Sunday, August 24, 2008


I know life is gonna knock you down more and more
And it's gonna hurt sometimes that's for sure
I know you wanna fight the world and that's okay
But listen here my granny said smile ‘cause
The world looks better that way

Dan Torres - Smile Everyday

Desembarcamos em King’s Cross de manha cedo para o nosso último recesso antes da formatura. Karen, que decidiu passar a páscoa em casa conosco, veio no trem junto com os alunos e assim que desembarcamos já tinha um carro do Ministério nos esperando. Segundo uma carta do nosso pai, passaríamos o feriado na casa da nossa avó, em Londres mesmo.

- Olá Oswald, bom dia! – cumprimentei o segurança animado
- Bom dia, Sr. Scott – respondeu um pouco sério, diferente do normal – O Ministro já está à espera dos senhores em casa. Faremos apenas uma parada para pegar o Sr. Wayne no caminho.
- Ok... – entrei no carro olhando para Megan, confuso – O que deu nele? Nunca vi o Oswald sério assim...
- Não estou com um bom pressentimento – Karen comentou sentando ao nosso lado assim que Oswald fechou a porta
- Ele deve estar num mau dia, só isso – Megan disse despreocupada – Ânimo, crianças. É páscoa, e na casa da vovó. Sabem o que isso significa, não é?
- Que vamos regredir e ter que vasculhar o quintal se quisermos comer chocolate? – Karen e eu falamos ao mesmo tempo
- Sim! E isso não é bom? – a empolgação de Megan nos contagiou e começamos a rir

O motorista saiu com o carro e demos um passeio por Londres até chegar à Academia de Aurores. Wayne já estava de mochila nas costas nos esperando e já naquela primeira imagem era possível ver como meu irmão havia mudado desde que se formou. Ele se despediu de Quim e entrou no carro sorridente. Foi o resto do trajeto todo contando como estavam os treinamentos na academia e de como estava progredindo a cada dia. Megan, que queria entrar pra academia depois da formatura, ouvia atenta a cada palavra que ele dizia. Quando percebemos, já estávamos estacionando na casa da nossa avó materna.

ººº

- Eu bati – Wayne insistiu
- Não bateu! – Retruquei
- Vou bater em você daqui a pouco... – Respondeu sem paciência
- Mal perdedor! – Provoquei
- Eu não perdi!
- Oh meu Merlin, parem! – Karen atirou uma almofada e as cartas voaram pra todo lado – Estão tirando minha concentração!
- Agora não vamos saber quem bateu de verdade. Valeu, Karen! – Wayne resmungou levantando da mesa
- O que está fazendo que precise de concentração? – sai da mesa também
- Escolhendo a trilha sonora da festa de formatura – Megan respondeu por ela – Quer ajudar? Você já foi a Nova York, conhece mais musicais que eu.
- Colocou as musicas do West Side Story? – já sentei entre elas e puxei a prancheta pra mim – Não pode faltar!
- West Side Story, anotado... – Karen rabiscou em um pedaço de papel e sorriu – Aqui, vê o que já temos e dá sua opinião.

Comecei a ajudar Karen e Megan com as musicas e logo esse se tornou o assunto predominante da tarde, pois até Wayne veio nos ajudar. Ao contrario do que Oswald disse, nossos pais e nossos avôs não estavam em casa. E como ninguém nos disse quando chegavam, esperamos pacientemente acomodados nos sofás macios da sala. Não sei quanto tempo passou, mas o céu já dava indícios de que ia escurecer quando ouvimos movimento no hall de entrada. Era nosso pai, mas somente ele.

- Ah até que enfim alguém deu sinal de vida! – Karen levantou para cumprimentá-lo e fizemos o mesmo – Começávamos a pensar que tinham decidido passar a páscoa na Suécia e esquecido de nos avisar.
- Pai, está tudo bem? – perguntei receoso ao ver que ele sorria meio amarelo
- Sentem, por favor – ele indicou o sofá com a mão, mas não me mexemos – Preciso conversar com vocês, por favor, sentem.

