Monday, August 01, 2011


Rio de Janeiro, Agosto de 2016 - XXXI Jogos Olímpicos

- Está bem? – meu treinador me empurrou sentada no banco e me entregou uma garrafa d’água – Consegue voltar?

Fiz que sim com a cabeça e bebi a água, respirando pesado. Estava na Arena Olímpica, era a final de Taekwondo feminino peso médio e eu disputava a medalha de ouro contra uma atleta da Coréia do Sul. Ela era muito boa e estava me dando trabalho, havia acabado de empatar a luta acertando um chute no meu rosto que me deixou desnorteada. Precisava só de um ponto para vencer, mas ela também. Era a hora do tudo ou nada, uma medalha de prata não estava nos meus planos.

- Clara, tem alguém lhe chamando na arquibancada – o treinador assistente falou.
- Não importa, não é hora de tirar a concentração dela – meu treinador tentou bloquear a visão, mas já tinha visto que era Hiro.

Ele sacudia os braços enlouquecido, fazia algum tipo de mímica, mas eu não estava entendendo nada. Imitava golpes e depois apontava para os olhos, talvez dizendo que eu devia ver alguma coisa. Fiz sinal que não estava entendendo e ele agarrou JJ pela camisa, fingindo que havia acertado um soco em seu braço e depois apontou para os olhos dele, gesticulando como se algo piscasse. E então entendi o que ele estava tentando me dizer. Fiz sinal de positivo e ele acalmou.

- Estou pronta – levantei do banco e devolvi a água.
- Vá com calma e não deixe que ela a encurrale.
- Pode deixar, já sei o que fazer.

Voltei para o tatame e depois de nos cumprimentarmos rapidamente, a luta já recomeçou a mil. A coreana vinha pra cima de mim com tudo, desferindo socos e chutes sem parar, mas conseguia bloquear todos. Só precisava evitar que ela marcasse ponto até achar a brecha necessária. Consegui achar um espaço quando ela correu com a perna já esticada pra me machucar e saltei mais alto, chutando sua coxa. Ela cedeu com o golpe e com um giro rápido, acertei o pé com força na lateral do seu capacete protetor. Ela foi a nocaute com o baque dos dois golpes e o juiz ergueu a bandeira do meu lado.

Corri pro meu treinador na mesma hora e a equipe brasileira me engoliu num abraço. Eu não sabia se gritava, pulava ou chorava, não estava acreditando que tinha acabado de ganhar uma medalha de ouro em uma olimpíada. Fiz menção de correr para onde meus pais e meus amigos estavam, mas me seguraram no banco porque a entrega das medalhas já ia começar. Ajeitei o kimono todo amassado e torto, me enrolei em uma bandeira do Brasil e acompanhei a coreana e a atleta da Suécia que havia ganhado a medalha de bronze até o pódio. Não consegui impedir que algumas lágrimas escorressem quando ouvi o hino nacional tocar depois que o presidente do comitê olímpico pendurou a medalha de ouro no meu pescoço. Estava realizando meu maior sonho.

Quando desci do pódio corri direto pra arquibancada e mamãe estava tendo um ataque de tanto que gritava quando me abraçou. Todo mundo pulava enlouquecido e sentia vários pares de mão me puxando de um lado pro outro tentando me abraçar, mas quando mamãe me soltou foi Hiro quem puxei para um abraço primeiro. Agarrei seu rosto e lhe dei um beijo, agradecida.

- Segunda vez que salva minha pele – soltei seu rosto e ele estava vermelho, mas sorria feliz.
- Não acredito que esqueceu a técnica da luz.
- Culpa sua, que não treina comigo há um ano.
- É Hiro, muito feio! – Arte pulou em cima de mim – Eu que tive que levar chute dela por um ano inteiro, não gostei muito.

Todo mundo começou a rir e mais uma vez fui engolida no meio dos abraços. Todos queriam ver a medalha e tocar nela, e demoramos muito tempo para conseguir sair do ginásio, mas eu não tinha pressa. Se dependesse de mim, podia passar a noite inteira ali, admirando o palco da minha primeira medalha olímpica. Primeiras de muitas que ainda estavam por vir.

ºººººº

- Clara, pode vir aqui um instante? – papai bateu de leve na porta do meu quarto.

