Saturday, November 24, 2007
YH: Ok, o “amanhã” já chegou. Agora diz o que você quer me falar?! – perguntei ansiosa enquanto eu e Mark caminhávamos juntos pelos jardins. Ele sorriu e parou, me olhando.
MF: Te dou três chances para adivinhar o assunto...
É claro que eu sabia o assunto. Estava na cara que ele queria falar sobre nós dois, mas eu ia me fingir de boba um pouco mais.
YH: Aulas? – ele balançou negativamente a cabeça fazendo careta. – Quadribol? – ele retirou a careta, mas continuou balançando a cabeça. – Então é algum problema com a monitoria?
MF: Esquece esses assuntos técnicos. Não é nada disso. – ele se aproximou uns passos não tirando os olhos de mim. Parou quando estávamos a poucos centímetros e envolveu os braços na minha cintura, me puxando para ainda mais perto. Agora eu seria capaz de contar cada risco azul dos olhos dele. – O que eu quero te dizer é que eu acho que estou gostando de você de verdade, mais do que amiga, e que não parei de pensar em você as férias inteiras. E quero saber quais são minhas chances... Por que se você me der ao menos uma, eu vou agarrar ela.
Senti um turbilhão de coisas diferentes me invadirem. Ao mesmo tempo dúvida e certeza, constrangimento e vontade. Não conseguia definir o que de fato eu sentia pelo Mark. Se era só uma amizade um pouco mais intensa, ou um sentimento forte que se aproximava à paixão. Ele continuava me abraçando e a um palmo de mim.
YH: Também não tenho certeza do que eu sinto por você, ainda. Mas eu acho que a melhor maneira para descobrirmos isso é nos darmos uma chance. Sem cobranças. O que você acha?
MF: Acho ótimo. Ótimo. Não quero mais perder um dia...
Ele sorriu e eu o puxei pelo pescoço lhe dando um beijo para selar nosso “compromisso”.
°°°°
Desde aquele dia, no início de setembro, Mark e eu estávamos namorando. Aos poucos íamos descobrindo detalhes bobos da vida de cada um que nem com seis anos de amizade tínhamos nos dado ao trabalho de descobrir. Coisas sobre nossas famílias, gostos, desgostos e etc. E na balança geral, eu estava tão feliz de estar com ele, que realmente já estava me dando conta de quanto tempo havíamos perdido.
Nossa rotina em Hogwarts estava cada dia mais pesada. Aulas, aulas, aulas extras, aulas. Deveres empilhados, revisões acumuladas. Cobranças. E o NIEM’s batendo na nossa porta. Fora isso, a morte da professora Endora nos atingiu com um baque em cheio na cara. Alex, Lu e Scott, os que mais gostavam dela, andavam bastante tristes desde então. Mas com a proximidade da nossa viagem à Itália, e a perspectiva do primeiro jogo de quadribol por Hogwarts, Madame Hooch parecia disposta a nos afundar em treinos e mais treinos, como se o cansaço físico evitasse por si só os sofrimentos.
Era nosso último treino antes da partida para a Itália. Estávamos todos sentados nos gramados verdes do campo de quadribol, inclusive o time reserva. Madame Hooch entregara os nossos uniformes negros com um grande brasão de Hogwarts nas costas e nossos nomes em dourado. E agora andava no centro, passando os olhos por cada um.
- Treinamos duro. Vocês estão exaustos, eu imagino... Mas podem descobrir que nessa exaustidão ainda há muita força de vontade e espírito de equipe. Imaginem levantando a taça para Hogwarts. Imaginem essa taça na sala dos troféus com o nome de todos vocês. É com esses pensamentos que quero que vocês joguem contra a Itália. Começar ganhando o campeonato é fundamental. Sei que escolhi as pessoas certas para o time, então agora confio em vocês para me provarem isto. Posso contar com todos? – ela perguntou enérgica e todos nós gritamos em uníssono:
- HOGWARTS!
Rimos nos abraçando e batendo palmas. A temporada de caça à taça estava aberta, e estávamos indo com gás para ganhar.
°°°°
Voltamos da Itália, vitoriosos. A partida foi bem acirrada, mas no final eu consegui avançar com dianteira sobre o apanhador italiano e capturar o pomo antes, encerrando a partida com 250X80. Madame Hooch invadiu o campo assim que o juiz apitou e abraçou a todos. Estava radiando felicidade.
