Monday, January 11, 2010
Algumas lembranças de Hiro Menken...
Tudo mudara por Hogwarts após a noite do dia das Bruxas; e não é só por causa do clima – que começava a esfriar – que essa mudança se tornara muito evidente para mim e meus amigos, mas porque aquela noite representou uma espécie de “marco” na história das nossas vidas acadêmicas.
Por causa da repentina transformação de Clara em um lobisomem e, conseqüentemente, seu diagnóstico como uma transformo que deveria ser a todo custo “mantida sob controle” (principalmente sob autocontrole), agora nos dividíamos para mantê-la sempre distraída, calma, e ocupada com tarefas e atividades que a cansassem e tranqüilizassem mais do que as poções que tomava todos os dias, feitas por tio Yoshi. (E por mais que já estivéssemos adaptados ao “pavio curto” da Clara, eu tinha que admitir que também estava gostando de acompanhá-la nessa nova fase “zen”.)
A mim coube ajudá-la com alguns treinos de karatê, e embora não me lembrasse de todos os golpes que aprendi na época que praticara, os que lembrava estavam sendo suficientes para preencher várias horas de exercícios cansativos e, muitas vezes, divertidos, em cada semana...
Clara e eu chegamos à sala de aula do quarto andar, que McGonagall havia reservado para nós praticarmos os treinos de karatê. A sala estava completamente vazia, sendo preenchida somente por um tatame de borracha que tampava todo o piso, e um grande espelho que cobria um de seus lados.
- Certo. Antes de começarmos a praticar os golpes, de fato, eu acho que é interessante eu te explicar um pouco de teoria... – eu disse meio incerto sobre qual seria a reação dela ao ouvir a palavra “teoria”, mas, para meu alívio, ela concordou com a cabeça e sorriu animada, então voltei a falar com mais firmeza. – Prometo que é só um pouco mesmo. Não vamos precisar cair em um monólogo como os do Sheldon, e não vou te aplicar exames para trocas de faixas e coisas do tipo. – virei os olhos e Clara riu alto.
- Você não está realmente querendo se comparar com o Sheldon né? Porque não existe comparação Hiro. Faça do jeito que quiser; Tenho certeza de que vou me divertir muito mais com as suas “aulas” do que aconteceu quando tive que pegar reforço com ele... – ela disse e eu ri, sentindo uma espécie de calor se espalhar por todo meu corpo e rosto. Gaguejei e desviei o olhar, me concentrando.
- Bem... A palavra Karate significa "mãos vazias" (kara - vazia / te - mãos) – escrevi a palavra no ar com a varinha e a dividi enquanto falava -, mas o karate (assim como outras artes marciais japonesas) ultrapassa a questão de arte marcial, e passa a ser um caminho para o desenvolvimento espiritual. Por isso, eventualmente acrescenta-se ao nome a palavra "Do" que significa "caminho". Sendo assim, Karate-Do significa "caminho das mãos vazias".
- Japoneses são mesmo muito tranqüilos, não são? – Clara comentou se divertindo enquanto as palavras se juntavam no ar. Concordei rindo antes de continuar.
- Cada pessoa pode ter objetivos diferentes ao optar pela prática do Karatê. Cada um deverá ter a oportunidade de atingir suas metas, sejam elas: tornar-se forte e saudável; obter autoconfiança e equilíbrio interior (o nosso caso!); ou mesmo dominar técnicas de defesa pessoal. Contudo, não deve o praticante fugir do real objetivo da arte e, por isso, deve sempre se guiar pelos seus cinco princípios éticos mais básicos e fundamentais que são:
- Esforçar-se para a formação do caráter;
- Criar intuito de esforço;
- Respeitar acima de tudo;
- Conter o espírito de agressão;
- Fidelidade para com o verdadeiro caminho da razão
E, portanto, embora se pareça com uma luta ou um confronto, o karatê não tem nenhuma intenção de ser violento.
Os golpes utilizados se dividem entre golpes de defesa e golpes de ataque. E eles podem ser encerrados com as mãos, ou como chutes. Nós vamos começar a trabalhar com as mãos, que são as que mais exigem concentração e equilíbrio... Preparada? – perguntei rindo ao retirá-la do estado de absoluta concentração em que estava e ela empurrou os dois braços para frente, com as duas mãos abertas, para se aquecer.
- Preparada. Minhas mãos estão até formigando de tanta vontade de aprender novos golpes com ela... Não que eu vá usar karatê para violentar uma pessoa e nem nada disso! – ela acrescentou depressa com um tom malicioso. E depois completou sorrindo marota: - Mas não que os grifinórios mereçam qualquer tipo de clemência também, não é?
- “Criar intuito de esforço” é um princípio que vem antes de “conter o espírito de agressão”, certo? Não estaria traindo o movimento karateca se criasse esse “intuito de esforço” em cima de um grifinório... – eu respondi e nós rimos alto, antes de começarmos os exercícios práticos.
