Saturday, January 08, 2011


- Clara.

Papai levantou do sofá e apontou para a cozinha, e levantei também o acompanhando. Desde que mamãe havia aplicado esse castigo ridículo, os dois passaram a fazer coisas que há muito tempo haviam abolido, como mudar o canal direto na TV para não usar o controle, pegar coisas na geladeira sem usar magia ou de repente pararem na janela para observar a rua. Tudo para me obrigarem a segui-los como uma sombra.

Isso já durava duas semanas e eu estava querendo morrer, pra acabar aquele tormento. Foi torturante ver meus primos aproveitando a festa de Reveillon na casa dos meus tios e não poder me juntar a eles, porque meus pais fizeram questão de passar 80% da festa batendo papo com os parentes ao invés de dançar. Becky era a mais solidaria e passou a maior parte do tempo me seguindo para todo lado, mas nem ela agüentou a noite inteira. Foi ainda mais torturante encontrar meus amigos no memorial do fantasma da Haley e não poder ficar sozinha com eles. Tinham 2 príncipes lá, e tive que ficar colada com papai. Jamal e Julian conseguiram o telefone das duas irmãs deles e depois ficaram contando vantagem que iam sair com princesas de verdade.

Ainda restava pouco menos de uma semana para o retorno a Hogwarts, portanto, mais dias de humilhação. Mamãe havia saído com a tia Sam e eu estava sozinha com papai na casa da minha tia. Depois de demorar quase cinco minutos para escolher uma cerveja que ele já sabia que ia pegar, voltamos para o sofá para continuar assistindo a um jogo de futebol. O time dele, Chelsea, estava perdendo, então estava calada ao lado dele no sofá acompanhando a partida e ouvindo os xingamentos.

- Devia me importar só com o quadribol, não sei por que ainda insisto com esportes trouxas – ouvi-o resmungar.
- Porque o Chudley Cannons é tão ruim quanto essa porcaria de time da Premier League pra quem você torce – pensei comigo, quieta no meu canto.

Papai me olhou imediatamente, com uma cara estranha. Não estava zangado, tampouco surpreso. Era como se tivesse acontecido alguma coisa pela qual ele já esperava. Eu só não sabia o que.

- Por que está me olhando assim? Estou dentro do limite! – já me defendi logo, apontando a distancia que estava dele no sofá.
- Você me ouviu dizer alguma coisa?
- Sim, você reclamou por se importar com futebol, mas eu não disse nada! – respondi sem entender nada.
- Eu não disse isso – ele sacudiu a cabeça e achei que ele estava louco – Eu pensei isso. E você respondeu sim, mas em pensamento.
- Do que está falando? – agora sim eu não estava entendendo nada – Está dizendo que eu li seu pensamento? Mas eu nem sei legilimência!
- Você não precisa disso para ler a mente de outro lobisomem. Estava me perguntando quanto tempo demoraria até que você pudesse ler minha mente da mesma forma que posso ler a sua.
- Espera, você pode ler minha mente? – recuei no sofá sem perceber – Desde quando? Isso é invasão de privacidade!
- Há dois anos, desde que você se transformou – ele riu, mas eu não estava achando a menor graça – Não se preocupe, não escuto o que você está pensando quando troca aqueles olhares esquisitos com sua mãe, sei que não vou gostar do que vou ouvir.
- Então isso é uma coisa entre lobisomens? – estava um pouco mais calma, mas só um pouco – Posso me comunicar com todos eles por telepatia?
- Não só lobisomens, mas lobos comuns, raposas, coiotes e até cachorros.
- Que demais! – agora já estava empolgada com a novidade – Sempre quis saber o que se passa na cabeça do cachorro do tio Hagrid.
- Clara, por favor, um pouco mais de seriedade, isso não é tão divertido assim – papai assumiu um tom sério – Agora que você já consegue usar esse dom, vai precisar aprender a administrá-lo.
- Ih, começou de novo o papo de treinamento? – resmunguei – Passei dois anos sofrendo nas mãos do tio Seth, já não basta?
- Embora tudo seja uma grande piada pra você, ainda existem muitos lobisomens que lutaram ao lado de Voldemort espalhados pelo mundo e em dois anos de treinamento com o Seth você já deveria saber que cautela nunca é demais.
- Ok, e o que você sugere?
- Peça ao Ben que lhe ensine legilimência e oclumência. Você precisa aprender a controlar a telepatia, e principalmente, manter sua mente protegida contra invasões.

