Thursday, January 21, 2010


- Clara? Clara, acorde.

Remexi no colchão agarrada ao lençol resmungando e abri o olho devagar, me deparando com Penny parada ao lado da cabeceira da minha cama, já de uniforme. Olhei para o relógio na parede e dei um salto quando vi que já eram 9hs, mas me arrependi imediatamente. Cada parte do meu corpo doía e com o salto que dei da cama, a dor se intensificou. Fiz uma careta de dor e Penny me olhou curiosa.

- Você está bem? Não foi na aula de Astronomia ontem.
- Perdi a hora, mas estou bem. Onde estão todos? Porque ninguém me acordou mais cedo?
- As meninas falaram que era pra deixar você dormir, mas temos matéria nova em Transfiguração hoje e achei que era melhor você não perder. Fiz bem em te acordar?
- Sim, fez, não posso perder mais nenhuma aula.
- Vou esperar você. Já estou atrasada mesmo...

Vesti o uniforme de qualquer jeito, amarrei o cabelo e escovei os dentes, sem nem cogitar a idéia de tomar banho ou chegaria ainda mais atrasada na aula, podia fazer isso na hora do almoço. Tio Ben havia prometido que hoje começaríamos a praticar transfiguração em bichos maiores que besouros, então ninguém queria perder por nada. Quando chegamos à sala eu devia estar com uma aparência medonha, porque todo mundo olhou pra porta e fez cara de espanto. Penny sentou na cadeira vazia ao lado de Leslie e eu sentei com Hiro, logo atrás de Haley e Keiko.

- O que aconteceu com você? – Keiko perguntou virando para trás – Está com uma cara horrível!
- Isso se chama acordar atrasada. Por que ninguém me chamou hoje? – reclamei.
- Tio Yoshi disse que você chegou desmaiada ontem, então achamos melhor deixar você dormir – Hiro explicou.
- Estou tão horrível assim? – perguntei tentando ver meu reflexo no cálice em cima da mesa, que íamos usar pra transfigurar em um rato.
- Está parecendo a noiva cadáver – Haley sentenciou e Hiro engasgou tentando prender o riso.
- Muito bem, menos papo e mais trabalho! – a voz de tio Ben nos chamou a atenção e elas viraram pra frente – Antes de começarmos a transfigurar nossos cálices em ratos, quero que pratiquem a pronuncia do feitiço. Todos repitam comigo: Fera Verto.

A turma toda repetiu o encantamento várias vezes, até que todos estivessem pronunciando corretamente, então tio Ben nos autorizou a pegar as varinhas e começar a praticar com o cálice. O cálice de Hiro virou um rato parrudo em questão de minutos, mas o meu ainda apresentava resistência. Já havia adquirido bigodes, orelhas e um longo rabo, mas nada de pêlos e corpo de rato.

