Monday, October 25, 2010


- Ei, Justin, hoje você está com fome hein! – Keiko comentou, enquanto Justin devorava o terceiro prato. Ele deu de ombros meio sem jeito, enquanto todos ríamos e ele bebia mais um copo de suco de abóbora.
- Ei, devagar ai garotão, sei que quer ser preparar para as Olimpíadas, mas assim é demais! – Jamal comentou rindo.
- Justin, ta praticando esportes demais, tadinho não come desde quando? – Eu falei rindo. Justin sorriu e olhou rapidamente para mim. Nossos olhos se encontraram e foi então que aconteceu.
Não sei se foi pelo jeito que ele me olhou, pelos próprios olhos, ou por algo maior e mais profundo. Mas eu conheci aquele olhar. Nossos olhares ficaram fixos, paralisados, um olhando profundamente dentro do outro.
Eu o vi correndo pela floresta. Primeiro corria normalmente, mas então, em uma explosão rápida, ele corria em quatro patas. Em seguida o vi voando pelas montanhas, no corpo de uma águia. Depois ele estava no meio de uma manada de cervos, em outro momento ele cheirava o ar, ele tocava o solo com as mãos e sentia seu pulsar. Eu via suas memórias.
E eu sabia que ele via as minhas.
Ele podia ver Avalon, ver o primeiro momento em que abri a barreira, manipulando as brumas. Depois ele viu Camelot surgindo no ar, viu minhas espadas brancas se formando. Ele viu o Poço Sagrado, viu o Trono, viu os dragões da ilha.
Nós ficamos sem fôlego, como se tivéssemos saído de dentro d’água. Justin deixou o garfo cair no prato com um barulho forte, enquanto eu derrubei um copo ao tentar levantá-lo, quando a ligação mental se desfez.
Todos nos olhavam surpresos e curiosos, sem entender nossos olhares assustados e surpresos. Então o olhar dele tornou-se assustado e preocupado.
- Justin! – Eu comecei a falar, mas ele levantou-se com pressa e saiu correndo pelo salão.
Eu levantei da mesa e corri atrás dele, deixando todos para trás curiosos. Vi os olhares de muitos em nós, mas não parei de correr atrás dele. Pouco me importava com os ciúmes e fofocas de qualquer um deles.
Era ele. Ele era o lobo daquela noite.
Por isso eu o conhecia. Mas havia algo mais, algo mais profundo.
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- Ei, na Arte pode confiar. E essas brumas vão nos esconder de todos. – Julian falou, quando estávamos apenas eu, ele e Justin na beira do lago, apertando a mochila no ombro. Era noite, a noite em que tivemos aquele contato mental. Naquele dia eu alcancei-o na saída dos grandes portões e o segurei. Nossos olhares se cruzaram novamente e eu pude ver o medo em seus olhos, como o de um animal ferido ou amedrontado. Eu apertei sua mão com mais força e ele pareceu querer soltá-la, mas relaxou. Foi quando Tuor e Julian nos alcançaram. Justin olhou para Julian e algo nisso me fez perceber que Julian sabia. Despistei Tuor e o tirei dali, dizendo que Justin tinha se lembrado de algo importante. Ele não acreditou, é óbvio, mas resolveu engolir, pois sabia que na hora certa eu explicaria tudo.
- Tudo bem, eu sei disso. – Ele falou e em seguida olhou para mim novamente. Eu esperava com antecipação pulsante. Então, diante dos meus olhos, Justin transformou-se em um lobo marrom. O mesmo que correra ao meu lado naquela noite. Agora eu sabia: os olhos do lobo e de Justin eram iguais, com o mesmo brilho. Eu me ajoelhei, pois o lobo ainda parecia ter receio, e estiquei minha mão para ele, como eu faço com os dragões. Ele cheirou o ar e se deixou acariciar, enquanto eu transmitia a ele minhas energias. Então aconteceu novamente. Houve um fluxo poderoso de energias, tanto de mim para ele, quanto dele para mim. E nos afastamos curiosos.
