Monday, August 08, 2011


Desde o ataque dos vampiros em Covent Garden, meus pais entraram no modo paranóico e não me deixavam mais sair de casa sozinha. Se não tivesse a companhia de um dos dois, ou dos meus tios, Rupert e eu não tínhamos autorização nem para pôr os pés na calçada. Papai, mamãe, tio Scott, tio George e tio Ben se revezavam entre estarem em casa conosco e ajudarem o clã Chronos, então tinham sempre quatro deles na sede e um em casa. Hoje era dia da mamãe montar guarda. Rupert estava lendo no quarto e eu jogava videogame na sala enquanto ela ia de um lado pro outro na cozinha ocupada com os preparativos de uma sobremesa pra lá de complicada que tio Scott tinha deixado a receita. A campainha tocou, mas estava tão concentrada no jogo que não me movi. Mamãe resmungou alguma coisa que não entendi e foi até a porta.

- Boa tarde. A Clara está? – ouvi a voz de Sheldon e aquilo era tão fora do comum que me desconcentrou no jogo.
- Entre, por favor – mamãe abriu passagem para ele e sai do sofá.
- Sheldon? O que faz aqui?

O que veio a seguir foi talvez a coisa mais bizarra que aconteceu em toda a minha vida, e digo isso depois de descobrir que posso me transformar em lobo e lutar contra vampiros. Sheldon se aproximou de mim e de um jeito completamente desengonçado, me abraçou. Levei uns segundos para sair do estado de choque e retribuir o abraço, mas minha expressão era tão confusa que mamãe voltou pra cozinha prendendo a risada.

- Soube do ataque em Covent Garden e fico feliz que esteja bem – disse quando me soltou.
- Obrigada, Sheldon.
- Foi muito trabalhoso acomodá-la em minha vida. Odiaria se o esforço tivesse sido em vão porque morreu precocemente vitima de um ataque de vampiros.
- Obrigada outra vez, eu acho.
- Ah, acho que também devo parabenizá-la pela medalha olímpica. Assisti a luta pela televisão.
- Obrigada mais uma vez, mas você não veio aqui só para ver se estava viva e me dar os parabéns, não é mesmo?
- Sua perspicácia ainda me surpreende – ele caminhou até o balcão da cozinha e sentou – Preciso de um favor.
- Não vou fazer comprar sapato com você outra vez – sentei no banco em frente a ele – Você não escuta o que eu digo, compra o que quer e depois reclama que machuca o pé.
- Não é isso – ele sacudiu as mãos impaciente – Preciso que separe Hiro de Leslie.
- Como é que é? – comecei a rir e mamãe diminuiu o ritmo para prestar atenção.
- Gosto dos dois, mas quando estão separados. Consigo lidar com seus níveis de chatices separados, mas juntos eles são duas vezes mais irritantes. Não agüento mais. Com você ele não muda, posso me acostumar.
- Eu não vou roubar o namorado de ninguém só porque você quer, Sheldon.
- Justo. Mas e se você quiser? Você separaria os dois?

Não respondi de imediato e foi isso que me entregou. Na verdade já tinha me feito essa mesma pergunta antes, há quase dois anos atrás, mas tinha acabado de descobrir que ainda não tinha uma resposta. Quando tentei responder acabei gaguejando.

- Não. Não vou fazer isso! Sei que não sabe lidar com mudanças, mas vai ter que aprender a conviver com isso, se gosta deles.
- Mesmo que eu continue descarregando minhas frustrações em você outra vez?
- Sim, mesmo que continue alugando meu ouvido com reclamações, como fez no nosso 5º ano inteiro. Nada pode ser pior que suas reclamações da Brittany.
- Você pode se surpreender.
- Vou arriscar.
- Sheldon? – Rupert apareceu na cozinha.
- Rupert! – Sheldon levantou e também o abraçou. A cara que ele fez foi ainda mais chocada que a minha – Que bom que está bem.
- Er, obrigado – ele deu dois tapinhas nas costas de Sheldon e se separaram – Já que está aqui, preciso de sua ajuda. Estou agarrado em uma fase de Dead Space e não sei o que fazer.

Os dois foram para a sala e Rupert colocou o jogo que estava o tirando do sério há dias. Logo Sheldon começou a dar instruções sobre o que fazer e os dois não estavam mais naquele plano. Voltei à atenção a movimentação na cozinha e mamãe estava com aquela cara de quem tem várias observações a fazer, misturada a uma expressão de quem estava se divertindo bastante.

- Como você acabou amiga desse menino? – ela perguntou rindo.
- Passei um ano e meio tendo aula de reforço de Poções com ele. No começo queria matá-lo todos os dias, mas acabei acostumando – dei de ombros e ela riu ainda mais – E Rupert, MJ e Hiro sempre foram amigos dele, eles me influenciaram um pouco.
- Ele é engraçado. Meio sem noção, mas engraçado.
- Então isso faz de você a primeira pessoa a se divertir com Sheldon na primeira vez que o conhece. Eu levei dois anos pra achar a graça.
- E como anda essa história com o Hiro? Da última vez que me contou alguma coisa, estava chateada porque estavam se afastando.
- Estamos bem, ele não está mais com a insuportável. Leslie é legal e é minha amiga, a convivência não está sendo afetada.
- Não se sente incomodada?
- Mãe, sei que o que você mais quer ouvir é que Hiro e eu estamos juntos, porque você o conhece desde que nasceu e é filho de uma de suas melhores amigas, mas isso não vai acontecer. Nós somos o oposto um do outro! Funciona bem numa amizade, mas nunca daria certo em um namoro.
- Pois ai é que você se engana. Nunca ouviu dizer que os opostos se atraem?
- Isso é muito legal na teoria, mas na prática é bem mais complicado.
- Mas é ai que está toda a emoção! Quem quer um namoro onde você sabe tudo sobre a outra pessoa, sabe prever todos os seus movimentos e sabe exatamente como agir, por serem tão iguais? Onde fica a parte que envolve as surpresas do relacionamento? Porque a pessoa que está com você é tão diferente que você quer cada vez mais saber mais sobre ela, está sempre descobrindo coisas novas, e não o mesmo de sempre.
- Não acho que você e papai sejam tão diferentes assim um do outro.
- Com o tempo vamos ficando mais parecidos, mas quando tínhamos a sua idade a coisa mais improvável do mundo era o monitor tímido da Grifinória se apaixonar pela menina maluca da Lufa-Lufa que estava mais interessada nas festas do que nos estudos. E no entanto foi exatamente isso que aconteceu. É muito cômodo estar numa relação onde as duas pessoas são iguais, não é trabalhoso e você sempre sabe o próximo passo. O inesperado, no entanto, é o que realmente vale a pena.
- Então quer dizer que você colocava as festas antes dos estudos? – desviei o assunto - Não a culpo, as festas da Lufa-Lufa são as melhores mesmo.

Mamãe riu e começou a me contar sobre algumas das festas mais malucas que eles organizavam quando ela estava na escola, como uma festa criada a partir da insônia dela, e o rumo da conversa mudou por completo. Ela esqueceu o assunto, mas eu não consegui. Passei o resto do dia com o que ela tinha dito martelando na minha cabeça. Hiro era, sem sombra de duvidas, o meu oposto. E o meu igual claro que era James. Éramos tão parecidos que às vezes assustava e era mesmo muito mais cômodo estar com ele, embora nunca tenhamos falado em namoro e não fossemos exclusivos um do outro. A pergunta agora era: até quando isso seria o bastante?