Sunday, January 03, 2010


As férias de fim de ano já haviam começado e como Gabriel casaria em Paris no dia 28 de Dezembro, papai foi me buscar na estação de King’s Cross e seguimos direto para a França, para encontrar com Gabriel, mamãe, tio Ben, tio Scott e Nick. Por sugestão do Gabriel e da cunhadinha, íamos passar o natal na casa dos pais dela, para as famílias já começarem a interagir, e claro que tio Scott, tio Ben e Nick estavam inclusos nessa definição de família.

A noite de natal foi muito agradável. Os pais dela, Alan e Christine, eram muito divertidos e fizeram com que nos sentíssemos em casa. A mãe era um pouco mais reservada, mas o pai era uma piada e quando se juntou com tio Scott, era difícil dizer quem falava mais bobagem. Mas o ponto alto mesmo foi na hora da troca de presentes. Depois de Evan abrir a montanha de presentes que ganhou de todos nós, Gabriel e Nick se deslocaram na minha direção com um sorriso cínico, carregando um embrulho cada. Mamãe quase morreu engasgada quando abri os pacotes e tirei de dentro deles uma coleira e uma vasilha pra comida pra cachorro. Ficou aquele clima de tensão por um segundo, mamãe talvez esperando que eu brigasse com eles, mas eu acabei dando risada e todo mundo relaxou. Claro que os presentes ficarão registrados e terão troco, tudo ao seu tempo.

Estávamos todos hospedados em La Force, a sede francesa do clã Chronos, desde que botamos os pés em Paris e quando a véspera do casamento chegou, mamãe estava uma pilha de nervos. Ela andava tendo pequenos ataques diários com os últimos preparativos do casamento e, só com a Arte de companhia, acabava sendo arrastada para aquele universo paralelo de buquês, arranjos, valsas e bem-casados. Foi um alívio quando a turma toda começou a chegar e fui liberada das tarefas, já que tia Alex, tia Yulli e tia Sam passaram a ajudar ela, tio Scott e tia Miriam.

Não queria irritar a mamãe mais ainda, então deixei que ela me produzisse do jeito que achasse melhor, sem reclamações. Fiquei parecendo uma boneca, mas confesso que gostei do visual. Se não desse tanto trabalho para ficar daquele jeito, talvez até valesse a pena se produzir um pouco mais de vez em quando. Em cima da hora Gabriel pediu que eu entrasse com Evan na igreja, com receio de que ele pudesse sair correndo com as alianças, e topei o desafio de encarar aquelas pessoas todas sem ter tido um aviso prévio de pelo menos uma semana. No fim acabou sendo bem simples, pois só tive que conduzi-lo até o altar e o caminho não era muito longo. E acabei podendo assistir a cerimônia toda do altar, ao lado dos meus pais. Nunca tinha visto meu irmão tão feliz e era impossível não se sentir do mesmo jeito. Sabia que a cunhadinha era a pessoa certa pra ele.

*****

Depois do casamento do meu irmão, voltamos ao Brasil para passar a virada do ano em casa. Já estava programado para Evan vir conosco e ficar direto até a volta deles da lua de mel, mas em cima da hora acabamos tendo mais um acompanhante. O pai da Mad, que depois da esposa avisar que passaria o réveillon em um SPA com uma amiga, fez as malas rápido como um foguete e conseguiu uma vaga no mesmo avião que o nosso. Foi ótimo ter a presença dele na festa. Ao mesmo tempo em que ele pra lá de animado, ajudou Evan a não estranhar muito a mudança repentina.

Gabriel e Mad voltaram da lua de mel uma semana depois. O pai dela ainda estava no Rio, não estava com pressa nenhuma de voltar para Paris e ia à praia todo dia com Nick e eu. No dia que eles voltaram pro Brasil, tio Scott preparou um almoço para eles em sua casa. Estávamos todos lá e o tio Alan não parava de contar sobre semana divertida que passou no Rio, fazendo todo mundo rir, mas ninguém sabia quem seria o primeiro a tocar no assunto. Logo depois que a festa de casamento terminou, as madrinhas começaram a espalhar que Mad estava grávida e a noticia já tinha corrido meio mundo, mas ninguém havia falado com nenhum dos dois ainda. Foi tio Scott quem se manifestou primeiro.

- Então, crianças... Será que não tem nada que vocês estejam esquecendo de contar?
- Bom, deveria ser novidade, mas já fomos informados que nossos padrinhos não conseguiram segurar as línguas enormes – Gabriel falou rindo – Enfim, sim, temos algo a contar – e colocou a mão sobre a barriga dela.
- Estou grávida de 7 semanas, já entrando na 8ª – Mad completou, sorrindo radiante.

O almoço virou festa. Todo mundo levantou para abraçar os dois e mamãe não cabia em si de tanta felicidade. Não parava de repetir que já havia passado a tia Yulli, pois seria seu 2º neto. Mad já havia conversado sozinha com Evan sobre isso e ele estava bastante animado com a idéia de ganhar um irmão ou irmã, perguntando a todo instante quando ele ia chegar.

