Monday, January 14, 2008

Lembranças ruins

Por Ben O’Shea

O horário do almoço se aproximava do fim e toda a turma do 7º ano tentava se alimentar da melhor maneira que conseguisse. Era essa a rotina de todas as sextas-feiras desde que as aulas de Kegan entraram na grade curricular. O desgaste era tão grande que no inicio muitos alunos não agüentavam e desmaiavam no meio da aula. Para resolver o problema meu irmão precisou montar uma dieta especial para os almoços antes de suas aulas e desde então ninguém mais passou mal no meio dela. A sineta indicando o recomeço das aulas tocou e caminhamos calmamente até a sala. Ele já estava lá do jeito de sempre, sentado com as pernas para cima da mesa nos esperando. Mas hoje notei que arrumava uma mochila gorda quando entramos. Sentamos curiosos nas almofadas espalhadas pelo chão e depois de já estarem todos acomodados, Kegan se levantou.

- A aula hoje vai ser um pouco diferente. Quero que deixem as mochilas no canto da sala e peguem somente as varinhas. Não quero mais nada nos bolsos além delas
- Vamos duelar com que feitiços hoje? – perguntei curioso guardando a mochila
- Não vamos duelar – disse sorrindo – Ao menos espero não precisarmos chegar a isso. Hoje vamos pôr em prática o feitiço que estamos treinando há um mês, o Feitiço Patrono! – e na mesma hora alguns alunos se olharam agitados
- Vamos treinar com bicho-papão outra vez? – Alex indagou já sabendo a resposta
- Não – Kegan puxou um tênis rasgado da mochila e colocou no meio da sala – Hoje vamos conhecer as instalações de Azkaban e seus adoráveis guardas!

Agora a agitação era geral. Conhecer Azkaban e ficar de frente com um dementador de verdade? Ou Kegan tinha enlouquecido de vez, ou estava a poucos minutos de dar a melhor aula da história de Hogwarts. Ao mesmo tempo em que estava empolgado, estava receoso. Dementadores não são criaturas amistosas, e se alguma coisa desse errado? Como Kegan, sozinho, ia proteger 40 alunos? A resposta veio segundos depois, quando o professor Stroke entrou na sala com uma mochila igual à dele nas costas, parecendo muito disposto.

- Não há o que temer – Kegan tentou tranqüilizar os que ainda pareciam assustados com a perspectiva de encarar um dementador –William e eu estamos preparados para qualquer imprevisto e vocês já sabem executar o feitiço. Tenho plena certeza que se um dementador avançar, poderão se defender sozinhos. E se por alguma razão não conseguirem, estaremos logo atrás.
- Dementadores são perigosos, e ao primeiro contato direto com eles, vocês serão forçados a reviverem suas piores lembranças – Stroke começou a falar – Lembrem-se das aulas, e tenham uma lembrança boa em mente. O único modo de repelir o dementador é esse. O feitiço não vai surtir efeito se não pensarem na melhor lembrança que tiverem.
- Exato – Kegan tomou a palavra. A turma nem respirava, prestando atenção. Todos tensos e ansiosos – Então antes de sairmos, quero que todos fechem os olhos por alguns segundos e pensem nessa lembrança feliz. Ninguém vai sair daqui sem ter algo em mente contra os dementadores.

Pedir que pensássemos em uma lembrança feliz depois de nos comunicar que íamos encontrar dementadores era sacanagem, mas mesmo assim a turma inteira fechou os olhos e tentou se concentrar. Teria sido muito mais fácil se ele tivesse feito esse pedido antes do anuncio, mas consegui refrescar em minha memória minha melhor lembrança: meu primeiro dia de aula em Hogwarts, quando conheci o que hoje considero minha segunda, e tão importante quanto, família. Alguns minutos depois todos pareciam já ter algo em mente e Kegan organizou os grupos que sairiam com as chaves de portal que eles fizeram.

