Sunday, January 04, 2009


A semana que sucedeu nossa chegada de Hogwarts passou voando. Eu e Hiro colocamos todos os assuntos em dia com o restante da família, que estava toda reunida: mamãe, papai, Miyako, Henri, tio Yuri, tia Sabrina, Estephan, Gisela, Sebastian, Sabine, tio Yoshi e Monique. Um dia antes da véspera de Natal, arrumávamos nossas coisas para viajarmos para a casa de Kyoto. Estava no meu quarto com Monique, jogando algumas roupas na mochila, quando Miyako entrou, pálida e bastante assustada, fechando a porta.

- Preciso contar uma coisa a vocês, não agüento mais! Mas têm que prometer que não vão contar a mais ninguém. Pelo menos por enquanto. – ela disse tensa e eu e Monique nos entreolhamos, curiosas.
- Claro que prometemos! O que é? – Monique se sentou reta na cama, largando de lado o livro que estivera lendo até então: “A arte da guerra no tabuleiro de xadrez”.

Miyako foi até a janela do quarto e olhou para o lado de fora, respirando fundo e em silêncio. Depois de uns segundos, caminhou até a minha cama e se sentou, nos olhando séria.

- Eu acho... Quer dizer, eu tenho certeza. – começou e parou deixando a voz morrer. Eu e Monique não dissemos nada, mas a olhávamos incentivando-a a continuar – Estou grávida! – disse por fim.

Monique não esperou mais nem um segundo para dar um salto em cima de Miyako, abraçando-a feliz. Eu continuei sentada na cama, sem reação. Encarei-as, definitivamente confusa.

- Isso quer dizer que... eu vou ser tia? – perguntei fazendo uma careta. Miyako e Monique se entreolharam e começaram a rir.
- É, receio que sim. Por quê? – Monique perguntou divertindo-se da minha cara.
- Não sei. É que parece que “tia” é tão... velho. – respondi e elas riram ainda mais.
- Ora, não é você quem quer sempre parecer mais velha? Então. Oportunidade ideal! – Miyako disse me dando um tapinha nos ombros, parecendo bem mais calma. Sorri também.
- É. Só não quero “ficar para tia”. Mas até que isso não vai ser ruim... Pelo menos ele não vai me achar mais tão “garotinha”. – disse a última frase mais como um pensamento alto, mas as duas escutaram e me olharam curiosas.
- Ele quem, Keiko? – Monique perguntou. Olhei para as duas um pouco constrangida.
- Olívio Wood. Meu professor de vôo. Eu acho que dei em cima dele...

Miyako cuspiu a água que tinha acabado de tomar um grande gole e tossiu. Monique deu fortes tapas em suas costas, para ela se recuperar.

- Seu professor? De vôo? – ela perguntou aos sussurros como se tivesse medo que as paredes nos escutassem.
- Sim. – confirmei com um olhar sonhador. – Ele é tão lindo! Sabiam que foi ele quem ensinou Harry Potter a jogar quadribol?

As duas se entreolharam com uma espécie de surpresa e piedade no rosto que me deixou com raiva.