- Você não está pronunciando com muita firmeza – Hiro observou meu trabalho porto.
- Ai, não tenho forças nem pra pronunciar um encantamento idiota – resmunguei abaixando a varinha e deitando a cabeça na mesa.
- Está tão cansada assim? – ele riu.
- Até meu cabelo dói, Hiro! Eu não sei o que aconteceu porque não me lembro de muita coisa, mas pelo meu estado, acho que eles me espancaram – e ele riu mais ainda.
- Bom, acho que nossas aulas de Karatê foram pro espaço, não? Você mal se agüenta em pé.
- Não, vamos continuar! – levantei a cabeça da mesa na mesma hora – Gosto das aulas e quero continuar treinando, vou dar um jeito de arrumar energia pra tudo isso. Não desista de mim.
- Ótimo, porque tive uma idéia que acho que vai gostar, no nosso próximo treino eu explico.
- Como assim, só no próximo treino? Isso é só amanhã, não posso ficar curiosa esse tempo todo!
- Você está tão cansada que daqui a pouco esquece, não esquenta.
- É, verdade... – e deitei a cabeça na mesa outra vez, lutando para manter os olhos abertos.
- Ei, como está se sentindo? – tio Ben agachou ao meu lado na mesa para ficar na minha altura – Muito cansada?
- Sim, bastante. Tio Seth acabou comigo e não consigo me lembrar de nada.
- Seus pais não pediram a ajuda do Seth para ele dar moleza a você, mas todo o esforço vai valer à pena, você vai ver – ele piscou, sorrindo – E foi só o primeiro dia, daqui a pouco você acostuma e não vai mais sentir tanta dor.
- Espero mesmo, porque não posso aparecer em todas as aulas com essa cara de figurante de “A Volta dos Mortos Vivos” – falei apontando pro rosto e ele e Hiro riram.
- E o que houve aqui? – ele apontou pro meu cálice/rato – Pedi para transfigurar em rato, não em um objeto do castelo do Drácula.
- Diga o encantamento com firmeza dessa vez, sem hesitar – Hiro falou – E não pense em mais nada, só no objetivo do feitiço.
- Escute o que ele disse e tente outra vez – tio Ben desfez o que eu já tinha feito no cálice e me devolveu normal.
- Hem-hem – me concentrei no feitiço e apontei a varinha para o cálice – Fera Verto.
- Viu como você consegue? – tio Ben sorriu animado ao ver meu cálice virar um rato. Não tão saudável quanto o rato de Hiro, mas ainda assim um rato.
- Valeu pela dica – agradeci a Hiro e tio Ben parou na mesa da frente para socorrer Keiko – É bom fazer dupla com o amigo nerd.
- É sempre bom saber que sou útil.
- Ah, você não é útil só pra dar cola – brinquei – Também é ótimo para encostar e dormir.

Deixei a varinha sob a mesa junto com o rato, que agora rodeava o rato de Hiro, e deitei a cabeça em seu ombro, dormindo imediatamente. Quando acordei outra vez, Hiro segurava os ratos pelo rabo e os colocava em uma caixa que JJ segurava, para devolver ao tio Ben. Acordei um pouco mais disposta e acabei indo almoçar com meus amigos, ao invés de procurar um sofá para me encostar.

- E então, Clara? Como foi ontem? – Haley perguntou quando já estávamos todos sentados na mesa da Sonserina – Quando voltamos da aula de Astronomia você já estava jogada na cama.
- Não sei, não me lembro – e todos me olharam chocados, como se tivesse dito uma ofensa – Só me lembro de flashes confusos.
- Já serve, mas nos dê alguma coisa! – JJ falou quase se coçando e todos riram.
- Bom, lembro bem que ele me provocou até que ficasse bastante nervosa, ele fez eu me sentir acuada com aqueles dentes sinistros – todos me olhavam espantados e Keiko tremeu na cadeira – Até que eu consegui resistir bastante, mas uma hora não deu mais e acabei virando um lobo. E a partir daí não lembro mais nada, só me lembro de acordar muito cansada no dormitório.
- Você não deveria manter a consciência depois de transformada? – Jamal perguntou parecendo confuso.
- Acho que só consigo isso quando me acalmo e pelo estado em que estou hoje, ele não me deu brecha para relaxar.

Continuamos discutindo os efeitos ainda confusos das minhas transformações e repeti o pouco que lembrava para Arte, Julian, MJ e Rupert quando eles se juntaram ao nosso grupo na mesa da Sonserina, prolongando o assunto durante toda a hora de almoço.

Conversar com eles me impedia de sentir sono, mas não consegui me manter focada na aula de Adivinhação logo depois do almoço. Os pufes da torre nunca pareceram tão convidativos, e os incensos que enfumaçavam a sala me fizeram apagar em tempo recorde. Vez ou outra Keiko me cutucava com o livro e voltava ao exercício. Estávamos praticando Quiromancia, ou a leitura do futuro através das linhas da palma da mão.

