Wednesday, January 16, 2008 Campo de sangue Lembranças de Alucard W. Chronos Hoje era dia de mais uma aula do Kegan, e eu não via a hora para que ela começasse. As aulas vinham sendo exaustivas, e algo em mim acendia em suas aulas, na verdade como se fosse uma inspiração. Sei que se um dia eu fosse ensinar a alguém, eu ensinaria como ele. Kegan rapidamente se tornou um dos meus professores favoritos. E todos pareciam igualmente animados com as aulas, sabendo que elas seriam muito importantes no futuro. Mirian participava conosco, e cada dia se esforçava mais, superando-se gradativamente. Finalmente fomos para a sala de aula e olhamos com curiosidade para a enorme mochila que estava aos pés de Kegan, enquanto ele a arrumava. Quando entramos, ele nos olhou sorrindo, e em seu olhar eu captei algo. Essa aula seria muito diferente das outras. Ao finalmente estarmos todos sentados nas almofadas do chão e totalmente corroídos de curiosidade, ele deu a notícia: - Hoje vamos conhecer as instalações de Azkaban e seus adoráveis guardas! – falou quase sorrindo. A reação da turma foi imediata. Mirian arregalou os olhos e levou a mão a boca, enquanto apertava minha mão com força. Ben, Alex, Lou, Yul e Scott também se surpreenderam e pareciam meio sem palavras, como se não acreditassem. Eu por minha vez, senti o coração saltar. Um pouco de entusiasmo e um pouco de medo. Dementadores. Uma das mais perigosas criaturas da Terra. Para meu clã, eles eram considerados completamente malignos e nunca fomos a favor de seu uso como guardas de Azkaban. Nas anotações de meu avô, eles recebiam classificação 5 de periculosidade, o nível mais alto, junto das Mortalhas-Vivas, Quimeras, Manticores e Basiliscos. Eu já enfrentara um deles, mas nunca um bando deles, ainda mais em um local repleto deles...E treinar com bichos-papões nem se comparavam à situação real. Enquanto eu pensava nessas coisas, Stroke apareceu na sala, com uma mochila igual a de Kegan, o que causou alívio para alguns alunos mais amedrontados.Então me lembrei rapidamente de pensar nos momentos mais felizes da minha vida, sabendo que isso seria o limiar entre sobrevivência e queda. Pensei no primeiro beijo com a Mirian, a primeira noite com ela, a visão de meus amigos que me ajudavam e davam apoio mesmo eu sendo o que sou, pensei nas palavras de Endora me encorajando. Todos esses momentos vieram em flash em minha mente e tomei o cuidado de grava-los bem. Como se lessem minha mente, Kegan e Stroke avisavam para que os alunos se lembrassem e concentrassem em seus momentos felizes. Vi alguns alunos treinando o patrono, enquanto fixavam na mente suas alegrias. Stroke liderou o primeiro grupo, enquanto nós esperávamos nossa vez de usar a chave-de-portal, junto de Kegan. Mirian parecia tensa e apertava com cada vez mais força minha mão. Antes de irmos eu olhei pra ela e sorri, dando-lhe um beijo na bochecha. - Não se preocupe, você vai se sair bem. Ela sorriu de volta, mas parecia incapaz de falar, de tanta tensão. Finalmente tocamos na chave de portal. Lá estava ela...A maligna prisão dos bruxos. Senti uma pressão, quase física, em meu peito, como se o ar quisesse me esmagar. Como se uma enorme mão me desse um tapa, uma onda de emoções me atingiu. Me senti fraco ao sentir tanta dor e sofrimento no ar. Como um ser vivo poderia viver ali?! Como os presos não enlouqueciam? Nunca eu ouvira falar ou estive em um lugar que cheirasse tanto a morte. As paredes negras eram lisas e não haviam grades ou portões, pois não havia necessidade, já que os dementadores guardavam cada saída. O próprio prédio parecia uma entidade maligna, como se ele em si fosse um gigantesco monstro sedento de sangue. Mantive meus olhos injetados de vermelho, para se houvesse algum ataque repentino. O jorro de sentidos ao utilizar meus poderes vampiros só me fez me sentir ainda mais pressionado e quase fraco. Meus olhos me permitiam olhar nos “olhos” dos dementadores, e eles pareciam até mesmo assustados ao ver alguém como eu ali. Me preocupei deles me