Tuesday, September 22, 2009 O primeiro mês de volta a Hogwarts estava passando absurdamente rápido. Além das matérias tradicionais, agora dividíamos o tempo com as opcionais, o que significava mais tempo de aula para todo mundo. Adivinhação era, de longe, a pior matéria da minha grade. Antes de conhecer a professora Brown e a torre norte achava que não poderia existir em Hogwarts, e talvez no mundo, algo pior que Cuthbert Binns e a sala de História da Magia, mas estava enganada. Além de não compreender a “arte da adivinhação”, o ar lunático da professora e a sala sufocante não ajudam em nada. Tenho verdadeiro horror a incenso, acho o cheiro deles forte demais, muitas vezes nauseante, e acabo saindo das aulas me sentindo mal. Por duas vezes fui parar na ala hospitalar com dor de cabeça e tontura, perdendo o resto do dia. Em contrapartida às aulas chatas de Adivinhação, Trato de Criaturas Mágicas logo se tornou minha aula favorita. Hagrid abandonara o espírito aventureiro e não nos mostrava criaturas capazes de nos matar durante o período de aula, mas em compensação quase sempre trazia alguma criatura rara para observação e depois pedia apresentarmos relatórios. Ainda não havíamos ido a nenhum tour pela floresta para estudar testrálios ou hipogrifos, ele dizia que era matéria do 5º ano, mas as criaturas que estudávamos eram bastante interessantes e acho que íamos sobreviver até lá sem poder montar em um hipogrifo. As aulas de poções também iam bem. Depois de um ano e meio tendo aulas de reforço com Sheldon, o professor Yoshi tinha finalmente me liberado, bastante satisfeito por minhas notas terem melhorado. Claro que tive que aturar Sheldon se gabando do quão bom ele era como professor, mas tudo bem, o mérito era todo dele de qualquer forma. Sem sua insistência irritante, eu teria desistido de poções depois da primeira semana. As aulas de Transfiguração e Feitiços também estavam excelentes e em DCAT tio George havia intensificado o Clube dos Duelos, usando as aulas de sexta-feira para ele. Chegávamos sempre esgotados para o almoço, depois de encarar o clube e as aulas agitadas de Feitiços, mas ninguém reclamava. - Argh, hoje tem treino! – Keiko se largou no banco ao meu lado, esticando os braços em cima da mesa. Correção, quase ninguém reclamava – Garret está ficando louco, marca treinos em qualquer brecha que surge! - Ah Kika, não é tão ruim assim – Haley tentou animar. As duas agora faziam parte do time de quadribol da Sonserina – Pelo menos não estamos gastando as brechas com mais estudos. - Meninas, treino hoje às 16h, consegui negociar o campo com Jake – Garret passou pelo nosso grupo e falou em um tom de voz animado, sem notar o rosnado de Keiko. - E vocês ainda se perguntam por que eu não tentei uma vaga? Sério? – falei brincando, levantando do meu lugar e pegando uma caixa de dentro da mochila. Hiro estava sentando do outro lado da mesa, absorto em uma conversa sobre quadrinhos com JJ, e me sentei entre ele e Sheldon. Os dois ficaram me encarando curiosos enquanto eu observava Sheldon se dividir entre comer seu pedaço de torta de carne e ler um grosso livro de Aritmancia, sem parecer notar minha presença. - Oi Sheldon! – falei mais animada que o necessário, o assustando propositalmente – O que está lendo? - O que parece? – perguntou monótono. Adorava fazer pergunta obvia, para vê-lo incomodado – Certamente não é a lista telefônica. - Nova Teoria de Numerologia – li o titulo na capa marrom – Uau, parece muito interessante. - É um pouco menos rico em detalhes que “Numerologia e Gramática”, tem uma visão muito resumida da numerologia, mas serve como um livro de consulta rápida para Aritmancia – bocejei forçadamente e ele me encarou como se tivesse percebido algo muito óbvio – Você estava sendo sarcástica, não é? – confirmei com a cabeça e Hiro sufocou uma risada – Droga, justo quando eu acho que peguei o jeito! - Ei Sheldon, adivinha o que tenho na mão! – falei indicando a mão que escondia nas costas. - Eu não adivinho. Como um apreciador da ciência exata, chego a conclusões através de observações e experiências – ele parou de falar de repente e me encarou outra vez, com a mesma expressão de quem acabou de entender uma coisa obvia – Você dever ter feito uma pergunta retórica, ignore meu bom humor. - O que foi isso? – perguntei confusa, olhando para Hiro, que não parava de rir. - Acredite ou não, amadurecimento – ele respondeu engolindo a risada e parou de fingir que ainda conversava