Mas o melhor mesmo foi retornar a Hogwarts. Fomos recebidos nos braços de todos. Éramos as novas sensações do momento: por onde andávamos os estudantes nos cumprimentavam, sorriam, acenavam e até pediam autógrafos. Claro que eu estava achando aquilo tudo ótimo. Estava me divertindo muito com todos aqueles mimos, e isso por que só tínhamos passado pelo primeiro jogo da competição!
O dia do meu aniversário amanheceu chuvoso e cinzento, mas nenhum dos meus amigos parecia muito disposto a deixar que isso atrapalhasse a festividade do dia e a oportunidade de comemorar alguma coisa. Até por que, os primeiros meses do ano já tinham sido suficientemente trágicos para que deixássemos escapar uma festa. Então, como de costume, na noite do dia 20 de novembro o Salão Comunal da Lufa-lufa estava abarrotado de estudantes (da casa ou de outras casas), com comidas diversas contrabandeadas da cozinha, e bebidas providenciadas gentilmente por Kegan O’Shea e Karen Foutley (os únicos professores que haviam sido convidados para a festa proibida). A música rolava solta, e lá pelas tantas da madrugada vários alunos já tinham sumido por entre os túneis que levavam para os dormitórios ou estavam jogados no chão e em pufes, rindo à toa.
As horas passaram e agora só restávamos eu, Alex, Louise, Scott, Mark, Ben, Sam e Monn no Salão Comunal. Lu e Mirian haviam acabado de sair. Scott olhou ao redor e então sorriu marotamente.
SF: Acho que já é seguro mostrar o que eu preparei para seu aniversário, Yull. – ele disse ainda sorrindo e puxou um frasco de poção azul celeste de dentro do bolso parecendo satisfeito. Arregalei os olhos.
YH: Não vai me dizer que isso é...
SF: Elixir da disposição. Popularmente conhecido como “Elixir da Rebeldia”, mas ainda não sei por quê. Quem quer provar?
Todos meus amigos se aproximaram e tomaram um gole do frasco. Os dois minutos que se seguiram foram os mais estranhos das nossas vidas. Eu tombei no chão me sentindo extremamente bêbada e tonta, mas muito leve e feliz. Muito feliz. Como nunca me sentira na vida. Eu seria até capaz de voar. De fazer trapézio, ou andar por uma corda há 15 metros do chão. Era uma sensação tão gostosa, tão louca. Quando abri os olhos vi que todos sorriam, mesmo sem qualquer motivo aparente. E o mundo parecia tão colorido e simpático como eu nunca havia visto!
Ficamos ali mais alguns minutos. Deitados no chão, olhando o teto ou uns aos outros. E aos poucos nos levantamos e recomeçamos a dançar. Uma festa paralela havia começado em um universo paralelo.
Não sei bem ao certo quanto tempo fiquei vagando pelo salão, dançando. Só me lembro que a próxima seqüência dos fatos aconteceu de maneira tão repentina que eu mal pude esperar. Estava dançando sozinha, com os braços levantados, rodando a cabeça. O mundo estava girando. Então alguém (e depois de alguns segundos eu vi que era Mark) me puxou e me deu um beijo com tanta intensidade que se não estivesse me abraçando realmente muito forte eu teria desabado no chão. Me lembro do beijo, e me lembro de puxar Mark pela mão e sairmos juntos para o corredor escuro de pedra. Quando passamos pelas duplas portas de carvalho e alcançamos o gramado escuro e gelado dos jardins (e nesse ponto eu descobri que estava descalça), Mark riu alto.
MF: Para onde estamos indo? – ele perguntou, mas não parecia nem um pouco preocupado com o destino final. Continuava agarrado na minha mão e corríamos sem rumo pelo jardim, ambos rindo.
YH: Isso importa?
MF: Não, exatamente...
Paramos quando alcançamos o Salgueiro Lutador. Ele não se contorcia demais, mas alguns de seus ramos mais grossos balançavam ameaçadoramente ao nosso redor.
YH: Quer conhecer a Casa dos Gritos, por dentro? – perguntei olhando a passagem que se escondia nas raízes da árvore e que eu sabia levar para o interior da Casa dos Gritos.
MF: Nam... Muito longe. – Mark riu perto da minha orelha e senti um arrepio.