considerarem um inimigo e atacar, mas pelo contrário, parecia que eles gostavam da minha visita...Já em relação a Mirian, eles pareciam se distanciar dela, como se sentissem a luz de seus poderes. Fiquei com medo deles a atacarem por medo, por isso a aproximei mais, abraçando-a com força, forçando os olhos em cada dementador que tentasse se aproximar. Kegan e Stroke lideravam a turma, os olhos atentos e varinhas em punho. Fomos para as celas onde os comensais haviam escapado e me arrepiei ao sentir no ar o sofrimento daquele lugar. Só havia uma janela na cela, e mesmo estando de dia, ela mal deixava passar um fiapo de luz, como se quisessem tirar até mesmo a esperança do sol. Sem esperança, sem luz, sem força, com apenas dor, sofrimento e medo, a condenação ao cárcere em Azkaban era a pena de morte, ou pelo menos da loucura completa. Senti-me enjoado e fraco...Mas não podia me deixar cair, sabia que se eu deixasse, o monstro de mim se aproveitaria da fraqueza e da atmosfera maligna para me dominar, ignorando o acordo. Porém parecia que até ele estava fraco diante daqueles seres malignos. Outra coisa que me deixou assustado era o estado dos presos. Meus olhos me permitiam ver além da pouca carne deles, e eu via a destruição de suas almas. Dois deles pareciam mais com os dementadores que com humanos normais... Um dos presos agarrou a barra da saia da Lou, e ela quase caiu assustada, mas Ben e Scott a seguraram. Mas os dementadores avançaram para o homem, cinco deles juntos. O homem começou a gritar e a chorar. Meu estômago deu um salto, como se meu almoço quisesse sair dali, e senti um nojo enorme. Kegan e Stroke tentaram barrar a cena horrível, mas para mim não faria diferença. Eu podia ver a alma do homem sendo sugada pelos 5 dementadores, e em poucos segundos o corpo caia no chão, apenas uma casca vazia. Minhas narinas e minhas pupilas dilataram, reconhecendo a morte... - Ben, Louise, Scott, Alex e Yulli, vocês primeiro! – Kegan deu dois passos para o lado e Stroke se posicionou do outro, ambos com as varinhas em punho para qualquer contratempo – Sabem o feitiço, mande-os embora! Os cinco levantaram a varinha e gritaram com força o único poder contra um dementador: “Espectro Patronum!”. Mas o efeito dos dementadores foi avassalador. Os cinco dominavam perfeitamente o feitiço, e já possuíam patronos corpóreos. Eu e Alex nos comunicávamos por patrono quando era necessário. Mas nenhum deles conseguiu conjurar seu protetor. Todos se esforçavam, mas um a um foram desmaiando. Alex mantinha-se de pé, os olhos concentrados, mas a mão começou a tremer e suas energias começaram a se dissipar, até desmaiar. Ben resistia firme, mas apagou logo em seguida. - Chronos, Ferguson, Wood, Capter rápido! – Kegan ordenou, enquanto nós avançávamos. Do primeiro grupo apenas Megan estava ainda de pé, e eu senti feliz por ver sua força de vontade. Mas o tremor em sua mão estava mais intenso e seus olhos pareciam perder o foco. Eu imaginava o tipo de coisa que ela estava vendo... Assim que conseguiu afastar seu dementador, desmaiou sem forças e os dementadores viraram para nós, que agora os atacávamos com os patronos. A águia de Mirian surgiu por um momento diante dela, mas desapareceu sem forças quando Mi caiu desmaiada ao meu lado. Eu a abracei contra meu corpo e olhei para os dementadores, com raiva e determinação. Minha águia brilhava diante de mim, afastando os dementadores, enquanto eu os encarava...Não pude mais resistir ao choque deles... When the sky is turning black, you fear the dawn Meu avô desaparecia… Hellion apertava minha garganta, enquanto gargalhava... As pressas do vampiro eram cravadas em meu pescoço... O sangue maldito entrava em meu corpo...Eu engasgava com o líquido viscoso e nojento...Meu pulso ardia enquanto mais sangue entrava em meu corpo... Senti um nojo intenso... Um dor maior que tudo no mundo, quando meu corpo começava a morrer... Tudo se tornava negro, enquanto eu mergulhava na escuridão e me afogava no mar negro... Eu vagava sozinho por uma