- Está vendo alguma coisa? – perguntei espiando o caminho que ela traçava na minha mão com o dedo – O que diz?
- Diz que você precisa pegar um hidratante emprestado comigo – puxei a mão de volta fazendo careta e ela riu.
- Dê um desconto, acho que até quebrei coisas ontem com as mãos – e puxei a mão dela para olhar.
- Com as patas, você quis dizer – ela riu outra vez quando revirei os olhos – Então, o que minhas linhas dizem?
- Essas coisas sempre voltam pros mesmos resultados, mas a linha do coração é bem forte na sua mão, se estou entendendo direito o que todos esses riscos no livro significam – disse consultando o livro aberto no meu colo – Ela é bem longa, então significa que você age em função do sentimento. Se fosse curta, seria interesseira – e ri.
- Aposto que a da Brittany é um toquinho – e rimos alto, mas logo paramos quando a professora olhou atravessada – Deixe ver a sua outra vez – e puxou minha mão de volta.
- O que foi? Que cara esquisita é essa? – perguntei preocupada, vendo Keiko inclinar a cabeça pra olhar minha mão e consultar o livro várias vezes.
- É que tem uma linha diferente... Reta, que não tem na minha e na sua ela é até forte.
- E o que ela quer dizer? – já estava ficando com medo.
- Vou ler o que está aqui, pra não correr o risco de interpretar errado – ela me olhou com um sorriso meio debochado e olhou para o livro – “Linha da Paixão: Muito rara, quando aparece, corre paralela e à esquerda da linha da saúde. Sua presença revela personalidade vacilante e paixões desenfreadas”.
- Isso está dizendo que sou duas caras? – falei contrariada.
- Não duas caras, mas talvez instável, que você é. E também diz que você vai viver paixões desenfreadas – Keiko agora ria satisfeita.
- Não entendo onde está a graça.
- Não vejo você em uma paixão desenfreada, só isso – ela ainda ria.
- Bom, nem eu, essa coisa deve estar errada.
- Acertou na instabilidade...
- Além de achar graça na idéia de que possa me apaixonar, também está me chamando de maluca?
- Ei, olhem isso! – JJ interrompeu os risos de Keiko puxando a palma da mão de Haley com entusiasmo – Achei a linha da intuição, que é mediunidade! Isso é mais legal que borras de chá, é mais preciso.
- Funciona mesmo, ele também achou a linha da cabeça, que diz que eu sou geniosa – Haley completou e Keiko puxou minha mão de volta, olhando o livro.
- Clara também tem essa! – puxei minha mão de volta e peguei a dela depressa.
- Olhe só, você também. Geniosa de difícil relacionamento. Acho que Hiro vai concordar com isso – e todo mundo riu, menos Keiko.
- Haley leu na minha mão que eu sou racional e emotivo – JJ falou fingindo secar uma lágrima – Acho que é verdade, né? – e todas concordamos.
- E estou lendo mais uma coisa na mão dele – Haley pegou a palma da mão de JJ e mostrou pra Keiko e eu – Esta linha curva aqui diz que hoje é dia de reunião marota. Ou eu li errado?
- Leu certíssimo! – falamos os três ao mesmo tempo e começamos a rir.

Hoje, depois do jantar e antes que tio Seth chegasse para mais uma sessão de tortura, íamos nos reunir no banheiro da Murta para começarmos a finalização da nossa versão atualizada do Mapa do Maroto. Não havia mais nenhuma passagem secreta em Hogwarts que ainda não tínhamos descoberto. Passamos todo o nosso 2º ano reviramos o castelo de ponta a cabeça, anotando todos os corredores, salas e passagens recém-descobertas e antigas, não havia sobrado nenhum espaço não explorado. Agora ficava por conta de Rupert e JJ terminarem o desenho do mapa, para finalmente o enfeitiçarmos. Filch que se cuide, porque agora ninguém mais segura a nossa turma.