- Qual o problema? – perguntei desafiando-as e olhando especificamente para Miyako. – Você também não se apaixonou por um professor? Não está grávida dele?
- Shhh! Silêncio, Keiko! Você me prometeu... – Miyako acrescentou depressa olhando para a porta. Como não ouviu nenhum barulho do outro lado, voltou a me encarar. – É muito diferente. Eu me apaixonei por Tiago quando ele era meu professor, sim, mas eu tinha 17 anos, já era maior de idade, bem mais madura do que você. Soube diferenciar o que sentia por ele do que o que sentia pelos outros garotos. Não adianta fazer esse bico, é verdade! Você nunca nem beijou um garoto para saber se está ou não realmente apaixonada, nem para comparar! – ela disse com firmeza e murchei. - E Tiago só é 7 anos mais velho do que eu, não mais de 20! Ah, e não era casado. – ela terminou levantando as sobrancelhas, triunfante. Cruzei os braços com raiva, calada e sem argumentos para discutir. Monique esperou uns segundos para mudar o assunto.
- Porque você disse que tem certeza de estar grávida? – perguntou a Miyako, que riu.
- Porque ontem, no desespero, tomei uns 10 litros de suco e fiz cinco testes diferentes. Todos deram positivo. – Monique riu e acabei rindo também, descruzando os braços. Imaginei Miyako trancada no banheiro cercada de testes de gravidez.
- Já contou a Henri?
- Claro que sim. Ele foi o primeiro a saber. Aliás, foi ele quem trouxe todos os testes... Queríamos ter certeza até amanhã, para anunciarmos para o restante da família.
- E como reagiu?
- Está eufórico! Eu fiquei preocupada ontem, afinal, agora que estou começando a ser reconhecida no jornal... Mas como disse Ty ontem (quando contei a ele e Gabriel): “se você esperasse mais um pouco, seria gravidez de risco, Mi”. Abusado. – completou e caímos na risada.
- Mamãe também vai ficar louca quando souber. Avó! Quem diria, hein?
- Já estamos cheios de planos... – Miyako disse sonhadora e eu e Monique chegamos mais perto para escutar.

Ficamos trancadas no quarto durante longas horas conversando sobre o bebê, até papai bater anunciando que já estavam todos prontos para sair.

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O Natal na nossa família seguia os mesmos protocolos desde sempre: decorávamos a casa com guirlandas de azevinho, cristais, e o grande pinheiro (que ficava bem no centro da sala) com bolas douradas e vermelhas. Na véspera, mamãe e tio Yuri se vestiam de Mamãe e Papai Noel e organizavam todos os presentes embaixo dele.
Depois da ceia, nos amontoávamos na sala, perto da lareira, e cada um de nós pendurava um pingente próprio na árvore representando um desejo para o ano que estava por vir. Era a vez de Miyako pendurar o dela. Antes que se levantasse, deu uma olhada para Henri e ambos sorriram, levantando-se juntos, de mãos dadas.

- Antes de mais nada, queríamos pedir desculpas a vocês por não termos os preparado antes, mas só tivemos certeza há dois dias e esperamos o momento certo. Então acho que essa é a melhor maneira de contar... – Miyako disse em um tom de voz misterioso olhando para cada um de nós, sorrindo. Mamãe (que estava bem do meu lado), apertou a mão de papai, parecendo ansiosa.
- Acabe logo com isso, Mi! Está nos deixando curiosos! – Estephan os apressou do outro lado da sala e concordamos.

Ela balançou a cabeça e, sem mais demora, esticou a mão para o pinheiro, pendurando seu pingente e se afastando logo em seguida para que todos nós pudéssemos enxergar exatamente o que era. A sala caiu em um profundo silêncio em que olhávamos assustados do pinheiro para Miyako e Henri, que estavam abraçados e riam. Mamãe foi a primeira a se levantar, deixando um par de lágrimas escorrerem.

- Minha filha, você está grávida! É isso? – ela perguntou emocionada passando os dedos pela chupeta dourada na árvore e Miyako confirmou com a cabeça. – Ah! – correu para abraçar os dois, inaugurando um “efeito dominó” nos cumprimentos.

Juntos, ficamos o restante da noite por conta de conversas e planos para o novo membro da família e depois, para abrir o montante de presentes embaixo da árvore.

ººººº

O dia de Natal amanheceu cinzento e com flocos de neve caindo em espiral, lentamente, do lado de fora da janela. Senti me cutucarem e abri os olhos, esfregando-os. Era papai, que estava curvado sobre minha cama e falou sussurrando (para não acordar Estephan e Sebastian, que dividiam o quarto comigo):

- Você tem visita.
- O quê? Que horas são? – sentei depressa na cama, assustado. O relógio na cabeceira apontava que o dia tinha acabado de amanhecer. – Quem veio me visitar hora dessas??? – perguntei irritado e papai fez sinal para falar mais baixo. Vesti o roupão e o acompanhei para fora do quarto.
- Sheldon White. Diz que é seu colega de dormitório, em Hogwarts. O pai o trouxe até aqui. Ele parece um tanto enérgico, não?
- Você não tem idéia do quanto. – comentei com preguiça.

