Tuesday, April 20, 2010


Dois meses atrás

Cheguei atrasada na sala que McGonagall nos emprestava para os treinos e Hiro já estava lá, entretido com alguns equipamentos feitos de borracha. Sorriu ao ver que havia finalmente chegado e deixou as coisas de lado, vindo ao meu encontro.

- Lembra que falei ter tido uma idéia melhor para nossos treinos? – fiz que sim com a cabeça. Ele havia mencionado há quase um mês – Vamos começar hoje.
- Uau, a idéia misteriosa finalmente será revelada! – brinquei e ele riu – O que é, afinal?
- Taekwondo – ele disse com um sorriso satisfeito no rosto – A partir de agora não vamos mais treinar Karatê.
- Qual é a diferença?
- Pra responder isso, vou precisar ser técnico outra vez – ele sacou a varinha e escreveu a palavra no ar, separando em três partes - "Tae" pode ser traduzido literalmente em saltar ou voar, para chutar ou quebrar com o pé. "Kwon" denota o punho – principalmente para perfurar, ou destruir com a mão ou o punho. "Do" significa uma arte ou o meio – um caminho correto construído e pavimentado pelos santos e sábios do passado. Sendo assim, "Taekwondo" indica o treinamento mental e as técnicas de combate desarmadas para a autodefesa, também para a saúde, envolvendo a aplicação hábil dos golpes, chutes, bloqueios e esquivas com as mãos e os pés livres para uma destruição rápida do movimento do oponente – ele apagou as palavras e me encarou – Seus princípios são: Cortesia, Integridade, Perseverança, Autocontrole e Espírito Indomável.
- Parece mais técnico que Karatê – comentei e ele assentiu, caminhando até o equipamento que mexia quando cheguei.
- A base do Taekwondo é a concentração. Você não imobiliza o oponente, você o derruba com golpes certeiros, exige muito mais concentração – ele atirou protetores de braço e perna e um colete e um capacete vermelho de espuma pra mim – Lutamos com proteção e o objetivo é marcar pontos acertando lugares específicos. Com um chute preciso, é possível encerrar uma luta em segundos.
- Assistimos algumas lutas nas Olimpíadas, acho que vou gostar – falei já animada, vestindo o equipamento vermelho. O dele era azul.

Hiro gastou mais alguns minutos explicando quais áreas eram permitidas para golpes e demonstrando alguns movimentos rápidos, e logo começamos a treinar um contra o outro. Diferente de Karatê, onde exigia imobilização em algum momento da luta, ele era realmente muito bom em Taekwondo e me deu trabalho até que conseguisse marcar alguns pontos a meu favor. Quase duas horas de treino depois, voltei para o salão comunal da Sonserina com a sensação de que, embora ainda tivesse um longo caminho a percorrer, tinha finalmente encontrado um esporte que não iria abandonar.


ºººººº

- Isso não vai dar certo.

Estávamos na sala de treino e Hiro me vendava com um pano preto. Depois de dois meses inteiro praticando Taekwondo com ele quase todos os dias, meu rendimento havia melhorado bastante. O que faltava, no entanto, era a habilidade de antecipar o movimento do adversário. Hiro dizia que eu era muito ansiosa e isso acabava atrapalhando no fim, então sugeriu que eu lutasse com os olhos vendados. Eu era desastrada, não conseguia ver onde a combinação de luta + falta de visão poderia terminar bem, mas ele estava certo de que funcionaria.

- Você precisa confiar mais em mim – Hiro comentou apertando o nó para que o pano não caísse.
- Eu confio em você, não confio é em mim – e ouvi-o rir – Você diz que sou ansiosa, o que acha que vou fazer tendo que derrubar alguém sem enxergar?
- O que vai acontecer é que, sem sua visão, terá que pensar antes de desferir os golpes. Vai ter que se concentrar ainda mais, para poder antecipar o que vou fazer e me derrubar.
- E se eu acertar um chute no seu rosto?
- Eu estou sem venda, isso não vai acontecer. Pronta?
- Sim... Que comece o desastre.