Continuamos de pé mais algum tempo, mas papai sentou parecendo exausto no sofá e nos vimos obrigados a fazer o mesmo. Ainda não sabia o que estava deixando ele assim, mas já não estava gostando. Ele fitou o chão alguns segundos e quando nos encarou, tentava sorrir, mas em vão.

- Pai, cadê a mamãe? – Megan falou antes dele – Vovó, vovô? Onde estão todos?
- Martha e Jeffrey estão com sua mãe – respondeu pacientemente – Ela está no hospital
- O QUE? – falamos os quatro ao mesmo tempo
- Por que hospital? O que aconteceu? Ela está bem, não é? Foi algum acidente? – Wayne e Karen se atropelavam nas perguntas
- Se acalmem, deixe-me terminar de falar – ele fazia sinal com as mãos e nos calamos – Isadora está bem, por enquanto. Há mais ou menos um mês ela se sentiu mal e com alguns exames foi diagnosticado que ela estava com câncer no pulmão – íamos interromper, mas ele ergueu as mãos de novo e não falamos – Assim que descobrimos demos inicio ao tratamento e tudo está indo bem, mas hoje cedo ela se sentiu mal e precisou ir para o hospital. Já está se sentindo melhor, mas me pediu que contasse a vocês antes que a encontrassem. Pronto, podem perguntar agora.
- Por que não nos contaram antes? – Karen disparou logo
- Sua mãe não queria que algo assim fosse contado por carta, queria que fosse pessoalmente
- Mas podiam ter nos chamado na escola, iríamos para casa na mesma hora! – retruquei e eles me apoiaram
- Não havia necessidade de deixá-los preocupados no meio das aulas, vocês viriam para casa logo depois.
- Como ela está? – Megan tinha os olhos cheios de lagrima, mas não queria deixá-las cair
- Está melhor agora, e quer vê-los. Vim aqui buscá-los.

Eles levantaram do sofá devagar, mas continuei sentado. Não conseguia me mover, era como se a noticia que papai tinha dado fosse um pedaço de concreto, que impedia que saísse do lugar. Somente quando eles já estavam na porta e Wayne voltou para me chamar foi que consegui sair. Fomos mudos até o hospital, ninguém tinha vontade de conversar e não havia necessidade também. Entramos na ala da oncologia e vovó estava saindo do quarto na hora que íamos entrar. Ela fechou a porta antes que mamãe nos visse e sorrindo, abraçou cada um de nós.

- Desfaçam essas caras de enterro, minha filha ainda está viva – disse formando um sorriso no meu rosto com os dedos
- Vovó, a gente não... – Wayne começou a falar, mas ela interrompeu
- Wayne Stuart, sua mãe está passando por um momento difícil e sofrendo com a quimioterapia, e tudo que ela precisa nesse momento é que os filhos dela entrem naquele quarto com expressões confiantes. Se entrarem com essas caras derrotadas, ela vai se abalar e isso não pode acontecer.
- Sabemos que é difícil, que isso não é algo que se peça numa hora como essa, mas a avó de vocês tem razão. Isadora precisa ver vocês confiantes – papai falou apertando o ombro de Megan, tentando transparecer calma
- Se forem entrar assim, não vou permitir. Sorriam e deixem-na feliz. E nossa programação de páscoa não será alterada. Isadora vai ter alta mais tarde, e pediu que não mudássemos nossa rotina. Amanha teremos caça aos ovos de chocolate – vovó sorria confiante e me vi obrigado a fazer o mesmo, embora não quisesse. Meus irmãos compartilhavam do pensamento comigo, mas sorrimos assim mesmo e ela abriu a porta – Assim está melhor, podem entrar.

Entramos no quarto devagar, como se estivéssemos com medo de que passos pesados fossem machucar nossa mãe. Ela abriu um sorriso assim que nos viu e abriu os braços. Como vovó mandou, não deixamos o sorriso morrer e conversamos com ela como se ela estivesse ali para um exame de rotina. Por muitas vezes senti vontade de chorar e sair dali, mas me mantive firme. Mantive-me firme na posição que me foi imposta, sorrindo, quando queria fazer tudo, menos sorrir naquele momento...