Tuesday, August 25, 2009


As férias em Londres chegaram ao fim junto com os jogos olímpicos e voltei para casa com meus pais e meu irmão. Gabriel, que agora estava noivo, foi facilmente dobrado pela mamãe e agora ela estava encarregada de absolutamente tudo relacionado ao casamento dele com Madeline. Ninguém nem ousava se meter, acho que nem mesmo a noiva, ela apenas aceitava tudo que minha mãe decidia sem contestar. Acho que, desde que ela e meu irmão se casassem, não importava o resto. Eles haviam decidido se casar em Paris, mas viriam morar no Brasil, e essa foi a parte que mais gostei. Não queria ficar longe dele e do meu novo sobrinho.

Tudo em casa exalava casamento, e querendo ficar longe de todo aquele processo e dos constantes ataques da mamãe com as pessoas que iam montar a cerimônia, arrumei uma ocupação pros meus últimos dias de férias. Por total influencia da Gabi, agora estava matriculada em uma aula de karatê. Meu instrutor, Sensei Marcos, me encorajava dizendo que tinha futuro na luta e que tinha feito bastante progresso para quem estava matriculada há apenas duas semanas. Ele queria me testar antes que eu voltasse pra Hogwarts na próxima semana e interrompesse as aulas até Julho, então me colocou para lutar com um aluno que já era faixa preta. Ele era duas vezes maior que eu e naquele dia não estava me sentindo muito bem, mas ia perder aquela luta com dignidade, sem fugir do desafio.

Fizemos a reverencia padrão e ele partiu pra cima de mim sem dó nem piedade. Não demorou nada até que eu estivesse no chão, mas sempre levantava e partia pra cima dele também, tentando fazer alguns pontos. Não era uma luta justa e eu já estava cansada, então parti para meu golpe final antes dele ganhar por maior número de pontos. Rafael veio para cima de mim, mas girei o corpo e agarrei seu braço, pronta para aplicar um golpe chamado Yoko Empi, onde seguro seu braço e golpeio a área desprotegida do corpo com o cotovelo. Consegui segurar seu braço direito, mas antes que pudesse acertar a lateral de seu corpo, ele gritou de dor. Junto com o grito dele veio um estalo alto e soltei seu braço na mesma hora, saltando para trás. Sensei Marcos correu para o meio do tatame e segurou o braço do garoto, visivelmente quebrado.

- Rafael, desculpa! – falei assustada, olhando para o seu braço quase pendurado – Não sabia que tinha puxado com força!
- Tudo bem, Clara, não foi de propósito – ele fez uma careta de dor ao falar – Foi mau jeito, eu não estava na posição certa.
- Clara, ele está bem – Sensei tentou me acalmar, mas não funcionou muito – Saia do tatame junto com os outros. A aula hoje acabou, estão dispensados.

Ele ajudou Rafael a se levantar e avisou que o acompanharia até o hospital, mas não deixou que eu fosse também quando me ofereci para ajudar. Eles ainda insistiam em dizer que tinha sido um acidente, mas isso não fazia com que me sentisse menos culpada. Tinha certeza que não tinha colocado tanta força assim na mão e mesmo que tivesse, não seria capaz de quebrar o braço de alguém, mas alguma coisa errada aconteceu. Voltei pra casa pensativa, mas não comentei com ninguém o que tinha acontecido. Com mamãe naquele nível elevado de estresse, era melhor não mencionar que tinha acabado de partir o osso do braço de alguém ao meio. Sabia que ela estava em casa com tio Scott agitando as coisas do casamento, então fui direto da aula pro apartamento do tio Ben.

Passei o restante da tarde toda jogando videogame com Nick. Ele também estava aproveitando seus últimos dias de férias antes de recomeçar o treinamento para auror. Ele, Connor e Nigel haviam sido aceitos na Academia de Aurores de Londres ano passado e começariam o 2º ano dia 1º de Setembro. Ele percebeu que eu algo me incomodava, mas isso era o que eu mais adorava nele. Nick nunca perguntava, esperava até a gente falar primeiro. E eu não estava com vontade de falar, então apenas jogamos, sem conversar muito.

Tio Ben nos obrigou a desligar o jogo quando viu que já havia anoitecido e chamou para comer pizza na varanda. Com tio Scott ajudando mamãe nos preparativos do casamento, a cozinha dos dois apartamentos não andava sendo muito utilizada e fast food era sempre a opção mais prática. Devoramos toda a pizza em menos de meia hora e continuamos sentados na varanda conversando, até que ouvi meu celular tocando do lado de dentro da casa. Foi tudo muito rápido. Levantei da cadeira apressada, pressionei a palma das mãos contra o vidro para empurrá-lo para o lado e ele se estilhaçou. Tio Ben e Nick saltaram assustados das cadeiras e vieram me acudir, pois eu continuava na mesma posição: com as mãos no ar onde o vidro estava um segundo antes, mas agora com as duas palmas repletas de cacos de vidro e muito sangue escorrendo.

