Friday, May 06, 2011 Abril de 2015 - Posso entrar? – bati na porta semi-aberta da sala do tio Ben. - Claro, mas o que ainda está fazendo aqui? – ele consultou o relógio no pulso – O trem vai sair em 10 minutos pra Londres, vai passar a páscoa na escola? - Não, queria saber se pode me levar pra casa – respondi um pouco sem graça – Não queria ir de trem. - Ah, claro – ele entendeu, finalmente – Estou terminando de guardar as coisas e já vamos, mais cinco minutos. Assenti e coloquei a mochila no chão, ocupando uma das cadeiras de seu escritório. Sabia que era besteira, que o trem não ia capotar na viagem de volta, mas ainda não conseguia andar em um sem entrar em pânico e preferia não ter outro ataque na frente de toda a escola. Tio Ben guardou toda a bagunça que tinha em cima da mesa e saiu por alguns minutos para falar com McGonagall, mas voltou depressa e criou uma chave de portal para podermos ir para casa. Por casa, entenda-se Londres, na casa do tio George. Sempre passávamos o feriado de páscoa lá, com o restante da família. Mamãe veio logo me abraçar quando chegamos, já esperava que eu não fosse voltar de trem e estava preocupada. Não consegui fazer um bom trabalho em tranqüilizá-la, mas ela se deu por satisfeita temporariamente e me liberou para paparicar meus sobrinhos. As gêmeas já estavam com quase 10 meses e aprendendo a andar, o que significava a família inteira alerta vigiando pra onde elas iam. Durante toda a semana de recesso a família tinha alguma programação para ocupar todo o dia, tudo organizado semanas antes pela minha tia Penélope, mãe de Nigel e Otter. Teve desde picnic até uma disputa de rúgbi que terminou com mamãe quebrando o nariz do tio Julian e tendo que convencê-lo que consertar com magia seria mais eficiente que ir a um hospital trouxa. Ela só não mencionou que seria mais doloroso, e isso acabou resultando no melhor momento do feriado: vê-lo chorar como uma menininha quando o nariz voltou pro lugar certo. Teria que voltar para Hogwarts em dois dias e já começava a ensaiar pedir que mamãe falasse com o tio Quim para me autorizar outra chave de portal quando recebi uma visita inesperada. Hiro apareceu na casa do tio George, me convidando para dar um passeio. Achei estranho de inicio, o que ele estava fazendo em Londres? Mamãe relutou um pouco em me deixar sair, ainda com a dor de cabeça das férias fresca na memória, mas era o Hiro, o garoto mais responsável da face da Terra, ela acabou cedendo. - O que veio fazer aqui? – perguntei assim que saímos de casa – Vocês passaram a páscoa aqui e não avisaram? - Não, passei a páscoa no Japão como todo ano, vim ontem pra cá com papai. Prometi a Brittany que ia almoçar com a família dela ontem – ele deu de ombros, um pouco sem graça. Aquele assunto nunca terminava bem entre nós dois. - Ah, claro. - Não vamos começar, não é? - Não, claro que não. Você já sabe que eu não a suporto – ele me olhou sério, mas eu ri, o que acabou fazendo-o relaxar – É só que... Sinto sua falta. Não posso nem chegar perto de você na escola que ela rosna e você sempre foi meu melhor amigo. - Ainda somos melhores amigos, só que agora tenho que dividir meu tempo entre você, o grupo e ela. Eu não reclamo do tempo que você passa com o Thruston. - Ok, vamos mudar de assunto. - Tem certeza? Esse está tão divertido! – e nós dois rimos. - Pra onde estamos indo? - Aqui. Hiro parou de andar e parei também, olhando ao redor. Estávamos em frente à estação de metrô de St. James Park. Quando ouvi o metrô passando debaixo dos meus pés, congelei. Hiro voltou e parou de frente pra mim, mas eu estava entrando novamente em estado de choque e continuei imóvel. - Sei que você passou por um trauma muito grande naquela viagem de trem e