Tuesday, December 07, 2010 Hogwarts, um mês antes Era a primeira vez que chegava atrasada para a aula de Taekwondo com Hiro. Ele já estava na sala quando abri a porta, mas não me viu entrar, estava entretido demais pendurando um boneco de pano no teto. Era uma espécie de espantalho um pouco menos feio, com duas sirenes no lugar dos olhos. Dei um soco nele quando cheguei perto e percebi que era recheado de areia. - Ah, finalmente. Pronta? - Sim, mas o que é isso? – apontei para o boneco. - Vamos tentar algo diferente hoje – Hiro parou ao lado do boneco – Já comentei com você que existem certos pontos do corpo onde um golpe pode derrubar a pessoa, hoje vou ensinar quais são esses pontos. - Opa, isso é bom! - Dê um chute aqui – e apontou para uma área no peito do boneco. Chutei e nada aconteceu – Agora chute aqui. – e levantou o dedo menos que dois centímetros. - É o mesmo lugar. - Não é. Chute exatamente aqui – chutei onde ele mandou e os olhos do boneco acenderam – Viu? É uma questão de precisão. Ao todo eram seis pontos como aquele, onde dois centímetros fariam toda a diferença, e depois de uma hora podia dizer que aquele tinha sido o melhor treino de todos. Aquilo podia fazer a diferença entra perder e ganhar uma luta. ---------- Austrália, Final Feminina do Taekwondo Havia passado sem muita dificuldade por todas as minhas oponentes durante as eliminatórias, quartas-de-final e semifinal, mas estava apanhando naquela final. Também estava batendo, mas apanhava na mesma proporção. Minha adversária era uma garota da escola do Japão e ela era duas vezes maior do que eu e batia duas vezes mais do que eu. Hiro havia me advertido sobre a habilidade dos japoneses com todos os tipos de artes marciais, mas sinceramente, não achei que seria tão difícil assim. A luta terminaria quando uma de nós duas marcasse cinco pontos e naquele momento estava 3 x 3. Nós duas já éramos faixa preta, o que significava que valia qualquer coisa na luta, até chutem na cara. Não que eu já tivesse me arriscado a tanto, e ela também era bem cautelosa para arriscar perder um ponto por errar um chute desse porte. Tentava pressionar ela ao máximo, e quando fui tentar um chute certeiro no peito ela fechou a mão e acertou um golpe bruto no meu pé direito. Cai na mesma hora com uma dor horrível e ouvi Hiro gritar alguma coisa em japonês da lateral, que foi respondido por ela no mesmo tom raivoso. Não sabia o que haviam dito, mas sem duvida era algum xingamento. O placar agora marcava 4 x 3 para a japonesa. - Você está bem? – ele me ajudou a chegar até o banco e começou a enfaixar meu pé com uma atadura. Tinha alguma coisa pastosa nela. - Sim, mas não consigo pisar firme. O que é isso? - Uma coisa que aprendi a fazer com tio Yoshi, vai amenizar a dor e desinchar seu pé por tempo suficiente para você terminar a luta. - Ou ela terminar comigo – disse não muito animada, olhando para a japonesa com cara de poucos amigos do outro lado. - Ela é muito boa, mas não é imbatível – Hiro apoiou as mãos nos meus joelhos e me encarou – Lembra do treino com o boneco? Dos pontos precisos para se derrubar o oponente? – fiz que sim com a cabeça e ele sorriu – Está na hora de acender ela. - Minha melhor chance é um chute no peito, mas ela bloqueia todos. - Não vá atrás do ponto de imediato, enfraqueça ela antes. Dê um chute no braço primeiro, ela vai sentir dor, mas você não vai pontuar. Depois parta pra cima e consiga um chute na coxa. Ela vai sentir mais dor ainda, e você vai pontuar. - Se eu conseguir empatar, ela vai vir com tudo pra cima de mim. Devo tentar um golpe na cabeça? - Se sentir que consegue marcar, vai com tudo. Ele me ajudou a levantar e voltei caminhando para o tatame. A pasta na atadura era mesmo boa, já havia aliviado bastante a dor e não estava mais inchado, mas ainda incomodava. Quando saísse dali teria que ir direto para a enfermaria. O juiz mandou que nos cumprimentássemos outra vez e recomeçamos a luta. Ficamos nos rodeando cautelosas por alguns segundos, vendo quem atacaria primeiro, e quando vi uma abertura acertei um chute em seu antebraço esquerdo. A mão dela foi automaticamente para cima do ponto onde havia acertado, o golpe tinha machucado. Ela veio pra cima de mim ainda com a mão no braço e corri pra cima dela, saltando e acertando o pé com força na sua coxa. Ela foi ao chão com as duas mãos pressionando o ponto onde havia acertado o pé e o juiz marcou um ponto pra mim. Agora foi o treinador do Japão que estava enfaixando a perna da garota e fazendo uma massagem rápida. Ela voltou ao centro do tatame e também mancava, tinha conseguido meu objetivo. Mas como previsto, agora que estávamos empatadas ela viria pra cima sem medo de arriscar nenhum golpe. Quando o juiz autorizou, ela correu na minha direção com o pé esticado e se não fosse por meus ótimos reflexos tinha ficado sem um pedaço da canela. Consegui bloquear o golpe com as mãos e empurrá-la pra trás, e demos inicio a uma sucessão de chutes contra o colete uma da outra. Quem caísse primeira perdia, mas ninguém caia. Eu conseguia fazê-la recuar até quase sair da linha, mas ela sempre se recuperava e me encurralava, mas ai era minha vez de recuperar terreno. Minhas pernas já doíam e sabia que estavam cheias de hematomas, não ia