Monday, July 27, 2009


Julho passou como um raio. No dia do meu aniversário de 12 anos sai para jantar com meus pais, meu irmão, meus primos e meus tios, mas a comemoração que mais gostei foi a surpresa que tive quando cheguei para o trabalho na ala infantil. As mães de algumas das crianças haviam levado bolo, docinhos e decorado todo o espaço com balões coloridos. Minha mãe tinha me dado folga naquele dia, mas Mônica me ligou soando desesperada pedindo que fosse até lá e quando abri a porta da sala, levei um susto com a bagunça que eles haviam preparado.

Aos poucos minha mãe ia amolecendo do castigo, permitindo que saísse mais cedo e voltasse para casa sozinha se quisesse, mas ainda não tinha aberto mão de que fosse lá todos os dias. Minha habilidade com a linguagem dos sinais melhorava a cada dia e já conseguia conversar sozinha com Lucas sem me atrapalhar muito, ele agora não encontrava brecha pra caçoar de mim. Ele agora não saia mais do hospital, parecia sempre mais um pouco abatido e frágil, mas não perdia o bom humor.

Lucas queria sempre discutir futebol comigo, e foi no meio de uma discussão sobre um jogo da noite anterior que levei o maior susto da minha vida. Ele de repente ficou pálido, seus lábios perderam a cor e antes que pudesse pensar em chamar alguém, ele desmaiou. Um batalhão de enfermeiras o cercaram e fiquei olhando assustada enquanto elas o furavam de todas as maneiras nos braços tentando colocar um soro e um médico gritava ordens para levá-lo para uma sala reservada.

Naquele dia não consegui me concentrar em mais nada, estava assustada e com medo de que alguma coisa acontecesse a ele. Mônica percebeu que não estava bem e não me pediu que fizesse muita coisa, liberando para que fosse embora duas horas antes do normal. Ela havia avisado minha mãe do que tinha acontecido e ela foi me buscar lá, dizendo que também tinha saído mais cedo e ia me levar pra casa. Fui quase o trajeto todo calada, olhando pela janela parecendo perdida. Minha mãe, obvio, percebeu.

- Está tudo bem? – perguntou sem tirar os olhos da rua enquanto dirigia.
- Sim, só estou cansada – respondi completamente aérea.
- Mônica me contou o que aconteceu hoje cedo. Quer conversar sobre isso?
- Foi horrível, mãe – desviei os olhos da rua e a encarei, ainda assustada – Ele caiu na minha frente, estava mais branco que os fantasmas de Hogwarts. Depois quando já estavam levando ele embora, começou a espumar. O que era aquilo?
- Ele teve uma convulsão, provavelmente provocada pelo excesso de remédios que toma diariamente.
- Mas ele desmaiou antes de começar a babar!
- A imunidade dele é muito baixa, Clara – mamãe falava paciente, como se estivesse escolhendo bem as palavras – Lucas tem uma doença muito séria, que deixa o organismo dele vulnerável e seu corpo fraco, que foi o que causou o desmaio.
- Deixa vulnerável a que? – perguntei tentando entender o que ela dizia.
- A tudo. Com a imunidade baixa, Lucas é mais propicio a pegar qualquer tipo de doença do que as outras pessoas. E até mesmo um simples resfriado pra ele pode ser perigoso, é por isso que ele raramente sai do hospital.
- Mas ele saiu na semana passada – falei preocupada – Passou três dias em casa!
- Esse talvez tenha sido o erro, mas vamos esperar até sabermos como ele está, ok? Não quero que fique assustada, os médicos que cuidam dele são competentes.

Assenti com a cabeça e sem dizer mais nada voltei a encarar a rua. O tempo estava feio e começava a chover, lentamente engarrafando o transito. O carro ficou em silencio durante um bom tempo, mas mamãe o quebrou mais uma vez.

- Suas férias já estão quase terminando e ainda não fizemos as compras para o seu segundo ano – disse mudando de assunto – Pode aproveitar esses últimos dias, está liberada do castigo. Acho que já aprendeu muita coisa nesse tempo que passou ajudando a Mônica – olhei para ela espantada e ela riu, mas continuei seria.
- Acho que vou continuar indo, não me importo – respondi vagamente e agora era ela que parecia espantada – Gosto de ajudar as crianças, é divertido.
- Que bom que gostou de ajudar, mas o combinado com a Mônica era que você ficaria só até sua penúltima semana, ela vai receber outros voluntários a partir de amanha e não pode ficar sobrecarregada – mamãe falou séria, não me dando margem para argumentar – Se quiser ir lá amanha para se despedir, levo você depois do almoço. Vamos tirar a manha para fazer todas as compras da escola. Você cresceu um pouco, seu uniforme antigo já não deve servir mais.

Concordei mais uma vez em silencio e retomei minha atenção nos carros do lado de fora. A chuva engrossava cada vez mais e colei o meu rosto no vidro, vendo os pingos grossos batendo contra ele na minha direção, deixando a janela gelada. Não era justo ela me obrigar a não ir mais, mas sabia que não ia adiantar insistir e já havia a provocado demais esse ano. Sem alternativa, me vi obrigada a obedecer.

