Saturday, February 25, 2012


Hogwarts parou naquela sexta-feira de manhã para assistir à segunda tarefa do Torneio Tribruxo. Como na primeira, também pudemos acompanhar tudo que acontecia dentro do labirinto, embora as meninas não enxergassem um palmo à frente do nariz lá dentro. Vimos Arte se movimentar por ele como se estivesse tudo claro, Lenneth parar várias vezes para se orientar utilizando alquimia e Gabriela ficar nervosa com a escuridão e se perder na maior parte do tempo. Todas saíram com menos de duas horas de prova e Lenneth assumiu a liderança, com Gabriela e Arte empatadas em 2º lugar com nove pontos a menos. Hogwarts estava no páreo!

O clima era de festa e como havíamos sido liberados das aulas pelo resto do dia, não demorou para os jardins do castelo serem tomados por alunos como acontecia nos finais de semana. A primavera havia finalmente chegado e com ela um calor leve e gostoso tomava conta dos gramados de Hogwarts. A chuva que tomou conta da tarefa na parte da manhã já tinha ido embora e mesmo com o tempo nublado, o calor predominava. Muitos aproveitaram o dia de folga para se aventurar nas águas ainda geladas do lago, outros brincavam com goles e pomos de ouro, mas a grande maioria preferia aproveitar a tarde deitada na grama, mesmo que ainda úmida de toda a chuva.

Meus planos para a sexta-feira de folga eram outros, no entanto. Estava a poucas páginas de finalizar meu livro e com o castelo sempre cheio e barulhento, Hagrid havia cedido sua cabana para que eu tivesse um pouco de paz quando precisasse. Então assim que a tarefa terminou, peguei o caderno no dormitório e me escondi nela. Ele estava sempre fora, ou dando aula ou fazendo algum trabalho pela floresta, e eu tinha sempre a companhia de Canino III. Ele era um enorme Mastim Napolitano de quase 150 quilos e cara amassada e entediada, mas extremamente dócil. Passava o tempo todo com a cabeça apoiada em minha perna pedindo cafuné ou então deitado em cima dos meus pés, deixando eles tão quente que sempre acabava tirando os sapatos.

Passei toda a tarde debruçado na mesa da cabana com a pena rabiscando o caderno a todo vapor. Já sabia exatamente como terminar aqueles dois últimos capítulos, tudo que precisava fazer era tirar da cabeça e passar para o papel. Quando coloquei o último ponto final, larguei a pena na mesa e encarei o caderno aberto. Estava pronto. Canino latiu resmungando, pois havia parado de coçar sua cabeça, e bati na mesa para ele colocar as patas nela. Por muito pouco uma poça de baba não molha o livro, mas tirei-o do caminho a tempo.

- Vou ter que deixa-lo sozinho agora, garoto – cocei atrás de sua orelha e ele fez um barulho engraçado – Prometo que volto depois, ok?

Peguei o caderno em cima da mesa e abri a porta. O jardim ainda estava cheio e, empolgado para mostrar o livro pronto para Amber, sai correndo. Estava tão ansioso para chegar à Corvinal que não reparei que James e Kevin estava brincando com uma bola de futebol americano não muito longe da colina que eu subia às pressas. Tudo que vi foi um borrão marrom voar na minha direção e depois uma trombada violenta me jogou longe. O caderno voou da minha mão e pousou no meio de uma poça de lama. Kevin levantou rindo e James correu na nossa direção, uma expressão alarmada no rosto.

- Seu idiota! – levantei furioso e parti pra cima de Kevin, que ainda ria, mas James se colocou entre nós dois – Olhe o que fez!
- Foi mal, cara. Não vi você passar... – a risada debochada dele dizia exatamente o contrário.
- Kevin, você viu o Rupert, fez de proposito – James ficou do meu lado.
- Não vi coisa nenhuma, e ele também estava correndo!
- Ah, então você me viu correndo? – perguntei nervoso e me soltei da mão de James, apanhando o livro na lama. Estava destruído.
- Era o seu livro? – James perguntou receoso e assenti – Você é um idiota, sabia? – e deu um soco no braço de Kevin.
- Melhor jogar isso fora, Storm. Não tem mais utilidade... – ele voltou a provocar e parti pra cima dele outra vez, mas James o empurrou pra longe.
- Rupert, melhor entrar, não vale a pena – disse ainda empurrando Kevin pra longe, que ria sem disfarçar.
- Isso não vai ficar assim! – ameacei, apontando para ele.
- Nossa, estou morrendo de medo!
- Chega! – ele deu um último empurrão em Kevin, que tropeçou e desceu a colina de vez – Rupert, vai embora também. Ninguém vai brigar aqui hoje.

