Sunday, October 03, 2010

Dragões

Lembranças de Artemis A. C. Chronos

O treino de hoje, e provavelmente de toda a próxima semana, não será em Avalon.

Desde que eu vi a Sala do Trono e vi aqueles dragões pintados junto aos símbolos da família e de Arturia eu adquiri uma certa obsessão por dragões.

Eu tinha certeza que Arturia era muito ligada a eles. Na verdade, eu podia ver isso em minhas visões do passado:

Desde criança, quando Arturia ainda morava na Grécia, ela tinha o dom de se comunicar com os animais, todos eles. Ela se comunicava com os cães do pai, com gatos, com pomorins, com pássaros, com corujas. Até mesmo com grifos e hipogrifos ela era capaz de se comunicar. Certa vez, quando ela e o irmão estavam em perigo ao andar por um bosque próximo da fazenda do pai, ela foi capaz de se comunicar com uma quimera e impedi-la de atacá-los. Em suas batalhas haviam sempre alguns exemplares de animais fantásticos, principalmente hipogrifos e é claro os dragões.

A primeira vez que ela viu um dragão foi quando tinha em torno dos 10 anos de idade. Era um filhote de um Chifres-Longos Romeno que seu pai havia apreendido de um mercador. O pai de Arturia pretendia devolve-lo para seu habitat natural, mas até lá, ele ficaria na casa dos Chronos. Arturia se apaixonou por ele e passou a tratar dele pessoalmente. De início o filhote teve medo e tentou atacar Arturia, mas ela não demonstrou medo e deixou-se machucar alguma vezes, até o dragão notar que ela nada faria contra ele e aproximou-se a ela. Então uma forte amizade surgiu entre eles. A jovem Arturia comunicava-se com ele com facilidade e logo o dragão cresceu e ela podia até mesmo montá-lo. A separação dos dois foi triste, mas Arturia em pessoa o levou até a Romênia, para que pudesse voltar aos seus semelhantes.

Desde então, Arturia sempre manteve uma forte relação de carinho e amor com os dragões. Ela conversou e domou todas as raças existentes, inclusive o temido Rabo-Córneo. Em algumas batalhas, ela montara um Negro das Hébridas ou um Sueco, seus dragões de “estimação”.

A ligação entre Arturia e dragões ia além do carinho e da amizade, era também uma questão de sobrevivência e confiança mútua. Arturia usava muito seus poderes mágicos, fosse para cura, para proteção ou para batalha. Suas reservas mágicas, como a de todos de minha família, eram enormes, mas esgotavam-se com facilidade, uma vez que as magias que ela realizava eram poderosíssimas. Então, ela necessitava muito de sangue de dragão, pois naquela época um dos poucos usos conhecido era o de equilíbrio mágico. Porém, Arturia recusava-se a machucar qualquer dragão e justamente por isso, o sangue de dragão que ela recebia era diferente. Ele era dado pelos dragões de bom grado. Espontaneamente, os dragões levantavam suas escamas e cortavam sua couraça para doar sangue a ela. O sangue doado por um dragão é ainda mais poderoso do que o sangue comum, uma vez que revelam a confiança e o amor do dragão. Ao ser diluído com a água sagrada do Poço, aquilo se tornava uma poderosa mistura para ajudar Arturia a manter seus níveis mágicos em equilíbrio.

Então, como daqui pra frente eu iria consumir muito minhas reservas mágicas, era a hora de eu me tornar amiga de um dragão.

O governo de Arturia foi o primeiro a unificar as ilhas da Grã-Bretanha, em um reinado de justiça e relativa paz, que durou quase 120 anos. Durante todo esse tempo, Arturia não mediu esforços para proteger a população de sua querida terra e enfrentou invasores e traidores para dar a seu povo a paz que mereciam. Os dragões eram vitais e importantes para Arturia, e eles também a seguiam em batalha, de modo que necessitavam de cuidados e tratamentos. Uma família em especial, os Mcfust, sempre tiveram um carinho especial pelos dragões. O primeiro Mcfust foi o tratador de dragões de Arturia, um de seus fiéis guerreiros e seguidores. Ao finalmente conseguir alcançar a paz que almejava, Arturia recompensou todos aqueles que lutaram ao seu lado. Pelos serviços e pela lealdade dos Mcfust, Arturia concedeu a eles as Ilhas Hébridas e deu a eles o importante cargo de tratar dos Dragões Negros, a principal raça usada por ela. Além deles, os Focinhos Curtos Suecos eram treinados e tratados pela própria família Chronos, mas esses em menor quantidade.