que poderia ter morrido, mas como vai ser daqui a 2 anos, quando nos formarmos e fizermos nossa última viagem juntos no Expresso de Hogwarts? Vai usar uma chave de portal ao invés de estar com seus amigos? Pra que isso não aconteça, você e eu vamos entrar naquele metrô, agora mesmo, juntos. E ficaremos nele até que você perca o medo e sinta-se apenas entediada. Eu continuei parada, embora tenha ouvido cada palavra e quisesse me mover, mas não conseguia. Ele entendeu isso, pois segurou minha mão e me guiou escada abaixo até a plataforma do metrô sem que eu empacasse. Ele também entendeu que eu não conseguia dizer nada e ficou o tempo inteiro calado, enquanto esperávamos o próximo metrô, enquanto me conduzia até um assento vazio e enquanto o metrô se movia de estação em estação. Foi um dia longo e silencioso. Não estava controlando no relógio, mas já tínhamos passado por tantas estações mais de uma vez que já devia estar no fim da tarde. E passamos todo esse tempo sem conversar, apenas sentados um ao lado do outro e Hiro segurando minha mão. Com o tempo o pânico foi passando, sentia meu corpo relaxar aos poucos e certa hora eu já não estava mais apavorada, apenas cansada. Ele percebeu e quebrou o silencio. - Já está entediada? - Um pouco. Minha bunda está quadrada. - Quer ir embora ou ficamos mais um pouco? - Acho que já podemos ir. Duas estações depois e estávamos de volta a St. James Park. Finalmente levantamos, deixando o metrô e voltando à superfície. Já estava quase escurecendo, o que significava que realmente havíamos passado toda à tarde dentro daquele vagão. - Obrigada – falei quando chegamos à frente da casa do tio George – Por fazer isso. - Sei que não é o tratamento mais recomendado e um psicólogo ia querer me matar por isso, mas sentimos sua falta no trem, precisamos de você de volta. Preciso da minha parceira de monitoria de volta. - Ainda não consigo deixar de pensar no acidente, mas acho que consigo fazer as viagens para Hogwarts. Não é todo trem que capota, certo? - Ah, chegaram, ainda bem! – mamãe deve ter escutado nossas vozes e abriu a porta – Por onde andaram que já está quase escurecendo? - Já explico – rimos e o abracei – Obrigada de novo. - Nos vemos na estação depois de amanhã? - Nos vemos na estação. Hiro se despediu da minha mãe e entrei com ela, que tinha uma expressão de extrema curiosidade no rosto. Sentamos no sofá e comecei a contar o que ele tinha feito e de como tinha ajudado, embora eu ainda não estivesse 100% bem. Mamãe me olhava enquanto eu falava com aquela cara de quando estava prestes a me deixar muito constrangida. Infelizmente, eu estava certa. - Qual é a história entre você e Hiro? O que acontece que eu não estou sabendo ainda? - Não tem nada acontecendo! De onde tirou isso? – eu era uma idiota, reagi rápido demais e mamãe nunca deixa isso escapar. - Ok, então o que já aconteceu? – ela insistiu, me olhando com atenção – Não tente me enrolar, sempre sei quando está mentindo. - A gente se beijou. Uma vez só! – acrescentei depressa – Não tem mais nada, juro. - Quando foi isso e por que não fiquei sabendo? - Foi no Halloween e não contei porque não foi nada demais, nem sei direito como isso aconteceu. Fomos pra festa na Lufa-Lufa e o salão estava uma bagunça, tinha muita gente, então fomos caminhando pros túneis que levam aos dormitórios, sabe? – ela assentiu e parecia um pouco tensa – Estávamos conversando normalmente, nem lembro mais sobre o que, e de repente ele me imprensou contra a parede e nos beijamos. Ficou meio esquisito depois, nos sentimos estranhos, então concordamos que não íamos mais tocar no assunto. - Você pareceu bem surpresa quando ele chegou aqui mais cedo, tem certeza que decidir não falar mais sobre