James desceu atrás do idiota do Kevin e subi o resto da colina em direção ao castelo bufando, o caderno completamente arruinado na minha mão. Atirei-o na mesa assim que entrei na Corvinal e me larguei na cadeira sem saber o que fazer. Ainda tentei folheá-lo, mas as páginas estavam grudando por causa da lama e as poucas que consegui virar as palavras já começavam a se apagar. Bati a cabeça na mesa frustrado.

- Rupert, o que aconteceu? – ouvi a voz de Amber, mas não levantei a cabeça – Passou por mim no corredor feito um furacão, nem ouviu quando o chamei.
- Seu amigo destruiu meu livro – peguei o caderno da mesa e sacudi. Voou lama pra todo lado – Atirou na lama o livro que tinha acabado de concluir!
- Foi um acidente, tenho certeza que Kevin não faria isso de proposito. O que ele ia ganhar com isso?
- Não foi um acidente, ele viu que eu estava passando e se atirou em cima de mim de proposito! – levantei furioso por ela tê-lo defendido – Ele riu depois! Não ganha nada destruindo meu trabalho, só fez mesmo pelo prazer de me tirar do sério!
- Você está nervoso e com razão, mas precisa se acalmar para poder consertar o estrago – ela pegou o caderno da minha mão e virou um bloco de páginas com dificuldade – Está ruim, mas não acho que esteja perdido.
- Não, isso já era. Pra consertar terei que escrever outro, e isso não vai acontecer – tomei o caderno da mão dela e atirei na lata de lixo – Esquece. Vou voltar a focar em ser um Curandeiro, nunca devia ter inventado isso.

Sai do salão comunal batendo porta e tudo que queria fazer naquele momento era voltar ao jardim e brigar com Kevin, mas não podia fazer isso. Sabia que, se começasse a bater nele, não ia conseguir parar. E eu era o Monitor-Chefe, não podia me embolar com outro aluno como um bicho. Então se não podia bater nele como queria, quem ia sofrer era o saco de areia na sala de treinamento da AD. Clara estava lá, e também devia estar frustrada com alguma coisa, pois apenas me cumprimentou com um aceno e continuou dando socos e chutes em um dos sacos. Parei de frente a um mais afastado do dela e imaginando que ele era Kevin, comecei a bater.

Não sei quanto tempo repeti aquele movimento, mas era certo que já tinha passado muito tempo e minha raiva não havia diminuído. Não ia adiantar ficar ali batendo em algo que não fosse ele, ia me cansar e a frustração não ia passar. Precisava sair um pouco pra esfriar a cabeça e sem correr o risco de esbarrar com ele pelo caminho, então a única solução era ir até Hogsmeade. A porta escondida dentro da sala das armaduras tinha uma passagem que levava direto ao porão do The Old Haunt, e era pra lá que eu iria.

Oliver, o senhor de idade dono do bar, já me conhecia de tanto ocupar suas mesas debruçado no caderno e não se importava de me deixar entrar pelo porão, desde que não trouxesse nenhum tipo de problema com os professores. Sempre passava uma parte do tempo dentro do pub conversando com ele, mas hoje não estava a fim de papo. Ocupei a mesa de sempre, mas ao invés de abrir um caderno e escrever sem parar, apoiei a cabeça nela e fiquei encarando os quadros na parede. Ele notou a mudança, é claro, e quando não tinha mais ninguém chamando para fazer algum pedido, puxou uma cadeira vazia na minha mesa e sentou.

