Sunday, January 15, 2012 - Entrem, por favor. A porta da sala de duelos abriu sozinha e o psicólogo que trabalhava junto dos professores do curso de auror, Dr. Martin Pace, fez sinal para nos sentarmos nas duas cadeiras vazias à sua frente. Havíamos acabado de sair da aula do curso e as sessões dele eram sempre durante a semana, seu pedido para que fossemos até lá era estranho. Aquilo era diferente das sessões, quando sentávamos no sofá uma ao lado da outra por horas e não falávamos nada. Ele fazia todo tipo de pergunta, incentivava conversas sobre os mais variados assuntos, mas respondíamos apenas àqueles mais banais. Qualquer tópico mais pessoal e viráramos duas estátuas. O que quer que tenha nos levado ali hoje, não era pra uma sessão de terapia. - Mandei chamá-las porque quero falar sobre a evolução de vocês nas sessões – nos olhamos intrigadas e ele nos encarou sério – Não houve nenhuma. Desde a primeira sessão não consegui absolutamente nada e tenho que admitir que para um psicólogo experiente isso é muito frustrante. Infelizmente isso também não é bom para vocês. O problema de confiança que vocês têm está atrapalhando seu desenvolvimento no curso e temo que as coisas comecem a piorar nesse segundo semestre, onde esse quesito se mostrará crucial nos exercícios. Não vejo um cenário onde vocês são aprovadas a menos que isso mude – ele entregou uma folha para cada uma, era nossa avaliação do 1º semestre com anotações dele e dos professores – Essa foi a avaliação que receberam, como podem ver não foi nada boa. Vocês vão ter uma segunda chance para melhorar isso, estarei fazendo outra avaliação em duas semanas. Se o quadro não mudar, serei obrigado a passar minhas duvidas quanto à capacidade das duas se seguirem essa carreira. Pensem bem no que vão fazer daqui pra frente. Ele nos liberou e saímos da sala em silêncio, cada uma encarando sua avaliação com um olhar horrorizado. Eu estava quase em pânico, aquilo era um pesadelo. Nunca havia recebido uma avaliação ruim sequer na vida. Elena parou no meio do corredor e amassou o papel que tinha na mão, jogando em cima de mim furiosa. - Isso é culpa sua – me acusou – Você não confia em mim, não sei nada sobre você, nunca vamos passar nesse curso desse jeito e é tarde demais pra chorar e implorar por outra parceira. Quem é a razão pra você ser tão fria e distante? – olhei para ela bufando, mas ao invés de responder, virei de costas e fui embora – Ah, não quer falar sobre isso? Que novidade! Isso mesmo, vai embora, é o que você faz de melhor mesmo! Queria voltar e responder, mas estava irritada demais e sabia que se aquela discussão começasse, as conseqüências seriam graves. O melhor era ignorar e me afastar, então a deixei falando sozinha e fui direto para o salão principal para almoçar. Kaley e Rupert estavam sentados juntos na mesa da Corvinal absortos em uma conversa séria e quando sentei, os dois pararam de falar e me encararam. - O que foi? – disse mal humorada. - Kaley estava me contando que você e Lena foram chamadas pelo psicólogo depois da aula – Rupert disse cauteloso e a fuzilei com os olhos. - Não me olhe assim, estamos preocupados! – ela se defendeu – O que aconteceu? Contei a eles o que havia acontecido e a troca de olhares entre os dois já dizia tudo. E por mais que aquilo me irritasse, no fundo sabia que eles tinham razão. O motivo da nossa parceria não estar funcionando era minha incapacidade de confiar nas pessoas. Por mais que eu tentasse, e por mais que ela se esforçasse, não conseguia ganhar minha confiança. - Ela a julga errado porque não a conhece, e você não gosta dela porque não tenta conhecê-la – disse Rupert – Se lhe der uma chance, vai ver o quanto ela é legal. - Querida, você sabe o quanto eu te amo, mas é você quem está colocando todos os impasses – Kaley falou – Experimente contar a alguém algo que você não tem certeza que quer que aquela pessoa saiba. Se abra mais um pouco. - Não é a primeira vez que recebo esse conselho – disse olhando para Rupert e ele sorriu. - Então talvez deva aceitá-lo – ela concluiu e assenti. Prometi me desculpar com Elena, mas não naquela hora. Precisava de um tempo para me acalmar e também para a raiva dela passar, ou as coisas poderiam ficar ainda piores. Só a procurei no dia seguinte, já no final da manhã. Ela estava sentada em um banco no jardim com Julian e cheguei a pensar em desisti, mas sabia que aquela iniciativa teria que ser minha e segui em frente. - Tem um minuto? – disse parando ao lado deles. - Vou estar na biblioteca – Julian informou levantando e deu um beijo rápido nela antes de sair. - Antes que comece a falar, desculpa pelo que disse ontem – ela se apressou em dizer – Rupert me deu um puxão de orelha sobre isso e ele tinha razão, exagerei um pouco. - Não, eu que tenho que me desculpar. Você estava certa, isso não está funcionando e a culpa é minha. Tenho dificuldade em confiar nas pessoas. - Precisamos descobrir um jeito de mudar isso ou vamos continuar com essas sessões com o psicólogo, e não queremos isso, não é? – fiz que não com a cabeça, apavorada com a idéia. Odiava psicologia – O que precisamos é nos conhecer melhor. - Parece um bom plano. - Vamos começar devagar. Almoço no Três Vassouras? Eu pago. - Agora? Não