isso foi a melhor opção? Vocês estão bem mesmo? - Não tem nada a ver com isso, é que como ele agora namora a insuportável da Brittany, quase não passamos mais tempo juntos. E também não sabia que ele estava em Londres. - Não acho certo você se afastar de um amigo porque não gosta da namorada dele. Vocês sempre foram tão próximos, por que isso agora? - A única hora que ele está sozinho é no salão comunal, só à noite. Não tem como falar com ele quando ela está perto. Ela fica fazendo cara feia, especialmente comigo, já que o ódio é mútuo. - E desde quando cara feia espanta você? A filha que eu criei não se intimida com isso, ainda mais quando o que está em jogo é uma amizade de 15 anos. - O problema é que se nós começarmos a discutir, ele vai tomar partido dela. Eu entendo, ele tem que defender a namorada, não ficar do meu lado. Eu evito o confronto porque isso vai me magoar. Ficamos em silêncio um tempo. Eu pensava no que tinha contado a ela, que tanto me incomodava e nunca tinha contado a ninguém, mas sem conseguir encará-la. E enquanto fitava o sofá, esperava que mamãe começasse sua avaliação. Era óbvio que ela tinha uma opinião muito bem formada pra dar. - Vai, pode falar – me rendi - Sei que está louca pra dar sua opinião sobre toda a história. - Não preciso dizer nada, você mesma já entendeu. Mamãe me puxou pra perto dela e deitei em seu colo, algo que não fazia já há bastante tempo. Tinha até esquecido o quanto era bom e reconfortante só ficar deitada deixando que ela mexesse em meu cabelo. Não voltamos mais para aquele assunto e foi ela quem tomou a iniciativa de desviar o rumo da conversa. - Sua orientação vocacional é agora depois do feriado, não é? – assenti com a cabeça, ainda deitada – Já tem idéia do que dizer ao Yoshi? - Sim – levantei do colo dela e a encarei, sorrindo – Vou dizer a ele que quero ser Curandeira. - Curandeira? – mamãe estava visivelmente surpresa, mas igualmente feliz – Tem certeza disso? Quando tomou essa decisão? - Comecei a mudar de opinião sobre o que você faz quando me obrigou a passar dois meses como voluntaria no CTI da Pediatria, mas acho que me decidi depois do acidente no trem – minha voz morreu um pouco, mas não empaquei dessa vez – Se você não tivesse lá, se você não fosse médica, aquelas pessoas teriam morrido. Você as salvou. - Você me ajudou. - Porque você me orientou. Sem você lá, ninguém teria sobrevivido. Quero poder fazer isso também. - Você sabe que ia apoiar e me orgulhar do que você escolhesse, mas tenho que admitir que estou explodindo de orgulho agora – ele me puxou de volta e me abraçou apertado – Meu bebê quer seguir meus passos. - Quero fazer medicina trouxa também, não só bruxa. - Nesse caso, aceita uma sugestão? – e fiz que sim com a cabeça – Faça uma só e quando terminar comece a outra. Não é impossível fazer as duas ao mesmo tempo, Mirian, Sam e eu conseguimos, mas é coisa de maluco. Você já não vai ter muito tempo livre fazendo uma só, se optar pelas duas ao mesmo tempo vai ter que se privar até mesmo de dormir. - Como você conseguiu sobreviver? - Eu tinha um bebê a caminho. Precisava do dinheiro que já recebia no hospital bruxo e precisava me formar depressa para começar a ganhar dinheiro com a medicina trouxa. Você não precisa sofrer desse jeito, faça uma de cada vez. Foi isso que sugeri ao Ethan e ele optou por começar com a medicina bruxa, pra só depois entrar para uma universidade trouxa. Concordei com a idéia e prometi pensar por qual das opções ia começar, mas ainda tinha dois anos pra tomar aquela decisão, não precisava fazer isso agora. Por hora, só queria curtir mais um pouco do colo da minha mãe antes de voltar para a escola e ter que lidar com meus problemas por conta própria. |