Segui-o até a sala e mamãe estava se despedindo de tio Scott, tio Ben, Gabriel e Maddie. Sentei na poltrona esperando para descobrir o que eu havia feito, pois não me lembrava de nada, e ela e papai sentaram no sofá de frente para mim quando o último foi embora.

- O que quer que eu tenha feito, por favor, nada do castigo dos 2 metros – falei logo e eles riram – Não quero seguir vocês para todo lado de novo.
- Por que sempre que chamamos você para conversar, acha que está encrencada? – mamãe perguntou ainda rindo.
- Meu histórico não é dos melhores, com o tempo aprendi a esperar sempre pelo pior – dei de ombros e os dois balançaram as cabeças.
- Não está encrencada, só queremos conversar – papai me tranqüilizou – Estamos com alguns planos que irão afetar toda a família e queremos saber a sua opinião.
- Queremos saber sua opinião sobre morar em Londres.
- De vez? Tipo, o ano inteiro? – mamãe assentiu – Mas por quê? O que mudou?
- Bom, depois que seu bisavô morreu e o advogado leu seu testamento, eu herdei a casa onde cresci. A principio pensei em vendê-la e dividir o dinheiro com George, mas não consigo me desfazer dela. Aquela casa possui tantas lembranças que não posso simplesmente vender, então surgiu um impasse.
- Não podemos deixar a casa vazia o ano inteiro, sem ninguém lá – papai continuou – Então pensamos que talvez pudéssemos ocupá-la.
- Mas e o seu trabalho? – perguntei a mamãe – Você é chefe da emergência do St. Inácio.
- Eu recebi uma proposta para assumir o cargo de chefe do departamento cirúrgico do Hospital John Radcliffe, que foi onde comecei meu estágio como interna – ela pareceu animada e olhou para meu pai – E seu pai também tem uma boa proposta de trabalho no Ministério da Magia de lá.
- E quanto ao tio Scott e o meu irmão? Vamos ficar longe deles? Não sei se vou me acostumar.
- Nessa família nada é decidido em pedaços, só tomamos decisões coletivas – mamãe parecia estar achando graça – Quando tudo isso surgiu conversamos com eles. Scott e Ben acham uma excelente idéia voltar para Londres, já que Nicholas agora mora lá e Scott quer passar mais tempo com seu pai.
- E Gabriel e Madeline gostaram da idéia de estarem apenas a 2 horas de trem de Paris – papai completou – Gabriel até já tem um emprego garantido, caso decida se mudar. Já faz algum tempo que um jornal de Londres está tentando levá-lo para lá.
- E também tem essa guerra contra os vampiros acontecendo e estando lá vamos poder ajudar muito mais. Seu pai e Ben já passam a maior parte do tempo indo e voltando da sede do clã Chronos, melhor que estejamos todos por perto no caso de alguma emergência.

Fiquei calada um tempo, pensativa. Nunca havia considerado a hipótese de mudar de país, mas com a proximidade do fim dos estudos em Hogwarts, era uma coisa a se pensar. E a guerra. Mesmo que meus pais nem considerassem a hipótese de me deixar ajudar, queria estar no meio da ação.

- Nunca pensei em me mudar, em sair do Brasil, mas gosto de Londres tanto quanto gosto daqui – comecei a falar ainda tentando absorver tudo – E se todos também vão, então tudo bem. Vamos embora para Londres.
- Nós vamos manter um dos três apartamentos aqui – mamãe leu meus pensamentos – Então vai poder visitar seus amigos sempre que quiser. Scott não vai fechar o restaurante, vai estar sempre por aqui vendo como as coisas estão.
- Vou sentir falta daqui, mas acho que mudar para Londres vai ser o melhor, no fim das contas – disse convencida – Quando nos mudamos?
- Bom, já pode se despedir dos seus amigos. Vamos para Londres semana que vem e não voltamos até que embarque para Hogwarts. E no Natal você já vai direto para a casa nova.

Assenti um pouco atordoada pela mudança repentina e levantei do sofá, voltando pro meu quarto. Se estava indo embora em uma semana, precisava reunir meus amigos daqui para comemorar meu aniversário e aproveitar para me despedir de todos. Já estava prevendo que essa festa ia terminar em clima de velório, mas estava animada com a mudança. Morar em Londres, definitivamente, era a melhor opção no momento.