com JJ para prestar atenção. - Enfim... – voltei a encarar Sheldon e tirei uma caixa de DVD das costas, deixando bem visível a ele – Olhe isso! - Call of Duty 10! – Sheldon tomou a caixa da minha mão, a encarando chocado – Mas só vai ser lançada no natal, como você tem isso em mãos? Isso não envolve assassinato, não é? - Claro que não, meu irmão conseguiu pra mim – respondi me gabando, como ele sempre fazia – Ele fez um trabalho pro criador do jogo e pediu como pagamento uma cópia pra mim. Legal, não é? Chegou pelo correio hoje! Queria poder jogar à noite, mas tenho um relatório pra fazer de História da Magia... - Eu faço o seu relatório se me deixar jogar com você hoje à noite! – Sheldon parecia desesperado e tentei parecer despreocupada. - Tem certeza? São 3 rolos de pergaminho sobre a 1ª Guerra Bruxa, pra segunda-feira. Pode tomar muito tempo e você também tem que entregar um ao Binns. - Termino o seu em meia hora, já fiz o meu há dias – abri um sorriso enorme e ele me devolveu o jogo, me analisando – Boa jogada, Lupin. Vejo você na sala de jogos às 17h. Sheldon finalmente soltou a caixa e levantou da mesa sem terminar o almoço, traçando uma reta até a biblioteca. Guardei o jogo na mochila e virei para Hiro e JJ sorrindo satisfeita. Os dois riam incrédulos. - Você manipulou o Sheldon – Hiro falou boquiaberto – Como isso aconteceu? - E desde quando você faz trocas com ele? – JJ parecia um pouco mais chocado que Hiro – Você odeia ele. - Ah, eu não odeio ele – dei de ombros e ele arregalou os olhos – Depois que você aprende a lidar com Sheldon White, passa a gostar um pouco do jeito esquisito dele. - Viu? Eu disse que ele não era má pessoa, só um pouco excêntrico – Hiro disse satisfeito que eu estivesse me entendendo com Sheldon. - Ele é maluco, isso sim – JJ o corrigiu – Quando foi que você evoluiu para amiga do doido? - Não sei se cheguei ao estagio de amiga dele, mas depois de passar um ano e meio tendo aula de poções com ele duas vezes por semana, acho que acostumei – sorri pros dois e JJ sacudiu a cabeça como se tentasse acordar de um pesadelo – Querem jogar também? - Não tenho a sua sorte, preciso fazer o relatório do Binns hoje pra aproveitar o fim de semana, vai ter que ficar pra próxima – ele respondeu desanimado. - E você, Hiro? Se disser que ainda não fez esse relatório, não vou acreditar. - Não, eu já fiz, é claro que vou jogar com vocês. Vou avisar ao Julian, ele também já fez o dever – respondeu animado – Não vou perder essa cena... Hiro ficou fazendo hora com a minha cara por ter mudado de idéia em relação ao Sheldon e não parou até nos separarmos para a aula de Adivinhação, onde ele seguiu para a aula de Runas Antigas. A aula da louca nunca se arrastou tanto. Quando fui liberada daquela sala sufocante, larguei a mochila no dormitório e troquei de roupa, esperando a sala de jogos ser liberada para correr para lá. Cheguei às 17h em ponto com Hiro e Julian, que também estava ansioso para jogar, e Sheldon já me esperava de pé na porta, com um rolo de pergaminho grosso nas mãos. - Me excedi um pouco no seu relatório – disse estendendo a mão e peguei o rolo – Vão jogar também? – e encarou Hiro e Julian. - Sim, também viemos experimentar a nova versão do jogo. - Ok, só para esclarecer... – Sheldon começou e olhei para Hiro revirando os olhos, já previa aquilo – Você me convidou para testar um jogo novo que envolve estratégias complexas onde nenhum jogador inexperiente seria capaz de liderar a equipe e obter sucesso na missão. - Sim. Hiro, Julian e eu somos os jogadores inexperientes, já entendi. - E entende também que isso envolve lhes dizer o que fazer? - Entendemos – Hiro respondeu tentando não rir. - E Clara não está autorizada a ser sarcástica ou depreciativa no decorrer do jogo. - Tudo bem. - Ótimo. Vamos usar aqueles Blackhawks para resgatar nossos soldados. Sheldon abriu a porta da sala e o seguimos. Ele logo tomou o jogo da minha mão e o instalou em um dos videogames disponíveis, distribuindo os controles e começando a ditar as regras da missão de resgate. Logo a sala já estava tomada por sons de tiros e granada explodindo, se sobressaindo à sua voz enérgica gritando instruções de emergência. Sheldon White era, possivelmente, a pessoa mais complicada e difícil de conviver de toda Hogwarts, mas eu não podia negar que, uma vez que já o conhecia o bastante para saber contornar suas esquisitices, ele até que era legal. Acho que poderia conviver com essa novidade... |