Se Clara continuasse se dedicando tanto ao karatê, e às outras atividades para as quais era freqüentemente requisitada, nenhum de nós tinha alguma dúvida de que em pouco tempo ela se veria livre de todas as poções calmantes, e seria capaz de se controlar sozinha. E nós já contávamos com isso...
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Voltar para casa para as festas de fim de ano era sempre divertido. Neste ano, porém, estava mais! Pois, além do casamento do tio Gabriel com a Mad (e a oportunidade de reencontrar todos os meus amigos fora de Hogwarts) em Paris, era também o primeiro Natal, e Reveillon de Eicca. Por isso, mamãe tinha caprichado na decoração da nossa casa, que agora contava não só com um, mas três grandes pinheiros lotados de bolas, luzes e diversos enfeites brilhantes.
Na véspera do Natal a família começou a chegar durante a tarde para a ceia, e na cozinha eu podia escutar as vozes de mamãe, tio Yuri e Sabrina se revezando desajeitados na cozinha para prepararem os pratos mais típicos da ocasião.
Enquanto Sabine, Gisela, Miyako e Keiko tricotavam conversas sobre lojas e compras de Paris, do outro lado da sala papai (que segurava no colo um Eicca fascinado com as luzes na árvore de Natal), tio Yoshi, Estephan, Sebastian e Henri conversavam sobre esportes, economia e o avanço das pesquisas com os animais mágicos que Sebastian e Estephan andavam desenvolvendo na Noruega. Monique estava no canto oposto da sala, alheia a todas as conversas, deitada de lado em uma das poltronas que ali estavam sendo diretamente aquecidas pelo fogo da lareira. Ela parecia cantarolar alguma coisa e dobrava um papel minúsculo quando me sentei do seu lado sorrindo.
De todos meus primos, Monique é de quem eu mais gosto! Ela é filha única do tio Yoshi e, por eu sempre ter mostrado muito interesse em poções, durante todos os anos antes de poder ir para Hogwarts, eu acabava passando vários dias na casa deles – o que fez com que tivesse muita afinidade com ambos. Embora ela tivesse herdado algumas características do tio Yoshi (calma, paciência, e observação), também se parece muito com sua mãe – que faleceu há alguns anos. É muito viva e animada, gosta de conversar e rir, e é completamente apaixonada por seu trabalho no Departamento de Esportes Mágicos. Além disso, ganhou por vários anos consecutivos o Torneio Mundial de Xadrez de Bruxo, o que a consagrou como uma excelente estrategista...
- Hey “Nique”, o que está fazendo? – perguntei observando-a puxar um dos lados do papel e finalizar o origami que tomou a forma de um tsuru. Ela sorriu e o estendeu pra mim.
- Estou dobrando 1000 tsurus para mim, Hiro. E sem magia! Não vale... – ela piscou os olhos sorrindo e puxou um novo quadrado de papel, recomeçando o processo.
- Por quê??? – perguntei assustado enquanto encarava o pássaro de origami na palma da minha mão. Eu sabia dobrar alguns origamis, inclusive tsuru, mas raramente os fazia; geralmente eles exigem um tempo precioso, e MUITA paciência.
- Não sei... Talvez eu me candidate para o livro dos recordes... – Ela respondeu se divertindo da minha expressão assustada. – Mentira, não é nada disso. Nunca ouviu a lenda dos tsurus?
- Não.
- Bem... Conta a lenda que, se você dobrar 1000 tsurus, tem o direito de fazer um pedido. O pedido mais especial que desejar! E eles geralmente se tornam realidade.
- Você está fazendo tudo isso em troca de um pedido que talvez não se realize? – perguntei ainda assustado e ela abriu um sorriso ainda maior, me entregando um segundo tsuru pronto e pegando um terceiro quadrado de papel.
- Sim! Depois de prontos, vou fazer um móbile pra mim e, se o desejo não estiver realizado... Pelo menos eu decorei meu quarto com origamis próprios!
- Você é louca! – respondi, agora também me divertindo. Ela riu alto.
- Todos sempre me falam isso! Enfim... Me conte como foi o seu semestre em Hogwarts! Papai me adiantou, por cima, algumas coisas sobre o caso da Clara. Ela ainda está tomando as poções dele?
- Sim... Tio Yoshi está fazendo uma composição menos pesada, mas ela ainda tem que tomá-las. Enquanto isso, nos dividimos para ocupá-la com atividades que a façam “tranqüila”. Eu até voltei a praticar karatê com ela! É divertido! Estamos quase entrando nos golpes com chutes... Ela é realmente boa nisso, sabia? Não demora muito e não vou mais conseguir lutar com ela sem me envergonhar. – sorri um pouco distante, me lembrando dos últimos treinos que tivera com Clara antes de voltarmos pra casa.
