Thursday, March 31, 2011


O céu já estava escuro há horas e o cenário era de filme de terror. Mesas e cadeiras reviradas dentro das salas, paredes e tetos sujos de tinta colorida e o terreno do castelo deserto. Os únicos que ainda circulavam pela área das estufas comigo eram Haley, Justin e Jamal. Todos os outros haviam sido abatidos há horas e fazia muito tempo que não víamos ninguém. Ainda era possível ouvir o barulho dos tiros vindos de dentro do castelo, mas não sabíamos quem ainda estava vivo na disputa. Já estávamos cansados e com fome, mas ninguém desistia.

Pela minha porca noção de Astronomia, sabia que já passava da meia noite, ou seja, o que começou como uma brincadeira para descontrair havia se tornado uma competição que tinha ultrapassados todos os limites da sanidade. Todo mundo estava estressado e desconfiado de tudo, qualquer barulho era motivo para apontar a arma e atirar. Além de fome e cansaço, começávamos a sentir frio também, então achamos melhor nos abrigarmos dentro do castelo. Precisávamos também encontrar os sobreviventes e tentar eliminá-los e acabar com o jogo.

Estávamos sentados em volta de uma pilha de pergaminhos que fizemos de fogueira, no meio da sala de DCAT, quando a porta abriu e uma bola de tinta estourou na parede. Levantamos depressa já com as armas em punho e a sala foi invadida por cinco pessoas, das quais reconhecemos de imediato todas elas: John, Leonard, Stefan, Lizzie e Charlotte. Eles disparavam pra cima de nós quatro sem parar e rapidamente nos cercaram, mas antes que fossemos totalmente derrotados, atingimos Lizzie e Charlotte. Justin já havia levado um tiro no meio do peito e Haley estava caída no chão com as costas sujas de tinta rosa. Jamal correu atrás de John e Leonard e quando ia correr atrás para ajudar, ouvi alguém destravando uma arma atrás de mim. Já estava pronta para ser eliminada, mas o tiro que disparou primeiro veio do lado oposto e não me atingiu. Virei depressa e vi James parado na porta, a arma apontada para um Stefan com a testa suja de azul.

- Perdeu, Salvatore - ele girou a arma nos dedos e a prendeu no cinto - E avisa aos seus amigos que eles vão ter o mesmo destino.
- De onde você saiu? - apesar de ter me ajudado, não guardei a arma.
- Ei, abaixa a arma, ok? Se atirarmos um no outro, temos menos chance de vencer.
- Está propondo uma aliança?
- Bom, seus aliados estão caídos e você está sozinha agora, então sim.
- Ainda tenho o Jamal.
- Foi mal, Clara, não deu - Jamal entrou na sala outra vez e apontou pra perna suja - Eles não viram que me atingiram, acabei de notar. Só restou você.
- Vença essa droga de jogo, ouviu? - Haley levantou do chão toda suja - Agora é questão de honra. Justin, vamos comer, alguma coisa boa tem que sair desta noite dos infernos. - E os três saíram da sala.
- E então? Você sabe que quando trabalhamos juntos, somos eficientes. E isso é paintball. Podemos ganhar, mas vamos ter que nos ajudar.
- Certo. Qual é o plano?
- No caminho pra cá vi alguns sextanistas perto do corredor proibido e uns três caras do 7º nas estufas. Tirando eles, acho que só restam John, Leo e nós dois.
- Então acabamos com eles e depois nos resolvemos – peguei os cartuchos que Jamal deixou e carreguei as armas – Vamos.

Deixamos a sala de DCAT e percorremos o castelo com cautela até onde James tinha visto o grupo de sextanistas. Eles estavam amontoados dentro sala de armaduras, discutindo a possibilidade de serem os últimos sobreviventes e já ameaçavam apontar armas uns pros outros. Eram sete ao todo, quatro garotas e três garotos.

James sinalizou para onde eu deveria ir e para onde ele ia e nos separamos. O corredor estava muito escuro, a única luz era da fogueira que eles também improvisaram, mas estavam tão distraindo discutindo que não notaram James correndo para trás da tapeçaria e nem eu escalando uma das armaduras de um troll.

