![]() Sunday, December 12, 2010 Deixei o ginásio com meus pais direto para a enfermaria. Tio Chris já estava me esperando e deitei em uma das macas para que ele examinasse meu pé machucado. Depois de apertar de leve e eu dizer exatamente onde doía mais, ele concluiu que meu tornozelo estava mesmo quebrado e que não sabia como eu ainda tinha conseguido andar depois de uma fratura daquele porte. Ele voltou do armário de poções com um frasco de aparência péssima e me fez beber. O gosto era o mais detestável possível, mas ele garantiu que em algumas horas os ossos partidos voltariam ao lugar e eu poderia andar outra vez, embora fosse precisar pegar leve nos primeiros dias e evitar apoiar o pé esquerdo no chão. Parecia simples demais, até que ele disse o que eu mais temia. A partir de agora, a fim de evitar uma cirurgia ao modo dos trouxas, teria que evitar grandes impactos e ter cuidado redobrado para não fraturar o osso outra vez. Era a segunda vez que eu quebrava aquele mesmo osso, e uma terceira vez me levaria a uma cirurgia de recuperação dolorosa. A euforia de ganhar o ouro ia aos poucos evaporando, à medida que ia compreendendo que aquela tinha sido minha última apresentação de ginástica. Se antes não tinha me passado pela cabeça competir outra vez, quando comecei a apresentação tinha esperanças de poder continuar. Agora tinha a certeza de que não poderia. - Está tudo bem? – mamãe notou que estava triste. - Não sabia que sentia tanta falta da ginástica, até começar a treinar outra vez – minha voz saiu chorosa sem intenção – E agora que estava animada em dar mais uma chance, acontece isso. Não é justo. - Sinto muito, querida – mamãe beijou minha testa e se sentou ao meu lado – Eu sempre soube o quanto isso foi importante na sua vida e é muito chato que termine dessa forma, mas isso não significa que não possa mais competir em nada. Você não disse essa semana que quer tentar uma vaga na equipe olímpica de Taekwondo? - Sim... – ela secou uma lágrima que caiu sem que eu conseguisse reprimir – Eu adoro Taekwondo, Hiro faz com que seja o melhor esporte do mundo, mas a ginástica era diferente. Eu era boa. - Você é boa, e aposto que se seu antigo treinador tivesse visto a apresentação de hoje, se arrependeria do que falou quando você saiu da equipe. - Você sabe disso? – me espantei e ela assentiu. Nunca havia contado a ninguém. - Sei que ele disse que você não era boa o bastante e que nunca chegaria a uma olimpíada, mas ele estava errado. Veja o que você fez hoje, e o que fez com toda a equipe de Hogwarts. - Passei cinco anos achando que no fundo ele tinha razão, mas hoje vi que não. Queria poder esfregar isso na cara dele. - Quando você entrar para a equipe brasileira de Taekwondo, já vai fazer isso. - Alguém falou em competir numa Olimpíada de verdade? – ouvi a voz de Keiko e meus amigos entraram para me visitar? - E ai, como você está? – Jamal perguntou – Brittany está cuspindo fogo pelas ventas. - Melhorando, mas depois dessa, acho que já estou curada. - Você vai mesmo competir em 2016? – Haley se animou. - Vou tentar, ainda não sei se vou entrar para a equipe. - É claro que vai! – Hiro me incentivou – Você é ótima, não tem motivo para pensar que não consegue. - Hiro tem razão, mas a partir de agora muito cuidado, ouviu? – mamãe me advertiu – Você não pode forçar esse pé mais do que já forçou, e conto com a sua ajuda para evitar que ela se machuque outra vez, Hiro. - Não se preocupe, tia – ele bateu continência sorrindo – Eu nunca deixaria que nada de ruim acontecesse a ela. Mamãe sorriu para ele e depois para mim de uma maneira que parecia que ela sabia que alguma coisa já havia acontecido entre Hiro e eu, mas talvez eu só estivesse pensando demais outra vez. Ou talvez mães vissem além do que demonstrávamos, mas estava cansada demais para tentar elaborar alguma teoria lógica. Tudo que eu queria naquele momento era descansar para a festa de encerramento e ir embora. ºººººº A festa de encerramento estava começando a entrar para a história das melhores festas de eventos