Saturday, December 27, 2008
Em Hogwarts, o clima de Natal já contagiava todos os estudantes. O castelo havia sido decorado com guirlandas de azevinho, grandes pinheiros com fadinhas reluzentes e até armaduras encantadas para cantarem canções natalinas. Para Hiro, seus primeiros quatro meses como estudante da maior escola de magia e bruxaria dos últimos tempos, passaram muito depressa. Na véspera de embarcarem para casa pras Férias de Natal, ele e seus outros colegas de dormitório da Sonserina se concentraram em colocar um pouco de ordem no lugar e arrumarem seus malões...
- Estou tão ansioso para ir para casa. Por mais cartas que escreva para papai e mamãe, nunca parecem suficientes para contar tudo o que acontece aqui! – Hiro disse animado, enrolando dois pares de meias e jogando-os de qualquer maneira no fundo de seu malão, bastante desorganizado. – Sem contar que no Natal, minha família se reúne inteira, montamos nossa árvore juntos e...
Sua frase foi interrompida por uma espécie de grunhido desgostoso que um de seus colegas fez, acompanhado de uma careta. Sheldon White, talvez fosse a figura mais excêntrica de todo o castelo: era exageradamente alto (comparado com os outros de sua idade) e magro, o que lhe conferia uma aparência frágil, e possuía diversas manias “peculiares” devido ao seu caráter hipocondríaco e às alergias. Hiro, já bastante acostumado com o perfil do garoto, não se intimidou com a maneira irônica que este usou para cortar-lhe. Virou-se paciente para Sheldon, que arrumava sua mala cuidadosamente, separando os livros das roupas e as roupas por cores.
- Como é o Natal na sua família Sheldon? – perguntou interessado e, instantaneamente, recebeu olhares indignados de JJ e Jamal, que ao contrário dele, ainda lutavam para terem uma convivência no mínimo, pacífica, com Sheldon.
- Nós não celebramos o festival pagão de Saturnália. – Sheldon respondeu categórico, como se fosse tão óbvio como 2 + 2 = 4.
- Ãhn... – Hiro buscou os olhares de seus outros colegas, mas eles se esforçavam para se concentraram em suas próprias bagagens. – Saturnália?
- Juntem-se! É hora do “especial de Natal” do Sheldon. – Jamal disse baixinho de modo que só Hiro e JJ conseguissem escutar, mas foi suficiente para fazer com que JJ quase engolisse uma meia para sufocar a risada.
- Na era pré-cristã, quando o solstício de verão chegava, e as plantas morriam, pagãos trouxeram pinheiros para casa num ato mágico para salvar a essência da vida nas plantas, até a primavera. Costume que foi apropriado por europeus do norte e ficou conhecido como “árvore de natal”. – ele terminou de explicar parecendo entediado. O dormitório caiu em silêncio por vários segundos, pois ninguém parecia saber o que comentar.
- Interessante história, mas uma pena... Fico me perguntando onde ficam os presentes que você ganha...? Quer que eu guarde o seu embaixo da minha árvore até voltarmos para Hogwarts?
Sheldon parou de empilhar seus livros e encarou Hiro apavorado, como se este fosse um trasgo montanhês.
- Espere... Você me comprou um presente? – perguntou assustado.
- Sim. Comprei. – Hiro confirmou começando a se incomodar com a reação do menino.
- Por que faria algo assim?
- Não sei, Sheldon. Por que é Natal? – Hiro perguntou inseguro de sua própria resposta.
- Hiro, sei que acha que está sendo generoso, mas o fundamento de dar presentes é a reciprocidade. Você não está me dando um presente... está me dando uma OBRIGAÇÃO. – Sheldon disse arregalando os olhos de maneira medonha. Hiro deu um passo pra trás, sorrindo gentil.
- Tudo bem. Você não precisa me dar nada em troca.
- Claro que preciso! A essência do costume é que tenho que conseguir um presente de valor equivalente, representando o mesmo nível de amizade do presente que deu pra mim. Não me surpreende que a taxa de suicídios aumente nessa época...
Ele completou assustado e Jamal e JJ não conseguiram mais prender as risadas. Hiro também teve que se esforçar.
- Esquece, não vou mais te dar presente. – Hiro disse tentando colocar um ponto na situação.
- Tarde demais. Já imagino o embrulho com adesivos de “para Sheldon”.
- “A morte foi escalada” – Jamal começou, tentando um tom sério e misterioso.
- “A mão balançou o Sheldon” – JJ continuou, também tentando seriedade.
- “Aníbal cruzou os Alpes” (?) – Jamal completou e eles recomeçaram a rir alto. Hiro lançou-lhes um olhar repressor, mas sem também prender o riso. Sheldon olhou para os dois, indiferente.
- Eu sei, é engraçado quando não é conosco. – Sheldon comentou e olhou para Hiro, que escondeu o sorriso imediatamente.
- Sheldon, eu sinto muito. – foi a única coisa que conseguiu dizer, sacudindo os ombros.
- Tudo bem, farei isso por mim mesmo. Por ser uma parte tão afetuosa e importante de sua vida. Se me dão licença, preciso ir ao corujal pedir que meu pai reserve uma hora no final de semana para me acompanhar até o Beco Diagonal.
Distraído, ele cruzou o dormitório falando sozinho e saiu. Hiro, JJ e Jamal se entreolharam mais uma vez e recomeçaram a rir, ainda mais alto.
