Friday, December 28, 2007
O Natal da nossa família era um mesmo ritual, todos os anos... A casa de Kyoto era decorada com guirlandas, azevinhos, cristais, bolas vermelhas e douradas, e um grande pinheiro que ficava no centro da sala. Papai e tia Yhara se fantasiavam de Papai e Mamãe Noel, eu, Yuri, Yoshi e naquele ano, Sabrina (namorada de Yuri), conversávamos sobre assuntos diversos que iam de dragões até plantas carnívoras e experiências escolares. Mamãe terminava de arrumar os presentes embaixo da árvore, e a mesa estava repleta de migalhas do resto de ceia.
‘Prontinho! Acho que já podemos colocar nossos pingentes na árvore. O que vocês acham?’ Mamãe perguntou se levantando e todos se animaram.
Os pingentes eram a segunda parte do ritual (a primeira era a ceia). Cada um de nós preparava um objeto que representaria um desejo para o próximo ano e o colocaria na árvore.
‘Eu começo’ Papai se levantou e pendurou uma pomba branca. ‘Paz. Como auror eu sei que muitas coisas ruins estão começando a se manifestar. Então, para 1979 eu desejo um pouco de paz’.
‘O meu pingente também é de acordo com o meu trabalho’ Mamãe se adiantou e pendurou um cifrão dourado na árvore. ‘Dinheiro. Não é tudo, mas ajuda bastante não acham?’ Perguntou rindo e concordamos. Tia Yhara se levantou.
‘Acho que vocês todos já estão cansados do meu pingente!’ Ela disse e pendurou uma miniatura de avião, o mesmo que pendurava todos os anos... ‘Viagens. Muitas. Conheço muitos lugares do mundo, mas ainda há muitos para se conhecer!’
Fiquei esperando que Yuri se levantasse, mas ele pediu para que ele e Sabrina ficassem por último, então me adiantei.
‘Já que temos paz, dinheiro, viagens... Não conseguiria colocar saúde em forma de pingente, então... – pendurei uma miniatura de diploma – meu desejo para o Ano Novo é me formar em Hogwarts com méritos suficientes para conseguir um trabalho no Gringotes, como você mãe... ’ Sorri para mamãe que retribuiu.
‘Finalmente uma ajudante de nível para lidar com aqueles duendes malucos!’ Rimos.
‘Ok, minha vez então... – Yoshi se adiantou – O meu desejo para 1979 é, além de paz, dinheiro, viagens, formatura e saúde... – ele pendurou um mini-frasco de poções e nos encarou – é me tornar um preparador de poções. Finalmente me decidi sobre o futuro!’
Por um minuto, todos nós nos entreolhamos e encaramos Yoshi. Não pelo fato de ter se decidido ser um preparador de poções (o que não era novidade para ninguém), mas pelo fato de estar compartilhando com todos nós em primeira mão. Como se ele já estivesse nos considerando sua família, de verdade. Tia Yhara, que estava ao meu lado, apertou um pouco minha mão e podia jurar que ela estava se segurando para não chorar. Yoshi sempre nos tratara educadamente, porém, de maneira distante... E naquela noite não. Ele estava próximo.
‘Nossa vez então – Yuri se levantou de mãos dadas com Sabrina. – Antes que perguntem, escolhemos um só pingente para nós dois, portanto essa é a “nossa” vez, de fato’.
‘Vocês estão se enrolando... ’ Tia Yhara disse já completamente curada do choque que Yoshi causara. Rimos concordando, e os dois se entreolharam. Yuri se adiantou.
Pendurou no pinheiro algo que primeiramente nos lembrou uma corrente dourada, mas quando se distanciou alguns passos, o que se parecia uma corrente tomou a forma exata de duas alianças douradas entrelaçadas. Mamãe tampou a boca com as mãos, os olhos marejados de lágrimas. Papai abriu um grande sorriso.
‘Isso mesmo. – Yuri sorriu abraçando Sabrina – Família... Eu e Sabrina estamos oficializando nosso noivado hoje, com todos vocês presentes, e já anunciamos o nosso casamento no ano que vem’.
‘Ahhh! Meu filho!’ Mamãe não se segurou e começou a chorar, indo abraçar Yuri e Sabrina de uma vez só. ‘Meus filhos! – corrigiu olhando para Sabrina - Parabéns! Estou tão feliz. Um casamento! Vocês quase me mataram de susto. ’
‘Não foi essa a intenção, mamãe. Só queríamos fazer uma surpresa! Os pais da Sabrina estão chegando da Alemanha amanhã... Eles também não sabem de nada’ Yuri disse rindo.