planície cheia de corpos, cheia de sangue...O céu era negro e não havia uma única alma viva... Eu gritei de dor e medo. Minha águia piscou e quase se apagou, mas concentrei-me novamente em Mirian, caída ao meu lado, e nos meus amigos desmaiados ali perto. A águia ganhou força, e voou para perto de mim, me dando forças também, e consegui me manter erguido. Mas os dementadores se aproximavam novamente, agora eram 6. Todos curiosos pela minha alma, que era metade morta, metade viva... Sentia na pele a dor dos meus pais... Via eles serem torturados enquanto ouvia a gargalhada dos seus algozes... Eles sofriam, e não conseguiam segurar os gritos... Os gritos de dor ecoavam por toda a sede, junto dos lamentos das almas mortas no ataque... No hospital senti quando seus corpos não podiam mais segurar a alma, e elas voaram livres finalmente da dor... Novamente o campo de mortos, com rios de sangue e corpos ao meu redor... Reconheci os rostos dos mortos... De todas as pessoas que já matei, comensais, pessoas malignas...Todas que haviam servido de alimento para mim... Agora o céu era vermelho como o sangue, e os corpos se levantavam...Suas almas vagavam ao meu redor urrando de sofrimento e querendo vingança... Os dedos apodrecidos me agarravam, e seu toque queimava minha pele... Não conseguia me mover e os cadáveres cravavam as unhas e dentes em mim, mordendo minha carne e tentando sorver a vida de volta para eles... Gritei de dor para o céu carmesim... Mas minha força era maior do que o medo com que os dementadores me cobriam. Meus olhos lampejaram. Sem cair ou me ajoelhar uma vez, com os olhos brilhando de raiva e força, minha águia soltou um pio alto e poderoso. Ela se chocou contra dois dementadores, afastando-os. Os outros se afastaram, com medo daquele ser de pura bondade e luz que era minha águia. Endora sorrindo para mim diante do descanso eterno, enquanto me tranqüilizava dizendo que via um futuro bonito para mim... Dois rostos idênticos sorrindo para mim. Não via com clareza suas feições, mas ambos tinham olhos verdes, um tinha olhos cheios de uma pureza e bondade como eu nunca vira, enquanto o outro tinha olhos cheios de força e determinação... Via os olhos de Mirian enquanto nos beijávamos e nos abraçávamos pela primeira vez... Via os rostos sorridentes dos meus amigos, e sentia minha própria alegria ao ver que eles não me renegavam, e continuavam comigo... Via Alex cortando o próprio braço para me salvar, com amizade pura no rosto...Via o mesmo gesto sendo repetido por Kyle e Mirian. E via finalmente um par de olhos pequeninos e verdes. Eles pareciam sorrir para mim, como se me falassem que tudo ia ficar bem no final... - Está tudo bem agora, Chronos. Ótimo trabalho! Você foi o único que não desmaiou. E sei que você é o que tem os maiores sofrimentos nesse grupo. Parabéns. – Kegan falava com a mão no meu ombro, sorrindo e depois apertando minha mão. Ele e Stroke haviam espantado os últimos dementadores e ao olhar ao redor vi que eu era o único além dos dois de pé. - Obrigado, professor...Mas foi muito difícil...Vi coisas terríveis...Eu não sou muito diferente dos dementadores... - Não diga besteiras! Se seus amigos estivessem acordados, eles iriam brigar com você por algo assim! Venha, me ajude, precisamos tira-los daqui, vi uma pequena área rochosa que seria suficiente. E quando eles acordarem, dê muito chocolate para todos. Ele me entregou uma bolsa cheia de chocolates e ajudei ele e Stroke enquanto levávamos os alunos ainda desacordados para um local longe da interferência maligna dos dementadores. Distribuíamos chocolate enquanto os outros iam acordando. Eu ainda estava muito cabisbaixo e usei todas minhas forças contra os dementadores. Quando Mi, Alex, Ben, Scott, Yul e Lou acordaram, eu os abracei com força, grato por estarem bem. Mas principalmente, por serem minha força...Se não, há muito tempo eu teria desistido de lutar, e o inferno dos dementadores seria meu próprio inferno, dia após dia. N.A.: Música The Unforgiven Blade, Hammerfall. |