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Keiko terminou de arrumar suas coisas e desceu para pegar Peppo. Seria capaz de apostar que ele estaria dormindo em alguma poltrona macia do Salão Comunal da Sonserina, mas se enganou. Após procurá-lo por todos os cantos, começou a se preocupar.
- JJ, você viu o Peppo?
- Peppo? – o amigo perguntou distraído desviando o olhar do tabuleiro de xadrez à sua frente (no qual, disputava uma partida com Hiro) para a menina.
- É, meu gato. Sabe...? Persa, preto, peludo, preguiçoso e pesado? – ela citou a descrição dos cinco “P” que seu pai inventara quando a dera o filhote.
- Sei. Aquele que só sabe comer e dormir. – JJ disse e Hiro riu ironicamente, fazendo Keiko se irritar. – Desculpe, Kika, não vi. Já procurou embaixo das poltronas?
- Já. Ele não está no Salão Comunal. Só se conseguiu entrar em um dos dormitórios... Se for esse caso, espero que ele se revele até amanhã de manhã, antes de embarcarmos para casa, ou corre sérios riscos de ter que passar o Natal de jejum. Se ele aparecer por aqui, prenda-o na gaiola por favor? Tenho que resolver um assunto.
JJ confirmou com a cabeça e a menina saiu do Salão Comunal segurando um pequeno embrulho de presente nas mãos, com um ar misterioso. O garoto a acompanhou sair, curioso, e depois se virou para Hiro.
- O que será que ela tem para resolver? Para quem é o presente?
- Não sei e não me interessa. Quanto maior a distância que puder manter dessa aí... – Hiro respondeu vago, fazendo um movimento com sua torre e derrubando a rainha de JJ, que pareceu não se preocupar.
- Vocês falam como se nem fossem irmãos. – JJ revidou, mexendo o cavalo. – Xeque.
- E preferimos que você não nos lembrasse desse fato. É muito desagradável... – Hiro disse irritado, livrando seu rei do ataque.
JJ riu e voltou a se concentrar na partida de xadrez, não vendo quando Peppo pulou de dentro de uma grande meia de Natal, presa na lareira, se esticando sonolento no chão.
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- Oi, professor? Posso entrar? – Keiko deu uma batidinha leve na porta, enfiando a cabeça para dentro em seguida. Sorriu ao ver que Olívio Wood, seu professor de vôo, estava sozinho.
- Keiko? Claro, entre. O que aconteceu?
- Nada. Só vim lhe entregar um presente de Natal. – ela disse estendendo o pequeno embrulho em sua mão para o homem, que pareceu surpreso.
- Presente? Para mim? – ele recebeu alegre, abrindo. Dentro haviam duas luvas de goleiro, feitas de couro de dragão, porém bastante maleáveis. – Uau, são lindas! Como adivinhou que estava precisando de novas? – ele experimentou nas duas mãos, esticando-as em seguida, admirado. Abriu e fechou os dedos diversas vezes.
- Eu vi as suas na nossa última aula de vôo, estavam bem surradas. – A garota respondeu sorrindo satisfeita.
- Obrigado! Adorei o presente. – ele as tirou e guardou novamente. – Você deu um para todos os professores?
- Não. Só para o melhor deles. – Keiko respondeu sem papas e Olívio Wood a encarou.
- Fico feliz que pense isso de mim. – ele disse recuperando seu tom de voz profissional e sorrindo seco. – Você também é uma boa aluna e uma “garotinha” excepcional.
Foi como se Keiko tivesse engolido várias pedras de gelo e as sentisse deslizando da laringe até o estômago, desconfortáveis. Parou de sorrir e encarou o professor com uma mescla de raiva e decepção.
- Bem, gostei mesmo do presente. Obrigado mais uma vez. Nos vemos em janeiro, ok? Feliz Natal.
O professor percebeu a expressão da garota e se apressou a despedir-se. Virou as costas e continuou organizando os papéis em cima da mesa. Keiko saiu da sala sem dizer mais uma única palavra e só abriu a boca novamente, quando estava voltando sozinha para o castelo, atravessando os jardins cobertos de neve e completamente desertos:
- “Garotinha”, ora, francamente! Pensei que você fosse diferente para perceber...eu não sou uma criança! – disse entre dentes para si mesma, com raiva.
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Ao desembarcarem na manhã seguinte, na estação de King’s Cross, Keiko e Hiro não encontraram dificuldades de avistarem Miyako (sua meia-irmã e também madrinha), que fora apanhá-los e abriu um largo sorriso para eles.
- Você veio sozinha? Cadê mamãe? E papai? –Hiro perguntou sem pausas, olhando por cima dos ombros para ver se não os encontrava na plataforma.
- Ainda estão trabalhando hoje. Só tiram folgas a partir de amanhã... Como eu consegui as minhas, adiantadas, me ofereci para o “serviço sujo”. Estavam com saudades? – ela sorriu os abraçando de uma vez só.
- Morrendo. – Keiko respondeu feliz.
- Puxa-saco. – Miyako disse e elas riram. Puxou a varinha e fez as malas dos irmãos desaparecem. – Vamos então? Preparados para aparatarmos?
Os dois concordaram e acenaram se despedindo de seus amigos uma última vez na estação. Alguns minutos depois chegaram a Tókio e respiraram fundo. Haviam adorado Hogwarts, mas nenhum dos dois negava: estavam com saudades de casa.