Uma das meninas apontou a arma para o garoto ao lado dela, mas quem disparou foi eu. Meu tiro o acertou em cheio e a aliança do grupo, achando que tinha sido ela, se desfez. O amigo do garoto atingido atirou na garota e quando a amiga dela ia revidar, James foi mais rápido e atirou nele. Só então eles perceberam que não estavam sozinhos, mas já era tarde demais. Com três já eliminados, tínhamos um de cada na mira de uma arma e tiramos os quatro restantes do jogo de uma vez só.

- Seu traidor! Está aliado a uma sonserina? - o garoto que levou o primeiro tiro gritou com James.
- Ei, olha como fala - e atirei nele outra vez.
- Deixe de ser um bebe chorão - a garota que ia atirar nele falou e os outros riram – Eles foram mais espertos, acabou, vamos embora.
- Estufas? – James recolheu os cartuchos deles e guardou nos bolsos.
- Estufas.

Voltamos para a área externa do castelo direto para as estufas. Os três garotos do 7º ano que ele havia visto mais cedo ainda estavam lá e se preparavam pra sair. Reconheci Damon entre eles, mas os outros dois sabia apenas que eram da Corvinal. Entramos o mais silenciosamente possível na Estufa Nº 3, que era onde eles estavam, mas pisei em um galho seco e acabei atraindo a atenção deles. Os três sacaram as armas e começaram a disparar, mas por sorte tínhamos ótimos reflexos. Nos atiramos no chão na mesma hora e revidávamos os tiros por baixo da bancada.

- Eles não têm muita munição, continue atirando e deixe que eles gastem tudo – gritei para James no meio do barulho ensurdecedor dos tiros e ele assentiu.

Seguimos com o plano e deixamos o tiroteio rolar por quase cinco minutos. Eles não se aproximavam por não saber onde estávamos e nós não levantávamos porque íamos ser atingidos, então os disparos eram às cegas. Quando eles pararam de disparar, esperamos alguns segundos e levantamos, acertando os três com uma chuva de bolas de tinta. Damon jogou a arma na bancada revoltado, mas sorriu quando passou por nós dois se despedindo. E ainda nos alertou que Johnny e Leo ainda estavam vivos e muito bem equipados.

- Só faltam eles então. – James disse satisfeito - Vamos atrás ou esperamos eles virem até aqui? Sem duvida o barulho chamou a atenção dos dois.
- Acho que devemos esperar eles virem até aqui. O que é isso? – falei apontando para a costela dele. A camisa estava manchada de vermelho – Você foi atingido?
- Ah não! – ele puxou a camisa para ver – Ah, não é tinta, é sangue. Que susto!
- Esse jogo está fazendo mal a todo mundo – revirei os olhos com o alivio dele por ver que era sangue – Vamos caçar alguma coisa pra fazer um curativo.

Saímos das estufas para a enfermaria, deserta àquela hora. Não que a enfermeira não desse plantão de madrugada, mas a escola inteira estava com aquele clima de apocalipse zumbi, ninguém sem uma arma de paintball circulava pelos corredores, era suicídio. Encontrei algumas gazes e uma poção que sabia que era pra dor e o ajudei a fazer o curativo.

- O soldado ferido – ele disse me encarando – É a fantasia mais clichê do mundo.
- Realmente, muito clichê. – tentei não dar confiança e continuei colando o esparadrapo nele.
- O que seus amigos diriam se nos vissem agora?
- Não diriam nada, porque não tem nada demais acontecendo.
- Vai negar que você não quer me beijar? – ele sentou na maca e segurou minha mão, me impedindo de continuar o curativo.
- Me solta, por favor.
- Solto, mas primeiro admite olhando no meu olho que não tem vontade.

Não consegui responder. Em vez disso, agarrei seu rosto e o beijei. Ele me puxou pra cima dele na maca e tinha certeza que o barulho das molas dela estava fazendo eco pelo corredor e iam atrair a atenção de Johnny e Leo, mas não conseguia parar. James agarrou minha cintura e me prendeu contra a maca, mas antes que mais alguma coisa acontecesse ouvimos um estalo do lado de fora e pulamos os dois pra fora.

