Wednesday, December 22, 2010


Depois do ataque de pânico que tive no trem, minha mãe precisou ir até o vagão me tirar de lá. Só quando ouvi a voz dela comecei a acalmar e reagir novamente, e pude sair da posição que estava e caminhar para fora do trem. Foi um primeiro dia de férias muito ruim, trancada dentro de casa tentando recuperar o controle da situação. Mamãe foi muito paciente e ficou comigo o tempo inteiro, até que tivesse certeza de que eu já estava bem.

Quando consegui me acalmar e voltar ao normal, as coisas começaram a melhorar. Sempre passávamos o Natal em Londres na casa do tio George, mas dessa vez estávamos em St. James, na casa do tio Brendan, pai de Nigel e Otter. Mamãe sempre ficava mais sentimental quando estava em St. James. Ela havia crescido naquele bairro, naquela mesma rua onde meu tio morava, e ficava muito nostálgica.

Na véspera do Natal o resto da família chegou, e ninguém pretendia ir embora antes do Réveillon. Tio Scott, tio Ben e Nick, é claro, faziam parte dessa família. Nick agora estava ficando famoso por causa da banda, já que com os estudos da Academia de Aurores terminados eles tinham mais tempo para se dedicar à música. E Becky, que havia gravado algumas faixas com eles e cantava em alguns shows, estava embarcando naquela fama repentina. Era muito engraçado andar na rua com eles e a todo instante alguém nos parar para pedir autografo ou tirar uma foto.

Foi por causa de um desses cercos de fãs que ganhei o pior castigo que minha mãe poderia ter inventado. Estava uma noite com Rupert e o resto da banda na pizzaria dos meus tios, em Covent Garden, quando um grupo de meninas apareceu e ao reconhecer os meninos, começaram a berrar e avançaram em cima deles. Rupert logo correu da confusão e pulou pra trás do balcão, voltando a ajudar meus tios a servir, e alguém agarrou minha mão e me puxou para fora do aglomerado de garotas. Quando sai do meio delas vi que era James.

- Precisando de socorro? – ele continuou segurando minha mão e sorriu.
- Ninguém manda andar com gente famosa, acabo sendo esmagada por fãs histéricas.
- Acho que a noite com eles já era – ele apontou para um grupo de garotos e garotas na porta da pizzaria – Estamos indo para Hyde Park, se quiser pode vir também.

Olhei para meus primos soterrados no meio das meninas e depois para Rupert, já de avental e cheio de notinhas de pedido nas mãos. Aquela noite não ia evoluir de forma alguma, então fui até o balcão e avisei minha tia que estava saindo, me juntando a James e seus amigos. Pelo celular avisei minha mãe que estava saindo da pizzaria com meus amigos, mas não especifiquei qual deles. Com sorte, ela deduziria que eram Jamal e JJ, que eram os únicos que moravam em Londres, e não pegaria no meu pé.

Já passava das 21h quando chegamos ao Hyde Park e eram poucas as pessoas que se aventuravam a caminhar por lá com toda aquela neve. Não demorou muito alguns dos amigos dele puxaram garrafas de cerveja das mochilas e começaram a beber, mas ele e outros quatro não se juntaram a eles, e optei por ficar com esse segundo grupo. Podia apostar minha vida que minha mãe sentiria o cheiro da cerveja há quilômetros se eu ao menos segurasse uma garrafa. Não sei dizer quanto tempo ficamos batendo papo no parque. Estava achando ótimo sair um pouco do mesmo circulo de amigos, conversar bobagens com pessoas novas e dar risada a toa. Sabia apenas que era tarde, pois o movimento de pessoas na rua diminua cada vez mais.

- Onde você estava quando o vampiro invadiu o trem? – James perguntou e me assustei.
- Vampiro? Como assim?
- Quando o trem parou, foi um vampiro. Também não vi, mas é o boato que correu o trem depois que voltamos a nos mover.
- Não sabia disso.
- Onde você estava? Vi que voltou pra cabine dos monitores com o Menken, mas depois não a vi mais.
- Eu fiquei por lá mesmo – tentei desconversar, não queria entrar naquele assunto.
- Está tudo bem?