- Querem parar de fazer isso, se eu soubesse o que é. – Julian falou, catando as roupas de Justin. Eu me virei enquanto ele voltava a forma humana e trocava de roupa.
- Também quero saber. – Ouvi a voz humana de Justin falar, mas ainda sentia em sua voz a energia do lobo.
- Aqui não é lugar. Já que confiou em mim, confiarei em você. – Eu falei e fechei os olhos. Abri minhas asas e fomos envoltos por uma nuvem de plumas e luz, enquanto eu nos teleportava para Avalon.

Surgimos ao lado do poço e eu cambaleei cansada. Usar os poderes de Chronos para teletransporte, que eu às vezes chamava de dobrar o espaço, para três pessoas consumia muita energia. Chronos surgiu ao meu lado, me ajudando a me manter em pé e sorri para ele. Depois, estiquei a mão para o cais e enviei a barca para pegar minha mãe, que já esperava na margem. Quando eu estava em Avalon, eu era capaz de perceber em torno de 1km ao meu redor.
Eu ainda estava muito fraca e sentei na grama, enquanto mamãe chegava. Justin olhava surpreso para Chronos e meio admirado para mim. Ele se sentou ao meu lado e fechou os olhos, tocando meu rosto com as mãos.
Foi um toque macio e diferente. Era quente. Imediatamente eu senti minhas forças aumentando lentamente, e percebi que ele me passava suas energias. Eu me afastei antes que sugasse demais e notei que o cansara.
- Impressionante. – Ouvi mamãe falar. Eu e Justin saltamos meio encabulados com a proximidade. – Você tem poderes interessantes, meu caro Justin.
- Boa noite, senhora Chronos. – Justin e Julian responderam.
- Vocês sabem que podem me chamar apenas de Mirian. Então é verdade, o Guardião vive em você novamente.
- Guardião? – Julian perguntou. Notei como para Justin não era uma palavra nova, pois ele parecia pensar em algo.
- Sim, seus poderes são os de um Guardião, ou Shaman, como às vezes são chamados. – Chronos explicou, fazendo todos olharem para ele. – Sua família é antiga e o poder é passado de geração em geração, mas há muitos anos o poder do Guardião não surgia.
- Eu queria aproveitar e perguntar: quem é você? – Justin perguntou. Pelo seu olhar ele conhecia Chronos. Tivemos mais um contato mental, quando o vi perdido em um estábulo e Chronos apareceu para ele. Eu olhei sem entender para Chronos e ele sorriu.
- Eu já o procurei antes. Quando ele começou a desenvolver esses poderes, eu o procurei e tentei guiá-lo. Ele estava perdido e confuso, sem saber o que fazer, achando que havia algo de errado com ele. Eu lhe disse que isso era um dom, que seria usado para o bem, pois haveriam pessoas que precisariam de seus poderes no futuro. Mas na época não me apresentei, eu sou Chronos, um espírito antigo e patriarca da família. Sou o Guardião de Artemis, minha rainha.
- E eu devo agradecê-lo. Aquela sua visita conseguiu me acalmar e pude enxergar aquilo como um dom e não como uma maldição. Eu fico realmente agradecido. – Justin falou e vi como se sumisse um peso de seus ombros.
- Foi daquela vez que me mandou uma carta não foi? Uau, Chronos foi te visitar em pessoa! – Julian falou admirado.
- Mas eu não entendi como você percebeu a presença dele, Chronos, na época ele estava do outro lado do oceano.
- Minha querida, um dia você será capaz disso também. – Ele sorriu. – E também, eu o percebi, pois seus poderes são semelhantes. Vocês já notaram isso. Vocês dois são semelhantes, são companheiros, e possuem o mesmo tipo de poder e de espírito. – Assim que ele falou, nos olhamos novamente. Sentimos o fluxo de energia entre nós e consegui controlar para que não houvesse o contato mental.
- E precisam aprender a usar isso também. – Mamãe falou rindo, agora abraçada a mim. – Deixe-me explicar um pouco mais. A sua famíla, os Silverhorn, são uma família, ou clã, antigo de sua região. Sempre foram líderes de seu povo por possuir o poder de entender a natureza e usar seus poderes. Sua família é capaz de curar, proteger, controlar os elementos, se transformar e muito mais. São o que os indígenas americanos chamavam de shamans.