- O que foi isso? – ele sacou a arma e fez menção de se aproximar da porta.
- Não sei, mas acho que já podemos encerrar a dupla – saquei a arma e apontei pra ele.
- Por favor, não diga que me beijou apenas pra ganhar o paintball.
- Não, eu beijei você, e agora vou ganhar o paintball. Nada pessoal, mas isso ia ter que acontecer mais cedo ou mais tarde, e posso dar conta de dois.
- Então isso não significou nada para você?
- Não disse isso. O que isso significou para você?
- Perguntei primeiro.
- Muito maduro.
- Disse a garota que não consegue admitir que me quer.
- Disse a garota segurando a arma.
- Tem certeza que isso é uma arma? – apertei o gatilho e não aconteceu nada. Ele riu. - Sem tinta, Han Solo? Acha que sou estúpido?
- Quando pegou meu cartucho?
- Quando começou a me seduzir.
- Eu só estava fazendo um curativo em você!
- Sim, claro, com suas mãos tão delicadas...
- Boa noite, crianças. – Johnny entrou na enfermaria com Leo - Ficarão felizes em saber que chegaram até o fim, mas a brincadeira acaba aqui.

Mais uma vez, fomos salvos pelos nossos ótimos reflexos. Quando Johnny e Leo erguerem as armas saltamos para trás da maca e na mesma hora a viramos, transformando-a em uma barreira. Damon estava certo, eles estavam muito bem equipados. Cada um tinha pelo menos quatro pistolas e um cinto carregado de cartuchos. Eles disparavam sem parar contra a maca e estávamos encolhidos abafando o barulho, vendo a enfermaria ser completamente destruída com os tiros quebrando todos os frascos de poções que tinham pela frente. Não tinha a menor chance de sairmos dali sem levar um tiro.

- Me dê sua arma. – James se virou pra mim meio desesperado.
- Sim, seria brilhante da minha parte.
- Olha, você me pegou. Eu perdi. Deixe-me fazer isso por você – relutei um pouco, mas acabei lhe entregando a arma - Seria bem louco se eu atirasse em você agora, não é?

Olhei para ele séria e ele riu, me beijando antes de levantar e começar a disparar contra Johnny e Leo. Não tinha como ver o que estava acontecendo, mas logo depois os tiros cessaram e eu soube que os três estavam eliminados. Ainda assim, levantei com cautela. Os três estavam imundos de tinta e James sorriu quando me viu. Johnny resmungou alguma coisa que não consegui entender e saiu da enfermaria com Leo.

- Obrigada.
- Lembre-se disso na próxima vez estivermos sozinhos – ele piscou com uma cara idiota e saiu atrás deles.

Ainda fiquei parada um tempo olhando o estrago, mas por fim os segui e fui direto até a sala do tio Ben. Estava esgotada e queria matar ele por ter inventado aquele jogo idiota. Bati na porta com força e nem esperei ele responder, entrei direto.

- Está bonita. – ele comentou quando viu meu estado. Estava completamente imunda – Antes que diga alguma coisa, o premio prometido não pode exatamente ser dado, mas encontrei uma solução tão boa quanto.
- Todos lá fora estão atirando uns nos outros... Por nada. Enquanto está sentado aqui. Limpo.
- Clara, posso explicar. Errei quando prometi a isenção de uma das matérias. Não podia fazer isso, os examinadores não permitem, não é como uma prova normal de Hogwarts.

Não esperei ele continuar falando. Saquei a arma que ainda estava no meu bolso e descarreguei todo o cartucho contra a sala dele. Tio Ben rapidamente se abaixou para se proteger dos tiros, mas não parei até que estivesse sem munição.

- Clara! Pare com isso! – ele gritou quando parei de atirar - Lembre-se que não pode se irritar muito!
- Se fosse pra ter me transformado em um lobo por causa de estresse hoje, metade dessa escola estaria em pedaços.
- Ok, calma. Descarregou toda a sua raiva?
- Quase. – e atirei a última bala na testa dele – Pronto, estou bem agora. Qual é o meu premio?
- Ok, eu mereci isso – ele limpou a tinta da testa – Certo, seu premio. Como vai ter que fazer todos os exames, vou conceder um fim de semana de folga a você. Longe de Hogwarts, em um hotel em Londres, por minha conta. Vai sair daqui numa sexta à noite e voltar domingo à noite, e pode levar três amigos. Basta dizer quando querem ir e quem vai que faço as reservas.
- Isso não é tão bom quanto à isenção de matéria.
- É o que posso oferecer, é pegar ou largar.
- Eu aviso quando decidir ir.

Sai da sala dele batendo a porta e estava tão cansada que nem percebia o que estava fazendo. Só notei que meus pés tinham me levado de volta às masmorras quando dei de cara com a passagem secreta da Sonserina. Estavam todos dormindo e desabei na cama do jeito que estava. Amanhã contava ao pessoal que tinha vencido.