Thursday, March 15, 2012


Jamal estava andando de um lado pro outro no nosso corredor quando abri a porta do quarto. Já estava usando uma das roupas de Leslie que havia colocado na mala ainda em Hogwarts e carregava o frasco com a poção no bolso. Também já havia colocado o fio de cabelo dela, que não foi difícil conseguir quando se divide um quarto com a pessoa.

- Elas já foram? – perguntei antes de sair.
- Sim, todas já saíram para o safari. Vou perguntar mais uma vez, porque acho que é a única coisa que posso fazer: você tem certeza disso?
- Sim, tenho. Onde ele está?
- Lá em cima, já estava terminando de se arrumar pra sair do quarto. Espere no corredor. Se você entrar naquele quarto, vou abrir a boca.
- Relaxa, Jam. Ouvi bem o aviso do tio Ben, não vou fazer nenhuma besteira.

Ele soltou uma risada irônica, que ignorei, e bebi a poção. A gosto era horrível e a sensação de se transformar em outra pessoa também não era muito boa. Mesmo sendo uma transmorfo, me senti incomodada. Depois de alguns segundos o formigamento passou e Jamal soltou um suspiro de desaprovação, o que significava que eu já estava igual à Leslie. Ele avisou que ia para Downtown Disney cumprir sua parte no combinado e nos despedimos quando subi as escadas. Hiro estava saindo do quarto quando pisei no corredor e sorriu surpreso ao me ver.

- O que está fazendo aqui? – ele veio ao meu encontro e me beijou. Respirei fundo, não podia sair do personagem.
- Mudei de ideia, prefiro passar o dia com você. Está muito calor pra fazer um safari a pé.
- Que ótimo. Ia passar o dia no DisneyQuest, mas já que você está aqui, o que quer fazer?
- Queria conhecer Boardwalk, podemos ir?
- Como desejar... – ele sorriu e me beijou outra vez.

Ele estendeu a mão para mim e descemos as escadas, pegando um dos barcos que paravam na parte de trás do hotel para chegar até lá. Boardwalk era um calçadão na beira do rio, com fachadas coloridas, toldos listrados e colunas e arcos em ascensão. A decoraçao do lugar lembrava os calçadoes do século 20 das cidades costeiras. Passar o dia ali já seria bom sozinho, mas na companhia de Hiro ficou muito melhor.

Tomamos café em uma padaria na beira do rio com um senhor tocando piano bem ao nosso lado e depois alugamos bicicletas para conhecer todo o calçadão, que era muito grande. No começo estava um pouco apreensiva de dar alguma mancada, mas com o passar do dia fui relaxando e aproveitando melhor. No meio da tarde encontramos Jamal sozinho sentado em um banco tomando sorvete e Hiro parou para falar com ele, mas sabendo o que estava acontecendo, Jam logo nos dispensou e tomou o barco para Downtown Disney, onde as meninas terminariam o passeio e de onde elas não deveriam sair sem que antes ele me alertasse.

O dia estava perfeito, mas tudo que é bom, dura pouco. Já estava quase anoitecendo e entramos em uma das lojas do calçadão para ver os bichos de pelúcia e cada um foi pra um lado. Estava escolhendo alguns para comprar pras minhas sobrinhas quando Hiro voltou com uma pelúcia do Zangado na mão, rindo.

- Olha o que achei! – ele sacudia a pelúcia achando graça – Comprei pra levar pra Clara.
- Por quê? – acho que ouvir meu nome me fez parar de raciocinar por um instante, ou minha entonação para aquela pergunta teria sido diferente.
- Zangado, ela é braba e sempre a chamamos de Zangada – ele parecia estar explicando aquilo para uma criança.
- Mas por que você vai comprar isso? – outra vez, se ainda não estivesse sem raciocinar, teria elaborado melhor a pergunta.
- Porque ela vai achar engraçado... Les, não tem nada demais. Já falei pra você que não precisa ter ciúmes da Clara, nós somos só amigos. Somos melhores amigos e nunca vai passar disso.

Não faço ideia da expressão que ficou estampada no meu rosto, mas devia ser muito ruim, porque Hiro guardou o Zangado na sacola e me abraçou, me beijando sem parar. Mas era tarde demais, eu já não estava mais animada. O passeio de repente acabou e ele percebeu que era hora de voltar para o hotel, mesmo sem saber realmente o que estava acontecendo comigo.

Chegamos de volta ao hotel sem quase conversar no barco. Despedi-me dele depressa e esperei até que estivesse subindo para o 3º andar para entrar no meu quarto. Troquei de roupa cheia de vontade de chorar, mas não ia fazer isso, de jeito nenhum. Aquilo era minha culpa, se tivesse ouvido Jamal agora não estaria chateada, então eu não tinha o direito de chorar. Mas quando bateram na porta minutos depois e dei de cara com ele do lado de fora, não consegui conter algumas lágrimas de caírem.

- Acabei de encontrar com o Hiro – Jamal entrou e fechou a porta, me puxando para um abraço – Não queria dizer isso, mas eu avisei que isso não ia acabar bem.
- Eu sei, estou com raiva de mim mesma por não ter lhe escutado. Eu sou uma idiota, não sei o que pretendia ganhar com isso.
- Você queria saber se tinha alguma chance com ele.
- Bom, não tenho. Isso ficou bem claro.
- Não acho que seja um caso perdido, mas você precisa escolher melhor seus planos de ataque.
- O que ele contou a você?
- Que você ficou esquisita quando ele comprou aquela pelúcia e que não pareceu ter acreditado quando disse que eram só amigos.
- Não consegui levar isso numa boa, quase pus tudo a perder.
- Não se preocupe, já fiz um controle de danos e quando a verdadeira Leslie chegar, ele não vai tentar falar nada sobre o dia de hoje. E também já me certifiquei que Leslie não pergunte a ele como foi o dia, e nem conte nada do dela.
- O que você fez?
- Tudo que precisa saber é que, no que depender de mim, eles não vão falar sobre o que fizeram hoje.
- Você é o melhor, sabia?
- É, eu sei, o que seria de vocês sem o Jamal para resolver tudo?