Stroke foi à frente com o primeiro grupo e saímos no último, com meu irmão. E logo de cara já sofremos o primeiro baque: a fortaleza de Azkaban não era em nada parecida com a retratada nos livros, e diversas fotos que estamos acostumados a ver. Se no papel e na teoria era parecia assustadora, ao vivo era muito pior. Ficava localizada no meio do oceano, em uma barreira de pedras gigantescas, para dificultar a fuga. As paredes de pedras cinza e sujas cercavam todo o lugar, e não havia portas ou grades. Não era necessário. Os dementadores, que avistamos de longe e já causaram arrepios, estavam postados em todas as saídas e nenhum prisioneiro se atrevia a se aproximar. Encurralados e sem varinhas, não teriam a menor chance contra eles. Kegan fez sinal para que andássemos e o seguíamos tão devagar e temerosos que íamos tropeçando uns nos outros pelo caminho.

Kegan e Stroke nos guiaram até uma das celas que os comensais que fugiram ocupavam e pudemos ver como eles viviam. Era assustador. Da única janela, muito pequena, podia ver a imensidão do mar e a água revolta batendo nas pedras. Era fácil entender como os prisioneiros enlouqueciam rapidamente aqui. Alguns que não escaparam, notando nossa presença, começaram a falar coisas sem sentido. Quando um deles agarrou a barra da saia de Louise, cinco dementadores avançaram para cima dele. Ela deu um passo para trás assustada e tropeçou, mas a seguramos a tempo. Kegan e Stroke se adiantaram e se posicionaram na frente da turma, mas não puderam impedir que víssemos as criaturas cercarem o homem e segundos depois seu corpo cair desfalecido no chão. Totalmente sem vida. As meninas soltaram um grito de horror e os dementadores encararam a turma.

- Ben, Louise, Scott, Alex e Yulli, vocês primeiro! – Kegan deu dois passos para o lado e Stroke se posicionou do outro, ambos com as varinhas em punho para qualquer contratempo – Sabem o feitiço, mande-os embora!

Nos olhamos nervosos, mas não recuamos. Apertei a varinha entre os dedos e vi meus amigos fazerem o mesmo, um nítido esforço para manterem a lembrança boa em mente. Concentrei todas as minhas forças no dia que cheguei a Hogwarts e apontei a varinha para o dementador da ponta, que se aproximava de mim.

- EXPECTRO PATRONUM! – berrei, mas nada aconteceu – EXPC-, DROGA! EXPECTO PATRONUM! – uma luz prateada saiu da ponta da minha varinha, mas se dissolveu rapidamente

Continuei apontando a varinha para o dementador e gritava o encantamento com todas as minhas forças, mas não surtia efeito. Louise, Scott e Yulli já haviam desmaiado e Kegan ordenou que Lu, Sam e Mark se adiantassem. Alex resistia firme, mas sua mão começou a tremer violentamente até que desmaiou também. Eu já estava de joelhos na cela e suava frio. Comecei a ouvir a voz fraca do meu avô pedindo para socorrê-lo. Ele implorava por ajuda, mas não me deixava sair para procurar. Sua voz foi morrendo aos poucos, até que desapareceu. Abri os olhos e ainda estava de frente para o dementador. Só restavam Lu e Megan de pé, e uma águia e um esquilo prateados forçavam dois dementadores a recuar. O esquilo de Megan se dissolveu quando o dementador recuou e ela caiu desacordada em seguida. Apontei a varinha com a mão trêmula para ele, e sabia que seria a última tentativa.

- EXPECTRO PATRONUM! EXPECTRO PATRONUM! EXPECTRO PATR-

Não terminei de dizer o encantamento. Minha cabeça pesou e os olhos fecharam, e a última coisa que lembro sentir foi o chão gelado batendo no meu rosto quando cai desmaiado.

