Wednesday, January 02, 2008


31 de Dezembro de 1978

- Atenção! – Julian saiu da cozinha com uma taça cheia de champanhe erguida – Faltam duas horas e trinta e três minutos para a meia noite!

Todos na sala ergueram as taças e gritaram animados. Estávamos no apartamento novo de Julian e Chelsea com vista para o rio tâmisa, de onde poderíamos ver a queima de fogos da Westminster Bridge. Julian consultou o relógio mais uma vez e diminuiu dois minutos de sua contagem maluca, arrancando gritos empolgados outra vez de todos os convidados. Todos, menos eu. Continuei olhando pela janela com o mesmo ar desanimado que havia assumido desde o natal e só desviei a atenção da movimentação na rua quando Remo sentou rindo ao meu lado, atirando uma corneta de volta para Brendan.

- O que foi, meu amor? – disse me abraçando e parando de rir – Está sentada aqui desde que chegamos. Não comeu nada ainda, não conversou com ninguém, não dançou. Quer dar uma volta na rua?
- Desculpe, mas não estou tendo meus melhores dias de férias.
- Queria poder fazer alguma coisa para consertar isso
- Você já fez tudo que podia – sorri um pouco e encostei a cabeça em seu ombro – Não se preocupe, vou melhorar. Só preciso de tempo para assimilar tudo que ouvi...

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Uma semana antes, 25 de Dezembro de 1978

- Remo, querido, abra a porta – a mãe de Remo falou alto, correndo pela casa – É o seu tio Jamie!

Remo revirou os olhos e levantou do sofá sem muito animo, caminhando até a porta. Antes de chegar até lá a campainha tocou mais uma vez e quando abriu a porta, um homem de cabelos castanhos claros, barba e óculos quadrados o puxou para um abraço, bagunçando seus cabelos e empurrando um pacote amassado em sua mão. Remo deu um sorriso amarelo para ele e voltou ao sofá, largando o pacote na árvore.

- Não vai apresentar a namorada ao seu tio favorito, Remo? – o homem já estendeu a mão para mim e apertei sem graça
- Tio, essa é a Louise – disse forçando o sorriso – Lou, esse é o meu tio Jamie, irmão da minha mãe
- Muito prazer, Louise! - o homem sacudiu meu braço com entusiasmo – Depois você e eu vamos conversar um pouco! - e se afastou, entrando na cozinha
- Único irmão dela, e meu único tio. Por isso ele diz que é o favorito – Remo acrescentou quando ele sumiu de vista
- Você não parece gostar dele – ri – Mas me pareceu simpático. Só um pouco entusiasmado demais!
- Acredite, vai mudar de opinião depois que meu pai servir o eggnog. Ele sempre exagera e começa a ficar inconveniente, fala bobagem demais e acaba dando vexame.

E Remo tinha razão. Depois de algumas doses do eggnog feito pelo pai dele, tio Jamie começou a falar mais alto, rir de qualquer coisa e tinha as bochechas muito rosadas. Ele sentou ao meu lado para conversar e fazia umas perguntas bastante inconvenientes, estava sem saber o que responder. Remo veio ao meu resgate assim que viu e me puxou para longe dele.

Passamos o restante da noite o evitando. Sempre que Jamie chegava muito perto, Remo me puxava para outro canto. Fomos migrando de grupo em grupo de conversas a noite toda, até que ele nos pegou. Apareceu de surpresa por trás de mim e nos abraçou, com uma revista na mão. Dava pra sentir o bafo de conhaque de longe.

- Quando você me disse seu sobrenome, sabia que conhecia de algum lugar – falou atropelando as palavras – Como pude esquecer? Acho que é a idade começando a pesar!
- Tio, por favor, dá pra nos soltar? – Remo se desvencilhou dele e tirou seus braços de cima de mim
- Falha minha esquecer algo assim. Sua mãe fez coisas que não são para serem esquecidas facilmente! – falou piscando sem parar
- Já chega de eggnog por hoje, tio Jamie – Remo empurrou-o para longe de mim e tomou o copo da mão dele, irritado
- Ora, o que é isso, rapaz? – fez uma careta quando Remo fez o copo evaporar – Todo mundo sabe que a mãe dela tentou eliminar a família toda! Não estou comentando nada de novo! Sorte não conseguir, não é? Ela está viva!

A cara de choque que fiz fez com que ele entendesse que tinha falado mais do que deveria. Só então vi que a revista que ele tinha nas mãos era o Inquisidor e tomei sem cerimônias. Remo lançou um olhar muito irritado a ele antes de segurar meu braço e me guiar para o seu quarto. Eu folheava a revista com as mãos trêmulas e quando encontrei o que procurava ele fechou a porta.