Assim que chegamos ao último degrau que dava à sala, vi Sheldon e seu pai parados de costas, encarando o pinheiro decorado e comentando alguma coisa em voz baixa. Pigarreei para chamar-lhes a atenção, me lembrando de Sheldon contar que as árvores de Natal eram, na verdade, “o festival pagão de Saturnália”. Eles viraram as costas rapidamente, se adiantando.

- Hiro! Vim lhe entregar o seu presente de Natal! – Sheldon disse ansioso me entregando um grande embrulho. – Espero que goste.
- Obrigado, Sheldon. Como vai, Sr. White? – recebi o presente forçando um sorriso que não possuía naturalmente pelas manhãs. O pai de Sheldon pareceu tão estranho quanto ele, pois não respondeu. Apenas levantou levemente a sobrancelha. Desistindo de uma afetividade maior, comecei a abrir cuidadosamente o papel. - Não precisava vir até aqui me entregar pessoalmente. Poderia ter me mandado uma coruja, ou...
- Não. É frágil. Abra-o, abra-o! – Sheldon me apressou parecendo ansioso. Olhei de relance para papai, que fugiu dos meus olhos rapidamente. Quando finalmente livrei a caixa do papel, vi que era um estojo de poções muito avançado, contendo ingredientes que eram até proibidos para menores de idade comprarem. Arregalei os olhos.
- WOW! Sheldon! É ótimo! Muito obrigado.

O garoto olhou para o pai e soltou uma grande quantidade de ar, parecendo aliviado. Sorri.

- Então... acredito que estamos no mesmo nível de reciprocidade, não é? Eu também adorei aqueles cartuchos de vídeo-game novos... Acho que só disponibilizaram aqui no Japão, não? – perguntou pensativo.
- Não sei. Mas quando os comprei, a vendedora disse que são “a nova sensação”. E sim, estamos “no mesmo nível de reciprocidade” no presente, não se preocupe. Aliás... – recomecei e Sheldon ficou mais reto – você está com a vantagem, afinal, veio me entregar pessoalmente. No próximo Natal eu vou entregar o seu pessoalmente também, logo cedo na manhã de Natal, e encerramos essa questão.
- Ah, quanto ao horário, nos confundimos um pouco com o fuso, sabe? Em Londres já está de noite, lembra?
- Tudo bem. Querem ficar para o café da manhã? Ou janta...?
- Na verdade, temos que ir. – o pai de Sheldon falou pela primeira vez, segurando o ombro do filho. – Sua mãe está nos esperando...
- É. Temos que ir. Nos vemos então em Hogwarts?
- Sim.

Eles se precipitaram para fora de casa, alcançando o quintal, prontos para aparatarem.

- Sheldon! – gritei e ele se virou pra trás. – Feliz Natal! – sorri me divertindo da expressão dele, que apenas sacudiu os ombros. Logo depois, ouvimos um estalo e eles desapareceram.

Eu e papai voltamos para dentro de casa e subimos de volta para os quartos, para dormirmos mais um pouco.

- Realmente, muito enérgico esse seu colega. – papai disse rindo quando chegamos à porta do meu quarto.
- Muito maluco, você quis dizer. – Sorri e ele concordou com a cabeça. Nos despedimos e entrei nas pontas dos pés, depositando meu presente com cuidado na cabeceira e rindo. Aquele estava sendo o Natal mais divertido dos últimos anos...

What a bright time, it’s the right time
To rock the night away
Jingle Bell time is a swell time
To go gliding in a one-horse sleigh

- Jingle Bell Rock