escolares. Em um palco enorme montado bem no meio do gramado, Connor e Edward cantavam juntos e comandavam um dos melhores shows das duas bandas. Eles misturavam as melhores musicas deles e chamavam os alunos para subir ao palco e cantar também, o que resultava em uma cantoria fora de tom que estava divertindo todo mundo. Arte e Tuor, agora que voltaram a se falar, estavam mais grudados do que nunca. Os amigos dele da Noruega obrigaram Milena a se desculpar com Arte, que por sua vez foi obrigada por nós a se desculpar também por, nas palavras dela, “esfregar sua cara na grama”. Haley havia terminado com Graham e fugia dele. Agora ela e Justin não brigavam mais por qualquer besteira, mas também não eram grandes amigos, o que era ainda mais estranho do que vê-los tentando se matar. Eu ainda estava andando com o apoio das muletas, logo, não pude aproveitar o show no meio do pessoal. Passei a festa inteira sentada em um dos muitos bancos do jardim, apenas observando de longe. Meus amigos se revezavam para vir me fazer companhia e quando estava conversando com as meninas, Ozzy apareceu e ocupou o lugar vazio ao meu lado. - Estou intrigado. Como conseguiu quebrar o osso do tornozelo em dois lugares diferentes? – ele perguntou passando a mão em volta do meu ombro, descontraído. Arte abafou um riso. - As notícias correm depressa... - É difícil não comentarem sobre a ginasta que subiu no pódio de muletas pra receber uma medalha de ouro. - Acho que forcei um pouco a barra, mas estou pronta pra outra. - Parece que valeu a pena então. De repente ficou um silêncio na roda. Ozzy me olhava com um sorriso idiota no rosto e as meninas faziam um esforço enorme para não começarem a rir, enquanto eu me distraia decidindo se olhava a tala que imobilizava meu pé ou a muleta encostada no banco. - Merlin, quando é que vocês vão parar de enrolar e beijar logo? – Keiko não agüentou e achei que Haley fosse morrer sufocada quando prendeu aquela gargalhada. - É, quando você vai parar de enrolar e me beijar? – Ozzy me encarou. Eu ia responder, já sabia o que falar, mas cai na besteira de olhar para o lado ao invés de olhar para ele. Meu olhar foi direto para o meio da pista de dança, onde para o meu choque e total horror, Hiro estava beijando ninguém mais ninguém menos que Brittany. Não fazia a menor idéia do que estava acontecendo e em que mundo paralelo eu havia caído, mas olhei para Ozzy outra vez, agarrei seu rosto e o beijei. Ele correu as mãos pela minha cintura e não saiu mais do meu lado até a festa acabar. ºººººº - Eu vi – Jamal me alcançou quando voltava sozinha para o chalé de Hogwarts, depois de me despedir de Ozzy. - Viu o que? - Quando você beijou o garoto do moicano, vi o que a motivou. - Uau, você lê pensamentos agora? – falei sarcástica e ele parou de andar, me obrigando a parar também. - Qual é, Clara, pra cima de mim? Reparei que você viu Hiro com a Barbie morena. - Isso teve dedo seu? – perguntei e meu tom deve ter saído ameaçador, pois ele recuou um passo. - Juro que não sei o que aconteceu. - Tanta garota nessa festa e ele fica justo com ela? - É só isso mesmo que incomoda? – ele riu. - É. É só isso – respondi séria, tentando encerrar aquela conversa. - Ok, se você diz – ele me encarou com uma expressão indecifrável – Só me prometa que se um dia alguma outra coisa incomodar, vai me contar. - E você promete que se tiver algo a falar sobre a Penny vai me procurar? – devolvi a pergunta e vi que ele pensou antes de responder. - Prometo que se esse dia chegar, procuro você. - E eu prometo que se tiver alguma coisa pra contar, vou contar a você – sorri – Mas agora não tenho mesmo nada o que dizer. Eu não tinha mesmo nada para falar a ele, ao menos não naquele momento. Ele se deu por satisfeito e voltou a caminhar comigo de volta ao chalé. Ainda tínhamos muitas malas para arrumar e alguns amigos para se despedir, para na manhã seguinte voltar para Hogwarts. Aquelas Olimpíadas já tinham rendido tudo que podiam e estava começando a sentir saudades de casa. Era hora de voltar. |