- Clara, você está bem? – tio Ben me agarrou pelos ombros, me forçando a desviar os olhos da extinta porta e encara-lo – Está machucada em mais algum lugar?
- Não... – falei completamente atordoada, voltando a olhar para os cacos de vidro espalhados por toda a varanda e parte da sala – Desculpa!
- Tudo bem, meu amor, não foi sua culpa – ele me tranqüilizou, puxando minhas mãos com cuidado para ver o estrago – Ui, acho que sua mãe vai precisar cuidar disso depressa. Nick, vá chamá-la, rápido.
- Não estão doendo – menti, vendo Nick disparar para fora do apartamento – Tio Ben, sua porta...
- Não tem problema, isso pode ser remendado com um simples aceno da varinha, vamos nos preocupar com a sua mão.
- Mas... Ela se estilhaçou! Eu toquei nela e... – falei chocada que ele não estivesse levando esse fato em consideração.
- Ela já devia estar rachando em algum ponto e não percebemos.

Tentei argumentar mais vezes, mas ele sempre desviava o foco do acontecido para minha mão sangrando loucamente e não para o fato de que elas tinham estilhaçado um vidro bem grosso segundos antes. Mamãe apareceu logo depois que Nick saiu, com tio Scott atrás dela e um kit de primeiros socorros na mão. Ela fez uma cara apavorada quando mostrei a palma das mãos e foi logo me puxando para uma cadeira longe da varanda, começando a tirar os cacos de vidro com uma pinça. Tio Ben reconstruiu o vidro da porta num piscar de olhos e fiquei observando minha mãe fazendo curativos por toda minha mão e depois as enfaixando.

- O que aconteceu aqui? – ela perguntou depois que terminou. Tinha uma gaze cheia de cacos de vidro no colo dela, todas tirados da minha mão.
- Eu fui abrir a porta e o vidro quebrou – expliquei olhando para a nova porta.
- Como você conseguiu fazer isso? – ela parecia tão chocada quanto eu – O quanto de força você fez para partir um vidro desses?
- Eu não coloquei força nenhuma! Também não sei o que aconteceu!
- O vidro devia estar rachado nas laterais, Lou – tio Scott chegou à mesma conclusão do tio Ben – Alguma rachadura antiga que não percebemos, bastava um pouco de pressão para isso acontecer. Que bom que Clara sofreu cortes apenas nas mãos, podia ter sido pior.
- É, podia ter sido pior mesmo – ela terminou de prender a gaze em volta da minha mão e levantou – Vamos pra casa, Clara. Precisa ficar com as mãos paradas, acha que consegue?
- Não posso usar elas pra nada? – resmunguei.
- Use apenas se for necessário, se ficar mexendo demais e fazendo força, vai começar a sangrar de novo. Amanha já vai estar melhor, mas hoje você vai ter que sossegar.

Assenti derrotada e voltei com ela pro nosso apartamento. Ela ainda tinha alguns telefonemas pra fazer e percebi que tentou terminar o mais rápido possível, sempre espiando para ver como eu estava. Meu pai chegou em casa antes que ela terminasse e se assustou ao ver as bandagens nas minhas mãos.

- O que aconteceu? – perguntou sentando do meu lado e beijando minha testa.
- Quebrei o vidro da varanda do tio Scott – dei de ombros e ele arregalou os olhos.
- Está doendo muito? – apesar do espanto, ele pareceu achar melhor não entrar em detalhes comigo.
- Não, só coçando um pouco – dessa vez era verdade. Era estranho, mas a dor já tinha passado.
- Mais alguma coisa que queira contar? – Como Nick, meu pai sempre sabia quando algo me incomodava. Mas diferente dele, ele perguntava e não desistia até que respondesse.
- Hum, quebrei o braço de um garoto no karatê hoje – achei melhor pular todo o processo de insistência, sabia que ele ia ganhar mesmo – Acho que puxei com muita força, não sei bem. Ele também não estava bem posicionado.

Ele trocou um olhar esquisito com a mamãe e sorriu pra mim, levantando do sofá. Ela mandou que continuasse como estava, sem sacudir as mãos, e foi para o quarto com ele. Tinha alguma coisa errada acontecendo, isso era obvio, mas não fazia a menor idéia do que era. Cutuquei o curativo quando minhas mãos começaram a coçar outra vez, mas evitava mexer muito com medo de me machucar mais. Liguei a TV e deixei em um filme qualquer, só para ter o que assistir. O dia já tinha sido esquisito demais, só queria manter a mente ocupada até pegar no sono ali no sofá mesmo. Nunca desejei tanto voltar para Hogwarts.