Eu não sei me comunicar com animais, mas tenho outro dom que percebi desde que comecei a treinar em Avalon: tenho a capacidade de sentir a energia do mundo. Eu sou capaz de perceber o fluxo de energia no ar, na terra, na água, no fogo, na luz, até mesmo nas sombras. Isso me permite compreender com facilidade animais e plantas, além de pessoas. Também me garante um domínio mágico elevado, além de me permitir moldar tais energias. Por isso sou boa em Transfiguração! Acredito que isso me permitirá entrar em contato com os dragões, pois eles são seres repletos de sabedoria e energia, em comunhão com a natureza.

Tia Morgan era descendente dos Mcfust, sendo herdeira das Ilhas e do tratamento dos dragões. Por séculos sua família tratou e cuidou dos dragões, desenvolvendo por eles um carinho cada vez maior. Os dragões também os respeitavam e amavam, convivendo pacificamente com eles. Papai sempre me disse que Morgan, Carlinhos, e seus filhos, sempre foram muito queridos pelos dragões. E se eu queria tanto conhecer os dragões, era a eles que eu deveria recorrer.

Então, para saciar minha curiosidade pelos dragões, Tia Morgan, mãe de Lizzie e John, permitiu que eu fosse visitar as Ilhas Hébridas, onde eu poderia conhecer os dragões. Ela, porém, falou que apenas eu poderia ir, para evitarmos de causar estresse nos dragões, isso deixou meus amigos indignados, mas ela disse que depois tentaria levar todos.

Assim, na manhã de um sábado bem cedo, meus pais foram me buscar em Hogwarts e aparataram comigo para as Ilhas Hébridas. As ilhas eram uma reserva dos dragões onde eram tratados e protegidos, inclusive de comércio ilegal de produtos obtidos através deles.

- Seja bem vindos! – Tio Carlinhos nos recebeu no porto da ilha principal. A única maneira de se chegar às ilhas é de barco, pois há uma poderosa barreira envolvendo-as que impede aparatação e também vôos, para impedir de intrusos entrarem e dragões saírem da ilha. Senti orgulho do trabalho realizado pelos Mcfust ao longo dos séculos.
- Muito obrigado novamente, Carlinhos. – Papai falou, abraçando-o com um sorriso.
- Imagina, é um prazer recebê-los. Então, curiosa pelos dragões? A primeira vez que Haley veio aqui, ela quase desmaiou.
- Ela já me contou! Estou muito entusiasmada! – Eu falei sorrindo também.

Tio Carlinhos nos acompanhou pela estrada de terra que ia do porto até a casa deles, que era também a sede da reserva. Tia Morgan já nos esperava na porta, sorrindo. Ela vestia uma roupa diferente, igual a que Tio Carlinhos usava, e imaginei que era uma roupa especial para tratar dos dragões. Além deles dois, haviam outros bruxos e tratadores nos arredores. Notei que um grupo de 10 pessoas, contando comigo e com meus pais, iria me acompanhar na visita. Isso era necessário, pois os Negros das Hébridas são mais agressivos que os Gauleses.

- Arte, sua mãe já me contou que você quer realmente se aproximar de um dragão. – Tia Morgan começou, enquanto caminhávamos por um das trilhas que saiam da sede.
- Sim, gostaria muito.
- Isso é muito perigoso, Arte, se eles a conhecessem eu poderia deixar, mas eles vão ficar receosos com a sua presença. Mesmo que estejamos com vocês, eles podem se tornar perigosos, por terem medo de vocês.
- Eu sei que posso acalmá-los.
– Falei segura.
- É arriscado. – Tia Morgan começou, mas Tio Carlinhos gargalhou.
- Querida, vamos deixá-la tentar. Vamos levá-la para alguns dos filhotes. Eles são ariscos, mas ao menos é mais fácil de lidar com eles.

Morgan concordou, principalmente depois de papai deixar claro que iria me proteger. Papai é um pouquinho mais rápido que um filhote de dragão... O grupo então, com Carlinhos na frente, seguiu na direção de umas montanhas da ilha. Ainda não tínhamos visto um único dragão, mamãe me explicou que pelo horário eles ainda estariam descansando, aquecendo-se sob o sol matinal. Mas eu podia sentir a vibração no ar e na própria terra devido a presença daqueles seres tão poderosos.

- Os dragões costumam deixar sua ninhada ali. Recentemente uma das ninhadas nasceu. A mãe anda muito arisca, mas ela também tem estado cansada e machucou-se ao lutar com um macho. Vamos aproveitar para tentar sedá-la e cuidar dela enquanto você se aproxima dos filhotes. – Morgan explicou.

Assim que chegamos perto da montanha, pude vê-la e eu senti a respiração ficar perdida em meu peito. Ela era linda.