ººº

- Foi horrível... – ouvi a voz fraca de Louise perto de mim – De repente estava de frente para o meu avô ouvindo outra vez ele contar sobre a minha mãe. Ouvi também coisas que não sei o que são. Era uma mulher e um homem discutindo, e ouvi choro de criança também. Talvez seja algo de quando era pequena e que esqueci
- Eu ainda sinto calafrios – agora era Scott que falava – Podia até ouvir o barulho que todos aqueles morcegos faziam quando me atacaram!
- Eu ouvi uma mulher, ela gritava ‘Connor, não! Não mate minha filha!’ repetidamente. Ela soava desesperada! – Alex falou também parecendo cansada e assustada, e sua voz saia abafada – Acho que era minha mãe...
- Eu vi meus pais discutindo e gritando que iam se separar – Mark parecia mastigar alguma coisa enquanto falava – Foi um pesadelo pra mim, ficaram brigando pela minha guarda. E você, Yul? Lembrou de que?
- Me vi no dia da morte da minha avó, dois dias depois do meu aniversario de 15 anos – Yulli tinha a voz triste e abri os olhos - Ei, o Ben acordou!

Scott e Lu me ajudaram a levantar e esfreguei os olhos, ainda tonto. Estávamos sentados do lado de fora da prisão, perto de um quebra-mar. Vários alunos estavam espalhados por ali, com expressões exaustas. Kegan veio correndo ao perceber que estava acordado e empurrou uma barra de chocolate imensa em minhas mãos, sorrindo aliviado.

- Coma isso, vai fazer bem – disse sentando do meu lado – Como está se sentindo? Está tudo bem?
- Acho que sim – dei de ombros e mordi um pedaço do chocolate – Ouvi o vovô. Quando ele, você sabe... – minha voz cortou e engoli seco – Quando o vi morrer no acampamento
- Algo me dizia que o dementador lhe forçaria a reviver aquele dia – Kegan apertou meu ombro e abaixei a cabeça, prendendo o choro que queria sair – Não tem como esquecer, não é?
- Não, ele morreu nos meus braços e eu só tinha 7 anos. Não sabe como foi horrível ter que deixá-lo lá sozinho, morto, e encontrar o caminho de volta para pedir ajuda – mordi outro pedaço do chocolate e começava a me sentir melhor – Talvez minha lembrança boa não tenha sido tão boa assim
- Bobagem – Kegan ficou de pé e pediu a atenção da turma – Não quero que fiquem desanimados por não terem conseguido enfrentar o dementador. Não espetava que todos obtivessem sucesso em uma primeira tentativa. Bicho-papão é diferente, ele não apresenta perigo real. Mas agora que todos ficaram bem assustados poderemos treinar com eles novamente, pois tenho certeza que todos assumiram a forma dessas criaturas horríveis que vimos hoje. Quando achar que estão preparados de verdade, voltaremos a Azkaban.
- Não, quero outra chance! – levantei decidido – Deixe-me voltar lá! Sei que posso afastá-lo agora!
- Não, ninguém vai entrar lá outra vez – ele me olhou em tom de aviso para não insistir – Vamos voltar para a escola agora, e não tem argumentação.

Stroke ajudou a levantar os alunos mais fracos e em pequenos grupos íamos deixando a fortaleza de Azkaban e caindo de volta na sala de Defesa Avançada. Todos tinham feições cansadas, abatidas, mas não paravam de comentar o que tinha acontecido. Embora tenhamos sido forçados a reviver nossas piores lembranças, e a maioria de nós ter desmaiado sem executar o feitiço, estávamos satisfeitos. E ansiosos por continuar o treinamento, mesmo que seja com um bicho-papão, para retornar a Azkaban e enfrentar os dementadores com sucesso. Custe o que custar, na próxima vez eu não iria desmaiar e meu patrono em forma de urso teria a chance de se ficar sólido, afastando todos que viessem para cima de mim. Promessa de um futuro auror.