- Lou, ele estava bêbado, está falando bobagens – Remo caminhou até a cama e tentou puxar a revista – Esquece isso, por favor.
- A crueldade dos primeiros seguidores do lorde das trevas, conhecidos como comensais da morte, está assustando a sociedade bruxa agora que conseguiram fugir da fortaleza de Azkaban. Dentre os mais inescrupulosos – ia lendo o artigo depressa em voz alta e ela ia morrendo aos poucos - estão James Avery, acusado de torturar e matar seu pai, e Elizabeth Graham, presa pelo assassinato do marido, Henry Storm, e pela tentativa de assassinato dos filhos de 3 e 1 ano! Ela está viva. - disse com a voz rouca - Ela matou o meu pai.
- Você não vai acreditar no que essa tal Rita Skeeter escreve, não é? – Remo sentou ao meu lado e conseguiu puxar a revista para ele, pois estava imóvel
- Queria poder dizer que não, mas acredito – minha voz quase não saiu – Algo me diz que é verdade, eu sei. E você também sabe.
- É, eu sei – ele me abraçou e comecei a chorar – Mas não quero que leia o resto. Dizem que essa Rita Skeeter não é confiável, e não quero que se baseie nas bobagens que ela diz
- Quero ir pra casa – disse secando as lágrimas – Quero falar com o meu avô, agora.
- Eu levo você, vamos. – ele levantou e me puxou pela mão, desaparatando comigo sem nem voltarmos para a sala. Aquele tinha sido o pior natal da minha vida, sem contestações.

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De volta ao dia 31...

- Atenção! – Julian berrou pela enésima vez e Brendan puxou uma vaia, rindo – Não, agora é serio! Faltam cinco minutos para a meia noite!

Todo mundo gritou empolgado e arrisquei erguer a taça junto com eles. O apartamento novo deles ainda estava vazio, com poucos móveis. Haviam acabado de comprar e começavam a mobiliar para se mudar, mas queríamos assistir a queima de fogos do rio e decidiram fazer a festa nele assim mesmo.
Um a um meus tios e primos começaram a se levantar e se acomodar perto das janelas para ter uma boa visão da ponte. Chelsea passou distribuindo taças para os que ainda estavam de mãos vazias e vi Julian e Brendan saírem da cozinha cada um com uma garrafa de champanhe na mão. Começaram a brincar de sacudi-la, mas ainda faltava muito tempo. Aquilo não ia dar certo.

- Que pressão é essa?? – Julian berrava sacudindo a garrafa cada vez mais forte
- Aponta isso pra lá, seu idiota! – Brendan saltou para longe quando ele mirou a rolha nele, mas também sacudia a sua – Vai começar a contagem!
- Parem de sacudir isso, vai estourar antes de meia noite! – Susan gritou da janela
- Suzie, olha a pressão, olha a pressão! – Julian avançou pra cima de Susan com a garrafa já prestes a explodir e ela correu pra trás de George. Ele virou a garrafa pra mim – Lou, que pressão é essa?
- Julian, vira essa garrafa pra outro! – falei rindo e protegendo o rosto – Ela está quase estourando!
- Agora sim! – Brendan correu para perto da janela com a rolha já na ponta da garrafa. Um toque e ela saia – 10 segundos! 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, FELIZ ANO NOVOOOOO!

Brendan sacudiu a garrafa uma última vez e a rolha voou da boca da garrafa, acertando Julian em cheio. Ele por sua vez virou depressa para o irmão e estourou a sua para cima dele, e começaram uma guerra com os espumantes. Os fogos da Westminster Bridge já explodiam no céu de Londres, mas quase ninguém viu. Julian e Brendan vieram para cima da gente girando as garrafas e dando um verdadeiro banho em todo mundo. Minha roupa e meus cabelos estavam ensopados de champanhe e Remo não estava muito diferente. Ele me puxou para junto dele rindo e me beijando.

- Feliz ano novo, meu amor
- Feliz ano novo – respondi o beijando outra vez – Que tudo de ruim que aconteceu em 1978, fique em 1978
- Exato. Esse vai ser o nosso ano!
- Não tenha duvidas quando a isso...
- AEE, FELIZ ANO NOVOOO!

Julian surgiu do nada e derramou o resto do champanhe da garrafa sobre nossas cabeças, nos abraçando e pulando. Virei o restinho que ainda tinha na minha taça na cara dele e nos abraçamos, rindo. Não adianta ficar se lamentando por coisas que os outros fizeram. Ano novo, vida nova. E agora estava disposta a não deixar nada de ruim me abalar nesse novo ano.