A mãe dragão tinha pelo menos oito metros de comprimento e era de um negro profundo. Suas cristas eram brilhantes e afiadas, assim com os dentes que ainda apareciam para fora da boca. Ela estava enroscada em torno de algo, enquanto soltava fumaça pela narina, com as asas fechadas sobre si. Seus olhos púrpuras estavam fixos em nós e ela emitia uma espécie de rugido baixo como aviso. Apesar de eu sentir que ela amava seus tratadores, ela estava assustada e preocupada com seus filhotes. Então notei que ela tinha uma ferida feia na cauda, e uma de suas asas também tinha um rasgo, além de um enorme arranhão no pescoço. Eu senti compaixão e pena por ela, e minha vontade de chegar perto foi ficando cada vez maior.

Carlinhos, junto do restante dos tratadores, sacaram as varinhas e apontaram para ela, disparando feitiços sedativos na direção de seus olhos. Ela rugiu enfurecida e cuspiu uma labareda de fogo, sem sair do lugar para proteger a ninhada, enquanto eles protegeram-se com escudos mágicos. Eu estava paralisada observando aquilo. O modo como o fogo saia de sua boca era magnífico e eu podia sentir a energia que ela possuía.

Meus pais ajudaram e após alguns minutos de disparos de magia, a mãe finalmente caiu lentamente no chão, fechando os olhos totalmente sedada. Morgan e mamãe correram para o ferimento na cauda, enquanto o restante do grupo concentrava-se em preparar curativos e tratamentos para a asa e para o pescoço. Tio Carlinhos e papai me indicaram o caminho a frente e me aproximei devagar. E os vi.

Eram três filhotes, do tamanho de um labrador adulto, de uma cor meio acinzentada, com olhos de um azul profundo. As suas cristas não passavam de pequenos esporos e eles olhavam assustados para a mãe e para nós.

Nos aproximamos devagar e paramos do lado da barriga da mãe. Carlinhos ficou olhando de longe, e eu e papai avançamos devagar. Eu ia tentando me comunicar com eles, sentindo suas energias e a alma deles. De início eles rosnavam para mim, mostrando os dentes ameaçadores, mas depois eles me olharam confusos, não reconhecendo em mim uma ameaça e sem saber como eu podia entendê-los.

Não que eu escutasse seus pensamentos ou algo do tipo, era mais como uma sensação. Era como se eu conseguisse tocar e sentir a alma deles, sentir a energia que fluía por seus corpos. Um deles, mais curioso que os demais, veio em minha direção e achei lindo como ele dava pequenos saltos, ainda sem conseguir sustentar o peso completamente. Suas pequenas asas batiam lentamente, de curiosidade.

Eu prendi a respiração enquanto esticava a mão a frente. O filhote cheirou minha mão, com a mandíbula perigosamente perto de mim. Seus intensos olhos azuis fitavam dentro dos meus e por fim ele deu mais um pulinho a frente, esfregando a cabeça em minha mão, feliz com o carinho. Tio Carlinhos urrou de alegria, enquanto papai respirava aliviado. Os outros dois filhotes aproximaram-se mais confiantes e pediam minha atenção e meu carinho. Eu ria muito enquanto os acariciava, e quando vi estava sentada no chão, abraçando-os e acariciando-os.

Reparei quando os efeitos do sedativo da mãe diminuíram, na verdade, percebi antes dos demais. Fiquei alerta, mas a mãe me olhava curiosa, com os imensos olhos púrpuras fixos em mim. Ela já não parecia com raiva ou com medo, então me aproximei do seu rosto. Os tratadores ficaram meio tensos, mas eu os acalmei. A cabeça dela era enorme, maior do que eu, mas me aproximei sem demonstrar medo, apenas curiosidade e preocupação. Os filhotes me seguiam, com as pequenas asinhas batendo de excitação. Eu encostei as duas mãos entre as narinas dela e ela fechou os olhos como agradecida, enquanto eu deixava minhas energias fluírem para ela. Chronos estava as minhas costas, sorrindo, e o vi acariciando-a também. Depois, eu fui até o ferimento no pescoço, e me abaixei ao lado de Morgan. Estiquei as mãos para a ferida e deixei minhas energias fluírem para o ferimento, imitando os movimentos de mamãe e Morgan. As duas ficaram surpresas com a facilidade com que aprendi, pois partículas de luz dourada saiam das minhas palmas e fluíam para o dragão. Senti-a relaxando, agradecida pelo fim da dor. Os filhotes agora estavam acariciando a mãe, escondendo-se entre suas patas e debaixo das asas. A mãe fechou os olhos lentamente, descansando, mas não sem antes me lançar um longo e profundo olhar.