- Sem caderno hoje? Isso quer dizer que terminou o livro?
- Sim, mas foi em vão.
- Por quê? O que aconteceu?
- Um idiota jogou meu caderno na lama, está todo destruído. Dificilmente consigo salvar todas as páginas.
- Dificilmente, então quer dizer que há alguma possibilidade de recuperá-lo? – dei de ombros e ele deu um tapa na minha nuca – E o que está fazendo aqui então, que não está tentando recuperá-lo?
- Isso doeu, sabia? – disse alisando a nuca, mas ele me ignorou – Não vou conseguir salvar tudo, pra que ter esse trabalho todo? Isso foi uma perda de tempo, não sei onde estava com a cabeça quando achei que podia ser um escritor.
- Não acredito no que estou ouvindo. Garoto, por quatro meses você veio ao meu bar e ocupou essa mesa, focado em escrever um livro contando a história do garoto que destruiu Voldemort, a maior história do nosso mundo, e agora que a terminou, está desistindo porque alguém que você não gosta dificultou as coisas? É isso mesmo? Você é um bruxo, encontre um feitiço para reverter o estrago!
- Você não viu como ficou...
- Pare de choramingar feito uma garotinha de seis anos! Ou você acha que vai ser fácil publicar esse livro, mesmo que nada disso tivesse acontecido? Você não vai receber uma aprovação da primeira editora que procurar, nem da segunda. Talvez nem mesmo da terceira, mas uma hora uma vai aceitar publicá-lo. Quando receber a primeira carta de rejeição, vai desistir também?
- Não...
- Então levante a bunda desse sofá, volte para o castelo e recupere seu trabalho! Você vai encontrar um jeito, depois vai enviá-lo para as editoras e quando uma delas aceita-lo, vai voltar aqui com a minha cópia autografada. Estou contando com a sua foto para se juntar às outras na minha parede, é melhor não me decepcionar.

Um homem sentado no balcão o chamou e Oliver levantou da mesa, dando um tapa de encorajamento nas minhas costas antes de se afastar. Olhei para a foto na parede atrás de mim, onde estava a do tio Scott com seu primeiro livro, e me lembrei da história de todas as dificuldades que ele encontrou pelo caminho até conseguir publicá-lo. Decidido, levantei da mesa também e peguei o túnel do porão de volta para o castelo. Quando entrei na Corvinal, Amber estava debruçada sobre a mesa e ao me aproximar vi que ela tinha meu caderno na mão. Ele estava totalmente seco e limpo.

- Você...
- Ah, ai está você – ela levantou sorrindo e me estendeu o caderno – Foi difícil, mas nem parece que sofreu um acidente.
- Você limpou tudo sozinha? – peguei o caderno de sua mão e o folheei. Parecia novo em folha.
- Sim. Não ia deixar que jogasse todo o trabalho que teve no lixo porque estava nervoso. Usei alguns feitiços leves para secar e limpar, e as páginas que estavam apagadas consegui recuperar com um feitiço de revelação. Seria bom dar uma revisada em tudo, mas acho que não ficou nenhuma falha.
- Você é demais – disse sorrindo e ela sorriu sem graça – E desculpa ter gritado com você mais cedo.
- Tudo bem, você estava frustrado. Não levei em consideração.
- Ainda assim, não foi sua culpa e não devia ter descontado em você – ela assentiu e sorriu – Você leu?
- Só algumas partes, não tudo. Sei que o Sr. Potter precisa aprovar primeiro.
- Sim, ele precisa, mas é você quem devia ler primeiro – estendi o caderno a ela de volta – Você me ajudou desde o começo e hoje provou que sem você esse livro não ia sair. Nada mais justo que seja a primeira pessoa a ler. Ele pode aprovar ou reprovar depois.
- Tem certeza? – assenti e ela pegou o caderno da minha mão com um sorriso no rosto que fazia tudo valer a pena – Obrigada! Amanhã de manhã digo o que achei.

Ela sorriu animada e foi direto para a poltrona perto da janela, afundando entre as almofadas e enterrando o rosto no caderno.

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Depois de passar a madrugada acordada lendo o livro, Amber havia me devolvido o caderno dizendo que não tinha encontrado nada falhado e que tinha achado excelente. Animado, enfeiticei uma pena para fazer uma cópia do livro em um novo caderno e guardei o original no fundo do meu malão, embalando a cópia nova em folha para enviar ao tio Harry. Tinha um jogo de quadribol entra Lufa-Lufa x Black Rockets naquela manhã, então corri até o corujal logo depois do café para dar tempo de pegar o inicio da partida.