Hiro riu outra vez e pegou minha mão, me guiando até o centro do tatame. Podia ouvi-lo se mexendo ao meu redor e quando ele acertou um tapa no meu capacete, assumi a posição de luta e comecei a tentar encontrá-lo.

Não era fácil. Ouvia seus pés batendo no tatame por todos os lados, ele claramente estava me rodeando e vez ou outra sentia seus pés acertarem minhas pernas. Devia estar parecendo uma louca desferindo golpes a esmo, na esperança de que um deles o acertasse e valesse como desconto por estar me batendo.

- Qual é o problema, Daniel San? – ouvi Hiro me provocar – Já esqueceu como se luta?
- Se continuar me chamando assim vai ser difícil me concentrar – respondi acertando um chute forte, mas que atingiu o ar.
- Seu oponente sempre vai tentar tirar sua concentração – Hiro acertou outro chute na minha perna e o ouvi saltar para trás depressa – Seu trabalho é ignorar as provocações e manter o foco, Lassie.
- Ok, posso fazer isso, já ignoro vocês me perturbando todo dia mesmo.
- Pare de falar e me derrube! – Hiro acertou um chute certeiro no meu peito e quase cai pra trás – Escute meus movimentos, antecipe meus golpes.

Parei de me mexer um instante e fiz o que ele mandou. A sala de repente caiu em silencio. Sabia que ele ainda estava me provocando, mas já não ouvia mais sua voz. Tudo que podia ouvir era o som de seus passos indo de um lado para o outro no tatame. Percebi que a cada volta que ele dava, se aproximava de mim para me golpear. Continuei parada no mesmo lugar e quando ouvi seus passos completarem mais uma volta, chutei o ar com força. O som do meu pé atingindo o colete de espuma foi seguido pelo barulho do baque do corpo de Hiro contra o tatame e arranquei a venda dos olhos, eufórica. Hiro estava caído no chão, mas sorria satisfeito.

- Muito bom, Padawan! – estendi a mão a ele para ajudá-lo a levantar – Ouviu o que disse e conseguiu!
- Eu contei seus passos – ainda não tinha acreditado que tinha acertado seu peito em cheio sem enxergar – Sabia quantos passos gastava para me rodear e depois se aproximar. Sabia exatamente quando atacar.
- Essa é a beleza do Taekwondo. Concentração e precisão. Sei que só estamos treinando há 2 meses, mas arriscaria dizer que você se encaixaria muito bem em uma equipe olímpica. Você é ágil, vai se sair muito bem em uma competição. Para isso vai precisar de um treinador de verdade, é claro, mas tenho certeza que consegue uma vaga.
- Você já é um treinador de verdade, Hiro. Até 2 meses atrás eu não sabia nada, e olhe pra mim hoje! Sua empolgação em me ensinar o que sabe é tanta que me contagiou por completo, todo dia espero ansiosa pela hora dos treinos. É minha hora favorita do dia.
- Então quando você ganhar sua primeira medalha olímpica, não se esqueça de falar sobre mim na coletiva de imprensa.
- Pode deixar, vou falar muito bem de você.
- Agora chega de papo, Lassie. Coloque a venda outra vez – Hiro se afastou já em posição para uma nova luta – Vou fazer bem menos barulho agora, quero ver se é boa mesmo.
- Prepare-se para a surra, Mister Miyagi.

Amarrei o pano outra vez e recomeçamos a luta. Quando, na terceira tentativa, consegui derrubar Hiro com precisão, comecei a pensar que ele talvez tivesse razão. Desde que havia abandonado a Ginástica Artística, nunca mais participei de nenhuma competição e sentia falta daquela atmosfera toda, sempre fui extremamente competitiva. Talvez reviver toda aquela tensão e adrenalina de uma competição esportiva fosse fazer bem, afinal.