- E dentro de você há um espírito antigo. Não tão antigo quanto eu ou Arturia, mas muito antigo. – Chronos explicou. Eu e Justin ouvíamos ávidos e quietos.
- Mas por que em mim? – Ele perguntou.
- Porque será necessário. O espírito do Guardião surge sempre que há uma grande necessidade. Muitas vezes não para seu portador mas para as pessoas ao redor.
- E no momento há muitas pessoas precisando desse poder... – Julian entendeu, falando admirado. – Quero dizer, você descobriu seus poderes na mesma época que a Clara! Ela poderia precisar de sua ajuda para entender melhor sua condição e assim como você a aceitou como dom, fazer o mesmo. E agora temos a Arte!
- Eu... Eu fico muito instável às vezes e sinto como se você fosse mais um a me manter em equilíbrio. – Eu falei admirada. E era verdade. Desde que ele começara a conviver conosco, eu me sentia mais em equilíbrio. Achei que era devido à presença dos dragões em minha vida, mas era também dele. – Venha, quero que conheça Avalon.
- Está é a Avalon?! Até para nós ela é conhecida. – Ele falou admirado e só então deu-se conta de onde estava.
Nós o levamos para andar por Avalon, pois ele ainda não conhecia. Julian trabalhara muito comigo nos preparativos para o livro, então o deixei contar um pouco de sua história. Ele explicou que Arturia criara Avalon e sua barreira, mas há dois anos eu me tornara a nova rainha e agora Avalon era minha. Justin parecia a beira de um colapso e eu entendia bem o porque.
Avalon mexia com qualquer um com o mínimo de percepção mágica, pois a Ilha inteira parecia feita de energia pura. Para mim e para ele que tínhamos uma forte comunhão com a natureza e suas energias, pisar em Avalon era como receber um choque de energia. Eu pude reparar que ele notava o quão antigas eram aquelas construções e florestas. Ele ficou impressionado com o Poço Sagrado e disse que poucas vezes vira algo com tanta energia.
Quando subimos a colina para Camelot, ele ficou um tempo paralisado diante do Templo de Seph, impressionado pela energia daquele lugar. Eu quero ver a reação dele diante do Templo de Chronos ou do Trono, pensei com um sorriso.
Realmente, assim que entramos em Camelot e ele se viu diante do Templo de Chronos ele ficou paralisado, enquanto seus olhos transmitiam um encantamento intenso. Ele via o mesmo que eu, como daquele Templo simples parecia brotar todas as energias da Ilha e de seus arredores. Eu vi então lágrimas em seus olhos e soube que ele vira alguma coisa. Ele teve a mesma sensação diante do Trono de Arturia, só que mais intenso, tanto que ele cambaleou um pouco e apoiou-se na parede.
- Posso ter um minuto a sós com a Arte? – Ele perguntou. Eu entendi o que ele vira. Engoli em seco, enquanto o pedia que não revelasse nada. Julian pareceu curioso, mas seguiu mamãe que o levou de volta para a praça. Justin porém pediu que Chronos ficasse.
- Antes de mais nada, quero que veja também. – Ele falou e fixou seu olhar em mim. Então eu vi o que ele vira no Templo de Chronos, e senti um aperto no coração.
- Não... Ela não. Ela não merece. – Eu falei com lágrimas nos olhos. – Não posso deixar.
- Não, Arte. Você nada poderá fazer, isso será meu. Eu também preciso ficar forte e lutar para proteger aqueles que eu amo.
- Eles são muito importantes para você não é? Principalmente ela. Você gosta da Haley.
- Sim, eu gosto. Assim como são importantes para você. Você acha realmente certo escondermos deles o que pode acontecer conosco?
- É o melhor a fazer. Justin, imagine se contássemos a eles. Eles ficariam desesperados, teriam medo e o medo é o pior companheiro possível. E quanto mais se tenta fugir de algo, mais próximo se torna disso.
