Friday, February 04, 2011


Bati na porta do escritório do tio Ben exatamente às 20h, como combinado. Ouvi sua voz mandando que eu entrasse e abri a porta. Ele estava sentado em sua cadeira corrigindo uma pilha de pergaminhos. Sentei na cadeira na sua frente e ele largou os trabalhos, me encarando com um sorriso.

- Faz tempo que você não vem aqui de noite conversar. Como está?
- Tudo corrido demais, se vocês não passassem tanta revisão pros exames eu já teria vindo aqui jogar conversa fora.
- Boa tentativa, mas acho que posso sobreviver sem nossas conversas semanais até os N.O.M.s passarem.
- Vou tentar vir algumas vezes. Mas então, estou aqui hoje pra que mesmo?
- Muito bem, Oclumência. Como seu pai já lhe adiantou, é o tipo de magia que sela a mente contra invasão mágica e influência. E também vou aproveitar para lhe ensinar Legilimência.
- O que é isso?
- É a habilidade de retirar memória e sentimentos da mente de alguém.
- Tipo o que meu pai faz comigo por causa desse negócio de lobo? Leitura de mentes?
- É, se falar como trouxas, mas bruxos preferem não usar esse termo. A mente não é um livro para ser aberto e lido de acordo com a vontade, como passatempo. Pensamentos não estão marcados no interior do crânio, para ser lido por todos os invasores. A mente é complexa e repleta de camadas. No entanto, aqueles que dominam a Legilimência podem, sob certas circunstâncias, invadir a mente de suas vítimas e interpretar o que encontraram corretamente.
- Então aprendendo isso, eu vou poder invadir a mente de qualquer pessoa?
- Primeiramente, lembre-se que não estou lhe ensinando isso para sair por ai invadindo a privacidade das pessoas, mas sim.
- Pode deixar, vou usar com moderação – e ele riu.
- Um bom legilimente quase sempre sabe quando uma pessoa esta mentindo para ele. Somente os mais habilidosos em Oclumência podem fechar seus sentimentos e memórias que podem contradizer a mentira, e então, enganá-lo por completo em sua presença sem que ele desconfie.
- Isso só funciona quando estou encarando a pessoa, não é? Ou tenho que fechar minha mente aqui, para impedir meu pai lá no Brasil de ler meus pensamentos?
- Tempo e espaço são importantes na magia. Contato visual geralmente é importante para as duas coisas.
- Ótimo, então só preciso me preocupar quando estiver perto dele, ou de algum outro lobisomem.
- É, por hora, sim. Vamos começar?
- Sim, por favor! Chega de falatório.
- Fique de pé e pegue sua varinha – fiz o que ele mandou e notei que ele apertava a dele na mão esquerda - Você pode usá-la na tentativa de me desarmar ou defender a si própria da forma que conseguir.
- E o que você vai fazer? - perguntei, observando a varinha dele um pouco apreensiva.
- Estou prestes a invadir sua mente - disse calmamente - Vamos ver o quanto você pode resistir. Prepare-se. Legilimens!

Tio Ben atacou antes que eu estivesse preparada, antes mesmo que pudesse começar a reunir forças para tentar resistir. A sala desapareceu diante dos meus olhos e imagens atrás de imagens passavam pela minha mente como um filme. Era um filme tão vívido que me cegou para tudo o que estava à minha volta.

Eu tinha 6 anos, era meu primeiro dia na Ginástica Artística. Eu tinha 7 anos, sentada na sala da diretora da escola e mamãe me olhava furiosa, enquanto a diretora a informava que eu estava sendo expulsa. Tinha 10 anos, havia tentado um salto mais ousado e quando bati no chão, quebrei o pé, a pior dor que já senti. Estava na Floresta Negra, rosnava para um lobo imenso, de repente me transformei e minhas amigas saíram correndo aos berros. Estava em um dos túneis da Lufa-Lufa, Hiro me pressionava contra a parede de pedra e se aproximava cada vez mais. Estávamos prestes a nos beijar quando uma voz na minha cabeça gritou que aquilo era particular.