é dia de visita ao povoado, supostamente não devemos sair do castelo quando não é dia de visita. - E supostamente não deveríamos estar treinando para enfrentar um exercito de vampiros, mas ainda assim estamos. Vamos ou não? Hesitei por alguns segundos, mas acabei aceitando. Elena me levou até um espelho que ficava no corredor do 4º andar, próximo do alojamento dos professores. Ela sacou a varinha e bateu na ponta do espelho e ele deslizou para o lado, revelando uma passagem secreta. Olhei para ela incrédula e ela riu, me dando passagem. Dessa vez não hesitei e entrei. O túnel era amplo e mal iluminado, tivemos que usar as varinhas para enxergar, mas minutos depois estávamos saindo no porão da Zonko’s. A loja estava cheia como sempre, mesmo não sendo dia dos alunos de Hogwarts lotarem o povoado, e passamos despercebidas. O Três Vassouras estava mais vazio e encontramos logo uma mesa para sentar. Um rapaz que era o ajudante do dono trouxe dois cardápios e nos entregou, voltando para trás do balcão. Demoramos mais que o necessário para escolher o que pedir, nenhuma sabia exatamente como começar uma conversa normal. Mas depois que os pedidos foram feitos não tínhamos mais o que fazer, então Elena deu o primeiro passo. - Ok, se o que precisamos é nos conhecermos melhor, vou contar um pouco da minha família, acho que é a melhor maneira de começar – ela falou animada, se apoiando na mesa – Eu nasci na Bulgária, mas morei a vida toda na Romênia. Nunca conheci minha mãe, ela morreu no parto, então meu pai me criou sozinha. Meu tio, que passou um tempo preso em Numengard, me contou que ela usou uma poção do amor nele, pra que se casassem. Quando o efeito passou, bom, acho que dá pra imaginar o desastre. Meu pai é o melhor pai do mundo. Há três anos ele casou de novo, com uma antiga namorada. É a mãe do Daniel, você o conhece, e desde então passei a fazer parte da família do Julian e da Haley. Ah, e eles se mudaram pra Romênia, porque meu pai trabalha como tratador da reserva de dragões de lá e a mãe do Daniel é advogada, então foi mais fácil eles se mudarem. Sua vez. - Certo... – respirei fundo antes de começar a falar – Eu fui adotada quando tinha 10 anos pela família Beckett. Meu pai, Jeremy, é bruxo, mas minha mãe, Lauren, não. - Ai, não acredito que comecei logo com isso – ela bateu a cabeça na mesa – Sinto muito, não sabia que seus pais tinham morrido. - Eles não morreram. Quer dizer, eu não sei o que aconteceu com eles, podem ter morrido. Eles foram embora quando eu tinha 7 anos. Era manhã de natal, meu irmão e eu acordamos e eles tinham desaparecido. Nunca soubemos o que aconteceu. - Ótimo tópico de conversa, Elena. Você tem um irmão então? - Sim, mas ele também foi embora. Ele tinha 17 anos na época, já estava no último ano em Hogwarts e quando se formou, não voltou pra me buscar. A última vez que o vi foi quando nos despedimos antes dele voltar pra escola, eu já estava sob os cuidados de uma assistente social. - As três pessoas em quem você mais confiava a desapontaram e é por isso que você não consegue confiar em ninguém – ela concluiu e assenti – Sinto muito, se ao menos imaginasse que podia ser isso nunca teria a forçado a falar. - Você não me forçou a nada, podia ter inventado uma história qualquer. Preferi dizer a verdade porque quero confiar em você. Não faço um bom trabalho em demonstrar isso, mas prometo que vou me esforçar mais. - Não se preocupe, isso não vai sair daqui. No que depender de mim, ninguém vai saber o que me contou. - As únicas pessoas que sabem essa história são Kaley, Rupert e Kevin. Nunca contei a mais ninguém, até hoje. - Posso fazer uma pergunta pessoal? Não precisa responder se não quiser. - Não responderia se não quisesse. - Como você e Kevin ficaram amigos? Vocês não tem nada a ver, ele é um festeiro mimado que não quer nada com os estudos e não pretende fazer nada na vida porque é rico. E você é a pessoa mais centrada e racional que eu conheço, é extremamente inteligente e tem toda a sua vida planejada. Não consigo entender. - Kevin chegou ao orfanato onde morei um ano antes de mim. Os pais deles eram bruxos conhecidos e foram assassinados, então ele sabia que era bruxo. E quando eu cheguei e ele viu que coisas estranhas aconteciam comigo, soube de imediato que eu também era uma bruxa e se aproximou. Nós éramos as duas crianças estranhas, que todas as outras evitavam. Isso nos uniu, ele foi o irmão que Russ não quis ser. Nós nos protegíamos e cuidávamos um do outro. Ele foi adotado alguns meses antes de mim, por outra família tradicional do mundo bruxo, e acabamos perdendo contato. Só nos reencontramos em King’s Cross, quando viemos para Hogwarts. Sei que não temos muito em comum, mas ele é o mais próximo de uma família que eu tive quando a minha me abandonou. Ela não perguntou mais nada sobre família e mudamos de assunto, passando a falar sobre a carreira que tínhamos escolhido. O almoço passou depressa, sem que percebêssemos já começava a anoitecer e voltamos para a escola. Confiança sempre seria um problema pra mim, mas sabia que não precisava ser sempre tão insegura e desconfiada. Elena era digna de confiança e não ia mais duvidar disso. Sem que eu esperasse, havia ganhado uma nova amiga. |