Não percebi que Monique tinha parado de dobrar o quarto tsuru e me observava atentamente; os olhos me avaliando, mas ela mantinha um sorriso besta no rosto.
- Você gosta dela?!!! Não gosta? Claro! Você gosta da Clara! Ah Hiro... – ela falou tudo de uma só vez e me assustei com seus tons de voz variados, terminando com uma espécie de suspiro.
- É claro que eu gosto da Clara! Ela é uma das minhas melhores amigas desde o quê? A maternidade? – eu respondi tentando desconversar mas sabia que não tinha adiantado nada. Monique ainda me olhava empolgada e foi impossível não sentir uma coceira estranha no estômago.
- Não se faça de bobo, você sabe do que estou falando. Você gosta dela! Mais do que amiga. Não adianta disfarçar para mim... Eu vi o jeito como você falou dela, e dos treinos de karatê... Você sorriu! Anda, admite. – ela me cutucou no peito e ri desconfortável.
- Eu não sei Nique. Ok? Eu realmente gosto de estar com a Clara! Ela é engraçada, inteligente, irônica... Tem sempre as melhores idéias e...
- Tem também o melhor jeito de sorrir, de andar, de conversar...? Ela é a mais linda das suas amigas? E é com ela que você gostaria de... Sei lá! Gastar todo o tempo junto? – Monique completou e engoli um nó. Ela riu.
- Mas ela é só minha amiga! E é só assim que ela também me vê: como um amigo.
- É claro! E se você nunca fizer nada para mostrar a ela que podem ser mais do que isso, provavelmente ela nunca caia na real. Sinto te informar primo, mas você está apaixonado! E se quiser que a Clara te note como uma real possibilidade... É melhor começar a aceitar isso e tomar algumas atitudes!
- Não viaja! Eu tenho 13 anos! – ri tenso tentando demonstrar sarcasmo mas, mais uma vez, não funcionou. – Escuta, esquece isso Nique. Eu não pretendo fazer nada ok? Nós somos amigos e é só. Além disso, ela está passando por um momento difícil e eu tenho que estar ajudando ela, e não fazendo-a surtar com “essas coisas”.
- Mas você ainda nem escutou o que vou propor, antes de descartar a idéia! Não seja bobo! Eu sei que você (e ela também!) ainda é muito novo para TOMAR ATITUDES, de fato. Não estou pedindo que se declare, faça serenata ou a agarre no meio do corredor... Mas o fato de você não ter idade, não quer dizer que não possa se apaixonar. Aliás, já aconteceu! – ela frisou sorrindo e senti meu rosto esquentar olhando para os lados para me certificar de que o restante da família, e principalmente Keiko, estava longe o suficiente de nós e de nossa conversa.
- Certo... Então o que você sugere que eu faça, para começar? – perguntei entregando os pontos.
- Ensine-a a dobrar tsurus! – ela exclamou animada e meus ombros caíram.
- Você está brincando?
- Não, Hiro, é sério. Veja bem: se você contar a ela sobre a lenda dos tsurus (faça parecer algo romântico, como a grande história do Taj Mahal! Sei lá... coloque samurais e donzelas no meio dos origamis! Você é melhor nisso do que eu.), ela vai se animar a dobrar não é? E quer um exercício maior de paciência e concentração do que esse? Além do mais, pode ser mais um bom tempo extra que vocês dois podem dividir!
- Não acho que a Clara vá ter paciência para dobrar mais do que um deles. – respondi desanimado me lembrando que nem eu a tinha. Monique sorriu.
- Pois se ela não tiver, dobre você o restante! E depois eu te ajudo a fazer um móbile para ela. Se ela dobrar um, e você dobrar os outros e dar para ela... O pedido continuará sendo dela. E ela não vai esquecer!
- 999 tsurus, sozinho... – repeti fixando a idéia e Monique concordou com a cabeça sorrindo.
- 999 tsurus, sozinho, e sem magia. Encare isso como um desafio pessoal e tenha certeza de que, quando estiverem prontos, a Clara vai começar a te observar de outro jeito. Isso se ela não gostar de dobrá-los com você, e te ajudar.
- Duvido muito que aconteça. Mas... Tudo bem, aceito. Vou fazer o que você disse!
- É sucesso garantido. Tome, pode começar agora. Quanto mais rápido começar, mais rápido termina. – ela me ofereceu um quadradinho de papel intacto e eu peguei, virando os olhos.
Sabia que aquilo era uma loucura total, mas Monique tinha razão: eu tinha que começar de algum lugar. Resolvi começar por um tsuru (dos 998 que ainda viriam...).
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N.A.: Teoria do Karatê retirada deste site: http://www.meusite.pro.br/karate/golpes.htm