Concordei com a idéia e ele pareceu mais aliviado, e começamos a conversar sobre essa coisa de ler mentes. Aulas com o tio Ben não iam nem chegar perto do nível de exaustão que era as aulas do tio Seth, então estava tudo bem. Se eu podia me comunicar com papai na forma humana sem dúvida podia fazer o mesmo com Devon, mas será que também podia fazer isso com Justin? Eu definitivamente precisava aprender oclumência.

ºººººº

- Clara, Rupert, vamos logo! – mamãe berrou do 1º andar da casa – Se não sairmos agora vocês vão perder o trem!

Rupert fechou o zíper da mochila apressado e prendeu o distintivo de monitor na roupa, me seguindo escada abaixo. As férias haviam acabado e era hora de voltar à rotina de Hogwarts. Despedi-me de papai, tio Scott e Nick e sai apenas com Rupert e mamãe para King’s Cross, já que tio George e tio Ben haviam voltado no dia anterior. O caminho até a estação foi ótimo, nem ao menos lembrava que havia travado na viagem para casa, mas foi só colocar os pés na plataforma do lado trouxa que empaquei. Meu corpo congelou a meio caminho da barreira mágica.

- Clara, está tudo bem? – mamãe voltou para o meu lado e seu tom de voz era preocupado.
- Não posso embarcar nesse trem – respondi ainda congelada no meio da plataforma.
- Filha, está tudo bem, já conversamos sobre isso. Não vai acontecer nada.
- Não, por favor, eu não consigo ainda – agarrei sua mão e devia estar muito desesperada, porque ela me abraçou na mesma hora.
- Ok, tudo bem, não vou obrigá-la a entrar no trem, vamos dar outro jeito de você chegar à escola.

Rupert já havia voltado para onde estávamos e antes que mamãe pudesse pensar em alguma coisa, tio Quim apareceu na estação com Jamal. Eles andavam rápido, já eram quase 11h, mas pararam quando nos viram. Mamãe explicou o que havia acontecido e tio Quim prontamente autorizou uma chave de portal até Hogsmeade.

- Eu preciso ir no trem – Rupert apontou o distintivo de monitor – Pode deixar que cubro sua parte.
- Pai, tem problema se eu for com a Clara? – Jamal perguntou – Já que Rupert precisa ir de trem, não quero deixá-la sozinha.
- Claro que não, ia mesmo sugerir isso.
- Obrigada, tio Quim – agradeci pela chave e sorri para Jamal, que parou ao meu lado como um soldado.
- Qualquer coisa me chame imediatamente, entendeu? – mamãe me abraçou e assenti – Agora vão, já está na hora.

Tocamos a pena que tio Quim havia transformado em chave de portal e no instante seguinte fomos sugados por ela, caindo logo depois em frente à estação de Hogsmeade. Estávamos há cerca de cinco horas à frente do trem, então decidimos seguir para o vilarejo ao invés de entrar na escola. Passamos o dia inteiro sentados em uma mesa do Três Vassouras conversando. Jamal era a prova viva de que garotos são tão, ou mais, fofoqueiros quanto garotas e quase ninguém da escola escapou de virar assunto.

Quando faltava meia hora para o trem chegar arrastamos nossas malas pela neve até o castelo. A turma chegou querendo saber como eu estava, já que Rupert já havia avisado do ocorrido, e depois de verem que estava tudo certo começamos a planejar a excursão pela floresta, onde Justin e eu os levaríamos para conhecer o abrigo que havíamos descoberto. Ir para casa era ótimo, mas era sempre muito bom estar de volta.