- E ai, cenoura? – Jamal me alcançou a caminho de lá.
- Ei, o que está fazendo por aqui? – parei para esperar ele me alcançar.
- Papai agora quer noticias semanais – respondeu sacudindo uma carta – E você? Isso ai é o livro? James me contou o que Kevin fez, mas conseguiu recuperá-lo, não é?
- Sim, terminei ontem. E foi Amber quem consertou o estrago que o idiota fez. Está novo em folha, vou mandar para o tio Harry ler e aprovar.
- Você sabe que quem vai ler pra aprovar ou não na verdade é a tia Hermione, não é? Duvido que ele dê a palavra final.
- É, sei disso, mas o livro é sobre ele, tenho que mandar pra ele.
- E por falar em Amber... – ele passou o braço em volta do meu ombro enquanto caminhávamos – Ela está solteira agora, não é?
- Sim... Por quê?
- Você se recorda da festa de Halloween, quando me deu carta branca pra tentar alguma coisa com ela quando estivesse solteira, porque tem absoluta certeza que não vou conseguir?
- É, lembro sim.
- A aposta ainda está de pé? Posso investir?
- Faça o que quiser, não sou dono dela – “não faça isso, pelo amor de Merlin” era o que eu queria dizer.
- Tem certeza? Pode falar a verdade, você quer mesmo que eu dê em cima dela? Tem mesmo tanta certeza assim que ela não vai cair no meu papo?
- Não, eu não tenho certeza de nada, mas não posso impedi-lo – tinha esperanças, era a verdade. Achava que Amber era diferente, mas e se não fosse tão diferente assim? E se Jamal conseguisse?
- Se você falar que não acha legal, eu não faço. Mas vai ter que me dar uma boa razão pra isso.

Hesitei por um instante, mas depois pensei: e dai? A quem eu queria enganar tentando fazer parecer que não gostava dela? Jamal certamente havia sido o primeiro a perceber. E se eu desse carta branca a ele e depois de muito insistir ele conseguisse sair com ela, isso ia causar um grande estresse entre nós dois. Era melhor ser sincero e, se fosse preciso, implorar para ele não seguir em frente. Que se dane a dignidade.

- Não faça isso, por favor. Não dê em cima dela.
- Por que não?
- Porque eu gosto dela. E se você ficar com ela, vou ficar com raiva de você, mesmo sendo minha culpa. – Jamal abriu um enorme sorriso e me deu um tapa forte nas costas.
- Não se preocupe, cenoura, não vou fazer nada. Mesmo que não tivesse admitido, não ia dar em cima da sua garota.
- Então porque disse que eu tinha que dar um motivo?
- Porque queria que admitisse que gosta dela. Eu posso ser um mulherengo, mas tenho um limite. E garotas dos meus camaradas é esse limite. Nunca faria isso com você.
- Obrigado, eu acho.
- Quando vai chama-la pra sair? Eu tenho limite, mas nem todos pensam assim.
- Calma, não é assim também, não posso simplesmente chama-la pra sair do nada.
- Sim, pode! Pare de pensar demais e tome uma atitude!
- Eu sei disso, mas ela é como uma borboleta, não posso fazer nenhum movimento errado ou ela voa pra longe. Eu sei o que fazer. Só me dê um tempo e vou agir.
- Só espero que não demore demais...
- Eu sei o que estou fazendo. Confie em mim.

Jamal não disse mais nada e conseguimos chegar ao corujal para despachar nossas correspondências. Phil veio voando na minha direção assim que me viu e ficou feliz por ter algo para fazer. Quando descemos a torre o campo de quadribol já começava a lotar para o jogo e encontramos um espaço na arquibancada da Sonserina para torcer pela Lufa-Lufa. Por mais que todos achem que devo fazer algo depressa, sabia que com Amber as coisas não funcionavam assim. Tudo que era precipitado demais podia causar uma catástrofe, então ia fazer tudo ao tempo dela. Àquela altura, eu sabia que era a pessoa certa pra ela. Com paciência, tudo ia terminar bem.


I sit here on the stairs
Cause I'd rather be alone
If I can't have you right now I'll wait, dear
Sometimes I get so tense
But I can't speed up the time
But you know, love, there's one more thing to consider

Patience – Gun N’ Roses