas que estavam conosco era deveras animado para se importar com hospitalidade. E justamente com eles, conhecemos se não todos, a maioria dos pontos turísticos e lugares bonitos do país. Faltavam apenas dois dias para voltarmos para o Japão quando o guia turístico nos levou até uma feira municipal. Logo nos animamos e começamos a escolher presentes para toda a família. Caminhávamos entre as tendas carregadas com os mais diversos e estranhos tipos de coisas: artesanatos, vasos de gesso e barro, véus bordados a mão, instrumentos talhados de madeira, roupas coloridas e diferentes... E mesmo com toda essa diversidade, a atração que mais chamou a atenção de todo o nosso grupo não era colorida, grandiosa e nem rara. Tratava-se de um encantador de cobras, que se encontrava sentado no chão, no meio da praça, com as pernas cruzadas, sem camisa, um turbante na cabeça, e tocava levemente uma flauta. Em sua frente, havia um vaso de barro, de onde vagarosamente, começava a surgir a cabeça de uma cobra tão imensa que garanti dar dois passos para trás. A medida que ele ia tocando a flauta, a cobra ia descrevendo movimentos suaves com o corpo e a cabeça, e abandonando o vaso. O guia e alguns turistas pareciam encantados com o som, pois se aproximaram. Outros preferiram manter a distância. Yoshi, Tia Yhara e eu observávamos de longe e atônitos o show. O flautista mantinha contato visual com a cobra enquanto soprava, e ela abriu ligeiramente a boca revelando grandes presas. Quando seu corpo inteiro conseguiu se livrar do vaso e se estendeu no tapete em frente, ela manteve parte levantada, e agora encarava todos os expectadores a volta, a imensa boca ainda aberta. Estava tudo indo bem. A cobra parecia completamente disciplinada e seguia o som do flauta, não demonstrando ameaças. Mas quando o flautista parou de tocar, e uma menina que passava por ali deu um grito de terror, a cobra se perturbou. Começou a sacudir a calda e fazer silvos de irritação. O homem tentou agarrar o seu pescoço, mas ela investiu contra ele que recuou imediatamente assustado. Mandou todos a volta permanecer parados e quietos, mas foi como se tivesse dito para todos correrem o mais rápido que pudessem, pois em um minuto, a praça se tornou um verdadeiro caos. E bem no centro do caos, estávamos nós três, estáticos. Tia Yhara apertando nossos braços com força. Não conseguimos nos mover. Enquanto a praça se esvaziava, a cobra se virou para nós. Veio em nossa direção, devagar, e parou bem na minha frente. Levantou metade do corpo e abriu a boca novamente. Senti o coração parar. Percebi que era uma questão de tempo até ela me picar ou me atacar de qualquer outra maneira. Esperava aquilo a qualquer momento... Mas o que eu menos poderia esperar aconteceu. Um silvo rouco, silvos desconhecidos. Como uma língua diferente. Yoshi se lançara na minha frente, os braços abertos, e estava conversando com a cobra por meio de silvos. O animal continuou como estava por um minuto, mas então, foi gradativamente recolhendo o corpo, fechando a boca, até se esticar inteira no chão. O restante das pessoas que tinham permanecido na praça, parou para observar a cobra seguir os comandos de Yoshi e sozinha, voltar para o vaso. Por um minuto, ninguém falou nada. Yoshi foi até o vaso e lacrou-o com a tampa. O flautista, com a boca aberta, assustado, não conseguiu dizer nada, então apenas estendeu a flauta para Yoshi, dando-a de presente. Yoshi a pegou e sorriu de leve. Ignorando todas as pessoas que o encaravam, inclusive eu e Tia Yhara, mudas, ele saiu andando sozinho pela avenida. MF: Yulli? Alô? – alguém estalou o dedo na minha cara e eu sacudi a cabeça voltando ao normal.
|