YH: É mesmo. – concordei, mas mesmo assim apanhei um galho no meu pé e cutuquei o nó no tronco do Salgueiro. A árvore paralisou. Puxei a mão de Mark e entramos agachados pela passagem. Quando caí na terra fofa, na escuridão total, Mark caiu ao meu lado.
MF: Como você sabia do Salgueiro? – perguntou rindo.
YH: Os marotos e seus ensinamentos preciosos. – respondi e me joguei em cima dele, envolvendo meus dois braços ao seu redor e lhe dando um beijo. Ele me abraçou e inverteu de posição, ficando por cima de mim e me prendendo.
MF: Você não acha que devíamos voltar? Daqui algumas horas amanhece e temos aulas... – começou a falar, mas o beijei interrompendo.
YH: Mark, você não acha que está achando coisas demais não? O aniversário é meu e eu tenho direito a um pedido. – disse sorrindo.
MF: Ah, tudo bem. Então qual é o seu pedido?
YH: Quero que você cale a boca e deixe as coisas rolarem, naturalmente.
MF: Ainda naquela coisa de “sem cobranças”? – ele perguntou rindo. Assenti.
YH: Exatamente. Daquele jeito.
MF: Você é a aniversariante. Você quem manda.
Dizendo isso, me beijou sem mais interrupções.
°°°°
Acordei com o corpo doendo. De imediato não abri os olhos, mas senti que estava deitada em alguma coisa extremamente dura. Forcei a memória para me lembrar e algumas cenas, sem conexão, vieram na cabeça e aos poucos eu ia ligando. A festa, a poção, Mark... Sorri. Abri os olhos. Mark estava deitado do meu lado, mas com os olhos bem abertos.
MF: Bom dia. – ele disse tentando sorrir natural. Mas a situação já estava deveras engraçada e ambos rimos.
YH: Bom dia.
MF: Antes de qualquer coisa, devo dizer que perdemos o café da manhã e a primeira aula. Nossos amigos devem estar à nossa procura, mas não podemos sair daqui agora. Caso você não se lembre, estamos na passagem embaixo do Salgueiro Lutador, e seria bem estranho se simplesmente nos lançássemos para os jardins, com roupas sujas de terra e olheiras. Teremos que esperar até o sinal da aula tocar e ele ficar deserto.
YH: Ok. Então vamos esperar. E eu me lembro de tudo o que aconteceu ontem, só para constar. Eu estaria apavorada se não lembrasse o porquê da minha blusa estar a metros de distância de mim. – disse natural e Mark riu apanhando a blusa e jogando para mim. Agradeci.
MF: Quero também dizer que se você se arrependeu de alguma coisa, pode colocar a culpa no elixir da rebeldia. Acho que descobrimos o motivo de ter esse nome, popularmente falando...
YH: Não me arrependi de nada. Absolutamente nada. – ri e me aproximei dele o beijando. Ele correspondeu. – Aliás, acho que vou me lembrar do que aconteceu ontem o resto da vida.
MF: Aposto que sim.
A sineta para a primeira aula soou e depois de alguns minutos os jardins caíram em profundo silêncio. Mark olhou por cima da abertura.
MF: Estamos seguros agora. Vamos?
Perguntou e me estendeu a mão me ajudando a levantar e sair pelo buraco. O Salgueiro Lutador se paralisou no mesmo instante. Quando chegamos ao castelo, andamos apressados direto para a Lufa-lufa. Esperávamos encontrá-lo completamente deserto, mas assim que entramos no Salão Comunal, Scott, Ben, Louise, Sam e Alex estavam sentados nos sofás com as mesmas caras e roupas da noite anterior, tomando um café da manhã particular. Todos olharam para nós, e ao perceberem que estávamos sujos de terra, com olheiras e mãos dadas, pouparam qualquer explicação. Só riram gozadores.
AM: Acho que todos perdemos a primeira aula hoje... – disse Alex rindo e engolindo uma torrada.
BS: E o café da manhã. Mas consegui isso aqui na cozinha. Sirvam-se! – ele fez sinal para nos aproximarmos. Sentamos no chão e começamos a comer.
MF: Ah! Eu estava faminto!
SF: Nós imaginamos... Pode ser um efeito colateral da poção. – Scott disse e todos rimos. Mark e eu trocamos um olhar breve. Nunca mais nos esqueceríamos daquela noite, mesmo que muitos anos se passassem...