Todos me parabenizaram, admirados com minha coragem e com a facilidade com que lidei com eles. Enquanto íamos para o grande território dos dragões, contei como me comuniquei com eles e papai me mostrava as fotos que tirara orgulhoso, deixando-me vermelha enquanto via meu eu na foto brincando com os filhotes.

Finalmente, após dobrar uma curva na montanha em um vale, chegamos a grande planície dos dragões e eu fiquei sem fôlego. Por quilômetros a minha frente estendia-se uma planície cheia de vida. As árvores eram grossas e antigas, cheias de poder e energia. O sol brilhava com força e eu podia ouvir uma cachoeira ali perto, imaginando a beleza de sua queda. Mas a coisa mais bela era a quantidade de dragões. Eram muitos, talvez uns 30, o restante estaria nas ilhas menores que compõem o arquipélago. Alguns planavam pelo céu, outros estavam deitados preguiçosamente na grama. Alguns alimentavam-se de enormes porções de carne deixadas pelos tratadores. Outros mediam suas forças, a maioria deles jovens, e pareciam brincar.

Então ouvimos um rugido e um grande macho pouso do nosso lado. Todos nos assustamos e sacamos as varinhas apreensivos, mas ele nos olhos e simplesmente deitou, acostumado à presença dos tratadores. Morgan sorriu, e esticou a mão, acariciando-o entre as narinas, enquanto ele emitia um som de felicidade. Eu pude senti-lo e seus olhos fixaram-se em mim. Ele conseguiu ver minha alma e soube que eu era amiga.

- Tia Morgan, qual o dragão mais velho que vocês têm na reserva? – Perguntei de repente.
- Hum... Acho que o velho Fidelus, ele vive aqui desde antes dos meus bisavós. Fidelus é Fiel em latim e desde sempre ele foi chamado assim. – Ela respondeu após pensar um pouco.
- Posso visitá-lo? – Perguntei, uma curiosidade em minha mente.
- Tudo bem. Ele costuma ser bem calmo. – Carlinho falou nos guiando para uma montanha próxima ao mar.

Ele explicou que Fidelus era tão antigo que todos os dragões o respeitavam, apesar de já não ser tão poderoso como antigamente. Ele vivia em uma gruta própria perto do mar. Assim que chegamos perto, eu soube que era ele que eu procurava. Sua gruta ficava na direção em que Avalon se localizava.

Ele estava a nossa espera, deitado sobre as quatro patas com a cabeça virada em nossa direção. Seus olhos imediatamente fixaram-se em mim e vi que brilhavam de alegria. Ele também olhou às minhas costas, para Chronos, e seus olhos brilharam ainda mais. Ele soltou um rugido alegre e veio em nossa direção. Os tratadores se assustaram, sacando as varinhas, mas os parei. Eu vi que com aquele intenso olhar, o dragão era capaz de ver minha alma, me entendendo perfeitamente.
- Fiquem calmos. – Eu falei e fui na direção do dragão.

O imenso dragão parou perto de mim, os olhos ainda brilhando, e sua enorme cabeça chegou perto de mim e ele fez algo que eu jamais esperei. Ele me lambeu!

Sua língua, que não era das coisas mais cheirosas do mundo, roçou meu rosto, mas em vez de eu sentir nojo, eu achei divertido e gargalhei. Acariciei seu focinho com carinho, enquanto ele parecia à beira de explodir de felicidade.

Era ele um dos últimos dragões de Arturia e era extremamente antigo. Ele ainda era um filhote quando Arturia morreu, mas era da ninhada do dragão que Arturia montou em sua guerra contra Mordred, Percivilis. Mas ele ainda se lembrava do carinho e do amor que Arturia tinha por ele, de como ela o criara e tratara dele desde que saíra do ovo. E ele me reconhecera como sua herdeira e alegrava-se por eu ter voltado, por ter trazido de volta Avalon.

Só voltei para Hogwarts no final da tarde, meio a contra gosto. Ao longo de todo o dia, Fidelus me seguiu, carinhoso e prestativo. Eu estava admirada com ele. Ele era um animal cheio de força, de energia, de poder e de sabedoria, com o conhecimento de centenas de anos. Eu estava apaixonada por ele, e por todos os demais dragões. Os tratadores estavam admirados e logo me permitiram caminhar livre pelos campos, ainda mais com Fidelus ao meu lado. Quando me despedi, prometi a Fidelus que voltaria para vê-lo e pedi para que Morgan e Carlinhos me deixassem visitá-lo pelo menos uma vez por semana. Fidelus me deixou ir, mas senti em minha alma como se ele falasse “não demore, senti sua falta”. Meus olhos ficaram cheios de água ao perceber esse carinho.