- Vocês não imaginam como me sinto, ouvindo-os dizer que esse vai ser o 2º neto – Mad disse com um sorriso sincero, vendo Evan pendurado no pescoço de Nick, brincando.
- Vocês passaram a fazer parte dessa família há alguns meses, Evan é tanto nosso neto quando o bebê que ainda vai nascer – mamãe falou e papai e tio Scott concordaram na mesma hora.
- E ele já está se adaptando muito bem a nova casa, só sofreu um pouquinho com o calor – papai falou com uma cara de quem já tinha passado por isso e todo mundo riu – Europeus sofrem aqui no inicio, mas depois a gente acostuma.
- Nada que a praia não resolva – Nick completou, ainda com Evan pendurado em seu pescoço.
- Ah, a praia! – tio Alan deu um salto do sofá, empolgado – Olha, não sei quanto a sua mãe, mas eu vou vir visitar vocês sempre que puder!

Ele continuou a contar sobre todos os lugares malucos que Nick e eu havíamos o levado durante a semana, arrancando risadas de todo mundo. Ele falava tanto que mal dava brechas pra Gabriel e Mad contarem sobre as Ilhas Gregas, onde passaram a lua de mel, mas as histórias eram tão engraçadas que ninguém queria interromper. Com tantas histórias pra serem ouvidas, o almoço acabou virando um jantar e só saímos da casa do tio Scott tarde da noite. E eu ainda precisava começar a arrumar minha mochila para voltar a Hogwarts.

*****

- Por que eu não vou também? – Evan perguntou enquanto ia me passando as roupas em cima da cama.
- Porque você ainda é pequeno. Tem que esperar fazer 11 anos pra ir pra Hogwarts – respondi paciente, colocando o que ele me passava na mochila.
- Eu vou ficar sozinho? Na minha outra casa eu não ficava sozinho, só a Gabi ia pra escola.
- Você não vai ficar sozinho, vai fazer um monte de amigos aqui no prédio – baguncei seu cabelo e ele riu – E eu não vou demorar a voltar, vou estar aqui na páscoa.
- Clara, já terminou de arrumar as coisas? – papai apareceu na porta do meu quarto.
- Já sim – peguei a ultima peça de roupa com Evan e fechei a mochila.
- Então venha até a sala, sua mãe e eu queremos conversar com você um instante.

Evan fez uma careta como quem diz “você está encrencada” e fui pra sala com ele tentando resgatar na memória alguma arte que pudesse ter feito nas férias, mas nada me ocorria. Mamãe e papai já estavam sentados no sofá me esperando e aquela cena só me trazia dois tipos de recordação: a vez em que quebrei o vidro da escola francesa e fui expulsa e a vez em que fui mandada pra uma colônia de férias contra a minha vontade, então só tinha duas opções. Ou eu ia levar uma bronca histórica ou eles tinham algum plano para ocupar meu tempo que eu talvez não fosse gostar.

- Seja lá o que for, sou inocente! – já falei logo, sentando na poltrona vazia.
- Não vamos dar bronca, relaxe – mamãe falou abraçando Evan, que correu pro seu lado.
- Então já aviso que não quero ir.
- Também não vamos mandar você pro acampamento outra vez – papai falou dessa vez.
- Ah, ok. Então o que é? – perguntei intrigada.
- Queremos saber como você tem se sentido, depois de tudo que aconteceu – mamãe explicou – Você passou por muita coisa e sabemos que tem se esforçado para se manter controlada, queremos saber como está se saindo com a ajuda de seus amigos.
- Estão indo muito bem. Yoga e meditação são um pouco chatas no começo, mas já estou pegando o jeito e gostando. Os treinos de karatê com o Hiro também estão se mostrando muito eficientes, porque eu saio tão cansada que só quero dormir depois. Todos estão se esforçando pra me ajudar com alguma coisa, embora também façam muitas piadinhas.
- E você acha que o que já está fazendo basta? – papai perguntou em um tom que eu conhecia muito bem. Era o tom de que, não importava qual fosse minha resposta, ele ia apresentar uma solução inquestionável.
- Bom, por hora estão funcionando muito bem, tenho conseguido me manter focada. O que estão tramando?
- Quando você diz tramando, parece que estamos conspirando contra você – mamãe reclamou – Estamos apenas ajudando.
- Certo. Então qual é o plano? O que mais terei que fazer?
- O “plano”, como você diz, é que achamos que não adianta somente você aprender a controlar as transformações – papai começou a explicar – Você precisa aprender também a ter controle enquanto estiver em forma de lobo.
- Conversamos com o Seth e ele concordou em lhe ajudar nessa parte – mamãe emendou – Ele vai até Hogwarts duas vezes por semana para ensiná-la a conviver com sua nova forma. Ele vai ajudá-la a compreender tudo que pode fazer com esse dom e como mantê-lo sob o seu total controle.
- Legal, aulas com o tio Seth! – falei animada e eles riram – Ah, espere. Vão ser daquelas aulas que as gêmeas têm, não é? Ele vai me massacrar...
- Ele não irá forçá-la além do seu limite, mas sim, você vai suar um pouco – papai foi sincero.
- Tudo bem, eu encaro – topei o desafio – Ao menos vou começar a aprender mais sobre isso.

Meus pais se animaram por eu não ter enfrentado resistência à sugestão das aulas e eu também estava animada. Aulas com qualquer Chronos eram pesadas, todo mundo sabia disso, mas todo mundo também sabia que eram eficientes. Quando voltasse para casa na páscoa, já teria uma boa base sobre como comandar a situação sem precisar fazer “auuuum” sempre que me irritasse. O esforço valeria a pena.