- Justin. – Chronos falou pela primeira vez. Ele sabia o que tínhamos visto. – Quero lhe propor algo. Não há muito que eu possa ensinar a Artemis no momento. Ela precisa desenvolver sozinha as próprias habilidades, antes de estar preparada para o próximo nível de seu treinamento. – Eu concordei, pois ele tinha razão. – Então eu te proponho o seguinte: quero que ajude Artemis a aprender a equilibrar suas forças e treine-a também. Você, e Clara, são os únicos dos amigos capazes de fazer com que ela use todos os seus poderes. Em troca, eu o treinarei pessoalmente.
Justin ficou admirado e surpreso, olhando para ele e para mim de olhos arregalados. Eu sorri para ele, encorajando-o e ele sorriu de volta. Depois dessa conversa e do que tínhamos visto, tínhamos um sorriso cansado.
- Eu aceito. Farei de tudo para ajudá-la, minha rainha. – Ele falou sorrindo para mim e eu corei com a implicância. – Mas apenas por um ano. Precisarei voltar a minha tribo para estar preparado.
- Estou de acordo. A partir de agora, então, você é meu novo pupilo. E treinará Artemis também. Há coisas que apenas você sabe e coisas que apenas ela sabe. Vocês tem muito o que aprender um com o outro. Você, Justin, tem o que é necessário para se tornar realmente forte: o amor. Ninguém é poderoso sem ele. Artemis é um exemplo disso. – Ele falou, me deixando vermelha.
- Eu concordo. No pouco tempo que convivi com você, Arte, eu reparei o modo como você é capaz de fazer tudo por aqueles que se importa. Eu admiro isso em você.
Voltamos para a praça central, onde mamãe contava um pouco sobre o passado dos Silverhorn para Julian, que ouvia interessado. Notei que algo surgia em sua mente, uma idéia talvez e fiquei curiosa. Justin anunciou que seria treinado por Chronos e Julian ficou de queixo caído.
- Você vai treinar com a Arte e com o Chronos?! Esse mundo é muito injusto! – Ele falou indignado, mas abraçando o amigo e a mim.
- Então você vai achar ainda mais injusto. Justin, como eu falei antes, seu clã tem o poder da cura. Eu aprendi muito nos anos em que desenvolvi meus poderes e aprendi muito com o próprio Dumbledore. Eu vejo em seu caminho muitas provações e vitórias e gostaria de perguntar: aceitaria aprender sobre cura e proteção comigo?
- Sim! – Justin respondeu, depois de ficar mais alguns segundos chocado e surpreso. Eu sorri para mamãe e ela me dirigiu um olhar feliz. Em um dia Justin conseguira se tornar o pupilo das duas pessoas mais poderosas que eu conheço. Uau!

Ele a desejava.
Ele não desejava apenas seu poder, sua coroa e seu reino. Mas ele a desejava como mulher. Ele desejava tê-la apenas para ele e sob o domínio dele. Queria ter seu corpo, seu rosto e seus olhos apenas para ele.
E ele seria capaz de tudo para tê-la.
Movido pelo desejo, tanto carnal quanto de poder, ele foi capaz de trair sua pátria e cometeu os maiores sortilégios.
Usando os poderes e conhecimentos a ele confiados como sacerdote, ele invadiu Avalon e derramou sangue em seu solo sagrado.
Rechaçado por Arturia, ele fugiu para cometer um sacrilégio ainda maior.
Usando magias proibidas e com o auxílio de outros bruxos e necromancers invasores, ele rompeu os lacres desse mundo, abrindo suas portas para outras dimensões.
Ele permitiu que os demônios e monstros de outra dimensão entrassem no mundo que Arturia lutara para proteger e criar.
Ele permitiu a vinda dos Abissais.
Mordred, o "mau conselho", iniciou a maior batalha que a Bretanha já viu em toda a sua história.


Esse texto foi finalizado quando perdi uma das pessoas que me ensinou sobre amor e amizade. Por isso eu dedico ele a minha avó, Maria Odila, por todos os ensinamentos e amor que você me deu.