‘É. Eles vão ficar malucos quando descobrirem também’ Sabrina riu e beijou Yuri.
‘Um brinde!’ Papai sugeriu animado e conjurou taças para todos, preenchendo de champanhe. ‘Ao Feliz Natal que estamos tendo, ao ano de 1979 que promete ser muito melhor, e à nova integrante da família!’
Brindamos e depois começamos as trocas de presentes. Eu não poderia imaginar, mas aquele seria o último Natal que passaria com meus pais...
°°°
‘Então... Gringotes?!’ Yoshi entrou no quarto sem que eu tivesse reparado e parara na porta. Sorri me virando para ele.
‘Então... Preparador de poções?!’ Devolvi a pergunta no mesmo tom e ele riu se sentando na cama. Estava terminando de organizar as roupas dentro da mochila para voltarmos a Tóquio, onde passaríamos a virada de ano.
‘Preparador de poções! – ele confirmou – Acho que não sei fazer nada realmente bem, além de poções’.
‘Não fala bobagens... Você tem carisma. Não é à toa que é meu irmão, é?’
‘Irmão... ’ ele repetiu mudando o tom de voz. Tornou-se baixo. De repente me dei conta do que havia dito e virei para encará-lo.
‘Irmão, ou afilhado, como você preferir!’ Disse séria e ele me olhou se levantando.
‘Irmãos, então. Você e eu, bons irmãos e amigos. Combinado?’
‘Combinado. ’ Sorri aliviada voltando à mochila. Mas ele continuou em pé. Depois de um minuto retornou a falar.
‘Sou um ofidioglota desde o dia que nasci... ’ ele começou e paralisei. Não virei para olhá-lo, mas não consegui reagir. Ele continuou. ‘No começo achava o máximo conversar com cobras... Quer dizer, no começo eu pensava que tinha o poder de conversar com todos os animais, mas depois de um tempo eu entendi que eram só cobras, por que só elas me respondiam – suspirou e sorriu amargurado’.
Virei. Ele olhava para o chão e parecia decepcionado consigo mesmo.
‘Por que nunca contou a ninguém?’
‘Por que as pessoas já me julgam antes de me conhecerem só pelo fato de eu ser sonserino, calado e um tanto anti-social. Imagina se soubessem que herdei um dom que Slytherin possuía e não é bem visto hoje em dia? Meu grande plano era esconder isso para sempre, e eu teria sucesso se aquela cobra não tivesse ameaçando nos atacar’.
Caímos em silêncio. Senti um mal-estar, afinal, eu fui uma das primeiras pessoas que apontou o dedo para Yoshi sem nem mesmo tê-lo dado a chance de se defender.
‘Obrigada’ Foi a única coisa que consegui dizer e ele levantou a cabeça me encarando surpreso.
‘Pelo que?’
‘Por ter me salvado da cobra, por me contar que é ofidioglota e por ter me desculpado pelos julgamentos que fiz’.
Ele continuou me encarando surpreso e eu sustentei seu olhar, mas estava começando a ficar constrangida. Ele caminhou até se aproximar um pouco mais de mim.
‘Você não entende, não é?’
‘Não entendo o que?’ Perguntei confusa.
‘Não entende o quanto eu gosto de você!’
‘Yoshi, eu... hmm... nós combinamos de sermos irmãos, se lembra?’ Meu rosto corou involuntariamente e desviei os olhos para os meus sapatos.
‘Me lembro. E para mim, já está bom. Mas não precisa me agradecer por nada. Nunca deixaria que nada machucasse você. E com você eu me sinto à vontade para falar de mim, para me abrir. Você... vocês são a minha família. Nada do que você julgou antes me machucou de verdade’
Continuei encarando meus sapatos e ele parado na minha frente, em silêncio. Não haveria nada que pudesse dizer, e ele parecia ter dito tudo o que queria também. Já estava ficando incomodada com aquela falta de ação quando Yuri apareceu na porta.
‘Estão prontos? Vamos logo, ou não chegamos a tempo dos fogos!’
Saiu cantarolando pela casa. Encarei Yoshi brevemente e ele sorriu. Sorri também. Entendi aquilo como um contrato: seríamos bons amigos, somente isso. E com o passar do tempo, ele entenderia. Teria de entender...
°°°
“Yull,
Estou no Brasil com meu pai. O ano novo aqui promete ser divertido, mas já estou com saudades de você. Muitas.
Na verdade, acho que vou começar um calendário para riscar os dias que faltam para nos reencontrarmos... Até lá, essa saudade.
Feliz Ano Novo!
Aproveite aí...
Beijos saudosos,
Mark.”