agüentar muito mais tempo, então era hora de arriscar alto e partir pro tudo ou nada. Estava quase com o pé em cima da linha quando comecei a chutar ela sem parar, forçando-a a se defender com as mãos e recuar para tentar ganhar espaço. Quando ela já estava se preparando para contra-atacar, dei um salto pra cima dela, girei o corpo no ar e meu pé enfaixado acertou em cheio a cara dela. A japonesa caiu feito uma jaca no tatame e o juiz ergueu o braço na minha direção, me dando o ponto final. Toda a equipe de Taekwondo de Hogwarts que estava na base do tatame começou a pular enlouquecida e corri pra eles, mas a primeira pessoa que vi e em quem me atirei foi Hiro. Se não fosse por ele, nem lutar Taekwondo eu saberia, muito menos teria aprendido pontos vulneráveis de lutadores e acertado aquele chute no rosto de uma garota duas vezes maior do que eu. Vi quando ela levantou do tatame e seu rosto estava todo sujo de sangue, mas o ponto tinha sido válido. Ela não ousou vir me cumprimentar, saiu pisando duro e sentou junto com o resto de sua equipe, todos parecendo muito desapontados. Não tenho duvida de que aquela era uma medalha que eles consideravam garantida. - Não sei o que seria de mim sem você! – falei abraçando ele forte. - Você provavelmente seria um lobo sem controle nenhum, mas não precisa agradecer – ele respondeu em tom de brincadeira, sem me soltar do abraço. Ele não poderia estar mais errado. Ele era a única pessoa a quem eu tinha que agradecer naquele momento. Aquele definitivamente era o meu esporte e agora eu tinha confiança de que poderia tentar ganhar uma medalha olimpíada de verdade. ---------- Depois de um dia inteiro de Taekwondo, agora era a vez das equipes de Karatê ocuparem o ginásio. Eu não estava inscrita em nenhuma chave, mas isso não me impediu de passar o dia inteiro junto à equipe de Hogwarts, ajudando no que fosse preciso. Do lateral do tatame vi Bela e Luky dominarem a chave deles, derrubando os adversários um por um, e no fim ambos conquistarem a medalha de ouro, somando mais duas na conta de Hogwarts. Daquele mesmo lugar também vi Penny perder para Gabriela na semifinal e disputar o bronze contra uma chinesinha nervosa, mas ela venceu a luta com um golpe que faz a garota dar uma cambalhota no ar. A final feminina foi entre Gabriela e Kaley, e embora Kaley seja da nossa escola, me vi torcendo pela Gabi. Ambas eram faixa preta, mas Gabriela parecia muito mais habilidosa e ditou o tom da luta. O golpe final dela foi o que chamam de Nukite Zuki, que são os golpes aplicados usando as técnicas de dedo em forma de faca. Gabi acertou a mão na cara dela com tanta força que deixou seu olho roxo, e aquela marca não ia sair tão cedo. Foi engraçado demais ver o tio Ian pulando como um maluco na torcida, orgulhoso que sua filha pudesse bater daquela forma em alguém. Na parte da tarde foi à vez dos garotos lutarem, e eu vibrava a cada luta do Hiro. Como esperado, ele passou por todos os adversários sem perder nenhuma luta e também sem grandes dificuldades. A cada vitória ele vinha me abraçar eufórico, e pouco antes da final me peguei pensando no que aconteceu entre a gente. Nunca havia me ocorrido que um dia eu iria beijá-lo, e muito menos que não conseguiria tirar isso da cabeça por um tempo. Involuntariamente comecei a perceber que ele era sempre a pessoa a quem eu queria ver primeiro quando alguma coisa boa acontecia ou que quando estava desanimada e não queria ninguém por perto, a companhia dele nunca incomodava, era sempre bem vinda. O pensamento confuso foi interrompido quando a final começou. Era Hogwarts x Beauxbatons, que estava representada por um garoto chamado Philip. Ele tinha uma torcida animada, mas foi-se o tempo em que Beauxbatons comandava as arquibancadas das Olimpíadas Bruxas. A torcida de Hogwarts foi regida por mim, da base do tatame, e ela deu show. A cada golpe do Hiro no garoto a arquibancada imitava o grito dos karatecas. O tal de Philip era bom, afinal, tinha chegado até ali, mas Hiro era melhor. Foi uma luta boa, mas os segundos finais foram os melhores. O garoto tentou acertar o rosto de Hiro com um chute, mas ele agarrou sua perna e o derrubou no chão, caindo por cima dele com o cotovelo em seu estomago. Ele levantou depressa e partiu pra cima outra vez, mas Hiro correu pra cima dele também e com um giro no ar, acertou o pé em cheio em seu peito. O garoto voou para fora da linha e o juiz encerrou a luta, dando a vitória para ele. A equipe começou a pular como se fosse uma final de campeonato de Quadribol e Hiro correu pra junto da gente, me abraçando da mesma força que fiz quando ganhei o ouro no Taekwondo. - É oficial, somos os maiores medalhistas nas artes marciais! – ele falou eufórico – Ganhamos mais medalhas que as equipes asiáticas! - É porque um professor e tanto, que ainda por cima é japonês, não tinha como errar – respondi tão eufórica quanto ele. Aquilo nos colocava com uma boa distancia de Beauxbatons no placar geral. Ele agarrou meu rosto e beijou minha bochecha e depois pulou em cima do resto da equipe. Naquele momento decidi parar de pensar demais. Éramos amigos, só isso. Hiro e eu éramos melhores amigos e concordamos que era assim que deveríamos continuar sendo. E era assim que seria. Eu acho. |