Fiz que sim com a cabeça e não soou muito convincente, mas ele não insistiu. Ao invés disso, ele se aproximou mais um pouco e ficamos a centímetros um do outro. Sabia exatamente o que ele pretendia, mas não me movi e deixei que ele fosse adiante. A mão direita dele escorregou para a minha cintura e a esquerda foi direto para a minha nuca, me puxando pra cima dele. Quando ele me beijou, esqueci tudo de estressante que aconteceu nos últimos dias, incluindo o pânico no trem e o surto do Zach em Hogsmeade. De repente não tinha mais vontade de sair dali, poderia ficar naquele parque frio pra sempre.

Infelizmente, o “para sempre” foi interrompido pela sirene de um carro de polícia. Nos afastamos assustados e quando olhei para o lado, a turma que estava bebendo estava pulando o cercado do parque e correndo para o meio da rua, mas a maioria foi pega pelos policiais. James, eu e os outros quatro que não estavam bebendo continuamos no mesmo lugar, e um dos policias parou na nossa frente. Ele perguntou se também estávamos ingerindo bebida alcoólica e lembrou que era crime por sermos menores de idade, mas negamos. Mesmo assim ele obrigou a todos nós a entrar na viatura, alegando que já passava da meia noite e não era permitido circular naquela área àquela hora sem um responsável. Meu sangue gelou quando ele disse a hora. Minha mãe ia me matar.

Os amigos de James foram deixados em casa primeiro e James seria o último, o que me levou a ser despejada na penúltima parada. O policial já havia telefonado para minha casa e meus pais já estavam esperando na porta quando desci da viatura acompanhada dele. Ambos pareciam muito brabos, mas minha mãe estava quase espumando. Eles agradeceram ao policial e mamãe apertou meu ombro com tanta força quando me puxou para dentro de casa que achei que meu osso poderia esfarelar.

- VOCÊ PERDEU O JUIZO? – ela berrou assim que papai fechou a porta. Sem duvida James conseguiu ouvir do carro.
- Clara, você tem idéia do quanto estávamos preocupados? – papai não berrava, mas também estava possesso – Ligamos para todos os seus amigos e ninguém sabia onde você estava!
- COM QUEM VOCÊ ESTAVA? – mamãe ainda berrava e dessa vez papai não tentou acalmá-la.
- Desculpa! Não sabia que ia voltar tão tarde, só sai pra dar uma volta! – tentei me justificar, mas já sabia que era uma causa perdida – Estava com o James e alguns amigos dele no Hyde Park, nada demais!
- Quando você não diz onde está, com quem está e que horas vai voltar, é alguma coisa sim senhora! – papai disse nervoso.
- Até que volte para a escola, está de castigo! – agora mamãe não berrava mais, mas seu tom era ameaçador, o que era pior que gritar – Está PROIBIDA de se afastar de seu pai e eu por mais que um metro e meio.
- Como assim?
- Isso mesmo que ouviu. Vai estar sempre ao lado de um de nós dois, e se você de afastar mais que um metro e meio, garanto que vai se arrepender pelo resto da sua vida!
- E como eu vou dormir se não posso me afastar?
- Seu colchão cabe no chão do nosso quarto – papai respondeu apoiando aquela loucura e desisti de lutar. Se ele estava do lado dela, eu não tinha a menor chance.
- O castigo começa agora – mamãe apontou para a escada – Vá buscar suas coisas e coloque no chão do nosso quarto.

Abaixei a cabeça derrotada e quando subi as escadas, vi papai me seguir como uma sombra. Mamãe havia se superado daquela vez, e eu teria o pior recesso de Natal que se pode imaginar. Seriam três longas semanas.