*****

- Posso entrar?

Ouvi uma batida na porta do quarto e vi meu irmão entrando. Ele trazia um livro debaixo do braço e beijou minha testa antes de se sentar ao meu lado na cama. Estava separando os materiais que havia comprado há dois dias atrás com a minha mãe e ele me entregou o livro.

- Livro Padrão de Feitiços 2ª Série – li o titulo na capa e olhei pra ele – É o mesmo livro desde quando você estudava em Hogwarts?
- Sim, por isso se chama livro “Padrão” – disse batendo de leve na minha testa e ri, empurrando sua mão pra longe – Hogwarts pode ter evoluído em alguns aspectos, mas alguns professores continuam tradicionais.
- Só tinha esse livro de diferente na lista, a maioria das coisas eram ingredientes para poções, e também tive que comprar mais rolos de pergaminho, tinta e penas novas. Não cresci tanto assim, só precisou aumentar um pouco a saia – e dei de ombros, indiferente se havia ou não crescido durante o verão.
- Claro que não cresceu, continua a pirralha nanica de sempre – ele me provocou, mas dessa vez não revidei e continuei dobrando minhas vestes para colocar no malão – Ok, você está bem? Chamei-a de pirralha e não tentou me bater.
- É que... – comecei a falar, mas parei de repente, arrependida. Gabriel arqueou a sobrancelha e me encarou sério – Esquece, é bobagem.
- O que aconteceu, Clara? – insistiu – Sabe que pode conversar comigo, não é?
- Mamãe não quer que eu continue indo ao hospital com ela, a ouvi conversando com papai ontem.
- E isso é um problema? – ele se espantou – Pensei que trabalhar lá fosse um castigo.
- Era no começo, mas agora eu realmente gosto!
- E você acha que ela não quer mais que você vá porque está gostando?
- Não, ela não quer mais que eu vá porque quase vi uma das crianças morrer essa semana – falei desanimada – Um menino com quem fiz amizade desmaiou na minha frente e teve uma convulsão. Ele está bem agora, mas mamãe me explicou por alto o que ele tinha e quando cheguei em casa, fui pesquisar na internet. Ele pode morrer a qualquer minuto, Gabriel!
- Você a ouviu dizer que não quer que você sofra caso aconteça algo com esse menino, não é? – ele perguntou e fiz que sim com a cabeça – É, ela conversou sobre isso comigo ontem. Ela está preocupada que você ainda não esteja preparada para lidar com a perda, não pensou que fosse se envolver tanto com os pacientes do hospital, e eu concordo com ela, mas não acho que proibi-la de continuar ajudando no hospital vá solucionar o problema.
- Não vai mesmo, vou continuar aqui, preocupada com ele. E se ele morrer? – falei assustada outra vez, lembrando de tudo que li sobre o que ele tinha, e Gabriel me abraçou.
- Se isso acontecer, vamos estar aqui para conversar com você a hora que precisar e consola-la, mas não fique pensando nisso. Pense que ele vai se recuperar e logo vai poder sair do hospital e viver uma vida normal. E enquanto não volta para Hogwarts, continue indo visitá-lo. Ele com certeza sente falta da companhia de amigos.
- Você me leva lá hoje?
- Claro, termine de arrumar as coisas da escola e eu te dou uma carona – sorri mais animada e continuei dobrando as roupas.
- O que foi? – perguntei vendo que Gabriel me observava com uma cara engraçada.
- É que eu nunca imaginei que, em dois meses, fosse enxergar tantas mudanças em você. Tenho certeza que ainda vai dar dor de cabeça pra mamãe quando voltar a Hogwarts, mas sem duvida você está mais madura e não vai beirar a expulsão outra vez.
- Obrigada. – sorri de volta pra ele – Não vou mesmo beirar a expulsão, mas acho que não consigo ainda abandonar as brincadeiras.
- Não abandone, você só tem 12 anos, aproveite enquanto ainda pode aprontar pela escola. Depois fica mais velha e perde a graça.
- Você não embalsamou um gato quando tinha 15 anos? – perguntei desconfiada e ele tossiu.
- Bom, foi um caso isolado, digamos que um remendo para uma idéia furada do Ty. Faça o que eu digo, não faça o que eu faço.
- Sim, claro, mas se embalsamarmos o gato do Filch estaríamos fazendo um favor à humanidade.
- Chega dessa conversa, acabe de arrumar isso logo antes que mude de idéia e não leve mais você ao hospital.

Bati continência sorrindo travessa para ele e comecei a dobrar as roupas mais rápido, terminando de arrumar o malão alguns minutos depois. Ele me levou para visitar o Lucas e no caminho ia pensando no que ele havia me dito. Sentia também que tinha mudado um pouco durante o verão, mas não tanto assim. Meu espírito maroto ainda estava a todo vapor e tinha muita energia acumulada nesses dois meses parada, gritando para serem extravasadas o mais rápido possível. Passar dois meses em casa seria sempre bom, mas não via à hora de voltar a Hogwarts.