Ele me abraçou e beijou minha testa, mandando que eu lavasse o rosto para descer com ele para o cinema ao ar livre que já estava quase começando. Sentamos na grama e quando vi que o filme que ia passar era O Rei Leão, já comecei a chorar por antecipação. Ele riu e me puxou pra perto dele, me abraçando. De relance vi Hiro assistindo ao filme da varanda do 3º andar e vez ou outra ele olhava na nossa direção, mas eu evitava olhar. As coisas já estavam ruins o suficiente, eu não precisava ficar me torturando.

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As meninas chegaram logo depois que o filme acabou e sem conseguir disfarçar que estava chateada, acabei contando a elas toda a verdade. As reações foram variadas: Haley ficou surpresa e disse que nunca esperaria que eu fizesse algo desse tipo; Lena não concordou com o que fiz, mas disse estar satisfeita por eu ao menos admitir estar errada; Arte ficou feliz por eu ter finalmente confessado o que sentia por Hiro a elas, mas também não aprovava a história da poção e disse que eu deveria ter coragem de falar com ele, e não enganá-lo; e Keiko, bom, Keiko deu um ataque não por eu ter enganado Hiro, mas sim por estar gostando dele. No fim acabamos esquecendo a parte ruim da história e conversando sobre como eu havia chegado àquela situação com a pessoa mais improvável do planeta. E claro, elas prometeram não contar a ninguém sobre isso, muito menos a Hiro.

Acordei me sentindo melhor na manhã seguinte, mas ainda não estava o que se podia chamar de animada. Todos haviam combinado de passar o dia no Epcot e, sem apetite, enquanto todos tomavam café para sair eu sentei na calçada do pátio para esperar a hora de sair. Estava distraída vendo os esquilos correndo pelos canteiros e não percebi que Hiro havia sentado ao meu lado. Ok, eu errei, mas eu merecia mesmo essa punição?

- Como foi o passeio ontem? Gostaram do safari a pé? – ele perguntou animado.
- Eu não fui. Não estava me sentindo muito bem, fiquei no hotel – menti, afinal, nem sob tortura ia dizer a verdade.
- Você parece triste mesmo, aconteceu alguma coisa?
- Não é nada demais, não se preocupe.
- Antes que eu esqueça... – ele abriu a mochila e puxou o Zangado que havia comprado ontem – Pra você. Vi ontem em uma loja em Boardwalk e não resisti.
- Que engraçado você é – disse sorrindo quando ele me deu a pelúcia do anão.
- Ei, fiz você sorrir. Tem certeza que não é nada demais? Não tem nada que eu possa fazer pra ajudar? Não estou acostumado a ver você com essa cara triste.
- Obrigada, mas ninguém pode me ajudar. Eu vou ficar bem, só preciso de uns dias.
- Clara está triste porque terminou com o James – Jamal apareceu atrás de mim e sentou na ponta do banco – Eles decidiram que era melhor assim.
- De onde você saiu? – Hiro perguntou exatamente o eu tinha em mente.
- Estava ouvindo a conversa, foi mal – ele me encarou e não precisei dizer nada para ele saber que estava agradecendo mentalmente por ter aparecido para me socorrer.
- Achei que ele era o cara de quem você gostava. Sabe, pra namorar. Vocês nunca assumiram nada, mas sempre achei que um dia isso ia acontecer.
- Estava pensando na possibilidade, confesso.
- E?
- Não ia dar certo. Então terminamos.
- Sinto muito.
- É, eu também.
- James sempre foi como um relacionamento substituto pra Clara, e era isso que a dificultava de formar novos laços – Jamal comentou parecendo um psicólogo – Estava na hora de terminar e seguir em frente.
- Um relacionamento substituto não é necessariamente uma coisa ruim, assim se pode evitar a dor de uma rejeição, que mesmo passando rápido, é desconfortável – completei e Hiro sacudiu a cabeça, discordando.
- Olha, sinto muito pelo que houve, mas quer saber? Se James não sabe a sorte que tinha quando estava com você, é porque ele não te merece.
- A grande maioria dos relacionamentos é temporário, Hiro.
- Não, isso não é verdade, você está enganada. Existe um alguém para todo mundo, alguém para você passar o resto da vida junto. Você apenas precisa estar preparada para ver. Apenas isso.
- Hiro? – Leslie apareceu do lado de fora do refeitório e acenou.
- Tenho que ir, nos encontramos no parque? – assenti e ele sorriu, se afastando.
- Quer que eu bata nele pra você? – Jamal ofereceu e comecei a rir, mas era uma risada triste – Eu bato, se me pedir.
- Não precisa bater em ninguém. Vamos, se não apressarmos o pessoal, não saímos hoje – respondi batendo em sua perna e levantamos.

Hiro não fazia ideia do que estava acontecendo e agora, mais do que nunca, eu tinha certeza que os meses restantes até a formatura seriam os mais difíceis que já enfrentei. Por quanto tempo mais eu aguentaria conviver em paz com ele e Leslie, sem estragar tudo?