O escritório do tio Ben de repente voltou ao normal e senti minhas pernas cederem. Ele me segurou antes que batesse no chão. Meu rosto estava molhado de suor e me sentia fraca. Ele me olhava com uma cara engraçada e comecei a entrar em pânico. Será que ele viu tudo?

- Você me deixou ir muito longe.
- Você viu tudo o que eu vi? – perguntei sem muita certeza de que queria ouvir a resposta.
- Alguns flashes. Achei que sua mãe fosse matar você quando foi expulsa.
- É, eu também.
- Bom, para uma primeira tentativa até que não se saiu tão mal - disse levantando a varinha outra vez – Não desperdice energia gritando, mantenha-se concentrada. Tente me repelir com a mente outra vez, sem gritar, e verá que não é preciso usar a varinha.
- Ok, mas como faço isso então? Se não tivesse gritado você teria ido mais fundo.
- Feche os olhos e relaxe – fiz o que ele mandou - Esvazie sua mente agora, esqueça todas as emoções, não pense em nada.

Tentei fazer o que ele pediu, mas era difícil. Como ia simplesmente parar de pensar em qualquer coisa? Meu cérebro se recusava a esvaziar, ainda mais sentindo toda a pressão de que ele ia invadi-lo outra vez se a qualquer momento.

- Vamos tentar de novo, vou contar até três. Um, dois, três... Legilimens!

Antes que eu pudesse gritar “Não, espere!” o escritório se transformou em um borrão colorido e me vi correndo pela floresta do acampamento auror, desviando de balas de tinta. A cena mudou e eu estava encostada na cerca ao lado de James e ele ia me beijar quando fomos interrompidos por Daniel. O acampamento sumiu e estava no trem conversando com minha mãe, quando ele sacudiu e vimos faíscas pela janela, e em seguida ele tombou.

- NÃO!

Dessa vez tio Ben não foi rápido o bastante e cai de joelhos no chão, as mãos no rosto já coberto de lagrimas e meu cérebro doendo como se alguém estivesse tentando puxá-lo para fora do crânio. Ele me segurou pelos ombros e me ajudou a ficar de pé, puxando uma cadeira depressa. Meu coração batia descompassado, como se eu realmente tivesse sofrido o acidente no trem outra vez. Devia estar pálida, porque tio Ben me obrigou a comer um biscoito que estava em cima da mesa.

- É melhor pararmos por hoje, já foi uma primeira aula muito intensa – ele se abaixou para ficar na mesma altura que eu.
- Foi como se eu estivesse lá, tudo outra vez – senti que minha voz saiu tremula e ele apertou minha mão.
- É só uma memória, quando elas estão muito vivas dentro de você, dá essa impressão de que estão acontecendo outra vez.
- Como eu bloqueio isso? Não quero mais reviver nada.
- Esvaziando a mente, como mandei fazer. Não vamos continuar até semana que vem, antes quero que pratique. Toda noite antes de dormir, esvazie sua mente de todos os pensamentos, tente relaxar e não pensar em nada. Quero que faça isso todos os dias, e daqui a uma semana tentamos outra vez, tudo bem?

Concordei sem dizer nada e ele me acompanhou até a Sonserina para se certificar de que eu não ia cair no meio do corredor. Já naquela noite tentei fazer o que ele pediu, mas não foi muito fácil. Ainda estava assustada com a última memória e sempre que tentava limpar os pensamentos, um trem imenso aparecia vindo de encontro a mim. Acabei dormindo com aquela imagem na cabeça e tive pesadelos com o acidente. Precisava aprender a esvaziar a mente o mais depressa possível, e não era mais porque meu pai podia ler meus pensamentos. Precisava esquecer aquele acidente ou nunca mais teria paz.