Friday, April 13, 2012 A semana de Páscoa na Califórnia não poderia estar melhor. Até Clara, que não estava em seus melhores dias, tinha que admitir que estavam sendo dias agradáveis. Pela primeira vez em muito tempo conseguimos que todos tirassem folga do trabalho para viajar, até mesmo Nick e Becky conseguiram uma brecha na sobrecarregada agenda de auror para nos acompanhar. E também era a primeira viagem em família das gêmeas do tio Gabriel, que já estavam com quase quatro anos e cada vez mais parecidas com a mãe. Evan, a alguns meses de completar 7 anos, se parecia cada vez mais com tio Gabriel, por mais improvável que isso fosse. A programação inicial, priorizando as gêmeas e Evan, era a Disneylândia. Fomos direto para Anaheim e passamos três dias na cidade para curtir os dois parques, mas depois seguimos viagem de carro para Santa Monica. Nosso hotel ficava bem próximo ao píer, o que nos permitiu ficar no meio do movimento da cidade e a 30 minutos de carro do centro de Los Angeles. Nick, Becky, Clara e eu havíamos passado a quarta-feira no Six Flags e como chegamos todos no hotel se sentindo mal por ter passado o dia inteiro de cabeça pra baixo em montanhas-russas, combinamos que a quinta-feira seria 100% light. Nossa programação se resumia a encontrar o resto da família em Venice Beach e curtir a praia, e quem sabe, se a coragem permitisse, até jogar um pouco de basquete nas quadras do balneário. Até já tínhamos alugado as bicicletas que nos levariam até lá e tomávamos café em uma lanchonete no píer quando uma garota de boné e mochila com um mapa na mão entrou pela porta e fez meus planos para o dia mudarem por completo. - Aquela é a Amber? – Clara perguntou indicando a garota que havia acabado de entrar. - Quem é Amber? – Nick perguntou enquanto pedia para a garçonete encher outra vez sua caneca de café. - A namorada do Rup – Becky respondeu debochada e Clara riu. - Ela não é minha namorada – respondi já levantando. - Não por falta de tentativa... – Clara completou e Becky e Nick ergueram as mãos para ela bater. - Muito engraçado – disse olhando atravessado pra eles e me afastei, parando ao lado dela do outro lado da lanchonete – Amber? - Rup! Oi! – ela se espantou ao me ver, mas me abraçou – O que está fazendo aqui? Pensei que iam ficar em Anaheim. - Eu que pergunto isso, por que não me disse que ia estar em Los Angeles? - Mudança de planos de última hora... Obrigada! – ela agradeceu o café ao balconista e se encaminhou em direção à porta. - Seus pais estão aqui no píer? Vou dar um oi a eles. - Eles não vieram, estou sozinha – ela estava tentando se livrar de mim – Tenho que ir, só parei pra pedir uma informação. Nos vemos em Hogwarts? - Espere, onde está indo? – ela saiu da lanchonete, mas fui atrás. Fiz sinal para os três na mesa e eles entenderam que eu ia sair, mas que não era pra ninguém me seguir. Amber andava depressa e tenho certeza que ela só não desaparatou no meio do píer porque estávamos cercados de trouxas. Consegui alcança-la já quase do outro lado da rua. - Amber, pare – fiz menção de segurar seu braço, mas ela parou antes – O que está acontecendo? E não diga nada, porque a conheço melhor do que gosta de admitir e sei que, se veio até aqui e não me contou, está escondendo alguma coisa importante. - Meu irmão me escreveu – ela puxou uma carta amassada do bolso e me entregou – Ele está aqui em Los Angeles. Peguei a carta da sua mão e li rápido, devolvendo a ela. Russell, seu irmão mais velho, era quase um assunto proibido. Desde que a havia abandonado no orfanato aos sete anos, logo depois que seus pais desapareceram, Amber parou de confiar nas pessoas. Ela não culpava os pais por ter se tornado tão fechada, ela não sabia o que tinha acontecido com eles. Ela culpava Russell, que era a única família que lhe restava e havia prometido busca-la quando se formasse em Hogwarts, mas nunca voltou. - Papai encontrou cinco Russell Brennan morando em Los Angeles. Estava indo bater na porta do terceiro. - Por que não me disse nada? A data da carta é de quase um mês atrás. - Se tivesse contado, você e Kaley não me deixariam ir atrás dele sozinha. - Se quiser, vou embora – esperei ela me expulsar, mas ela não respondeu – Você quer que eu vá embora? - Não. Não quero fazer isso sozinha. - Então não estará sozinha. Mandei uma mensagem pra Becky dizendo que não ia voltar e acompanhei Amber até um endereço em Pasadena, a meia hora de Santa Monica. O prédio de cinco andares e aparência antiga, mas conservado, ficava na Colorado Blvd. Amber parou na entrada e podia sentir a hesitação nela, mas seguiu em frente. Quando finalmente criou coragem de tocar a campainha, um homem negro na faixa dos 40 anos abriu a porta. Definitivamente não era seu irmão. Ela se desculpou e ele foi gentil nos desejando mais sorte na próxima antes de irmos embora. Costa Mesa era o próximo destino. A cidade ficava a cerca de uma hora de carro de Pasadena, mas como nosso transporte era o ônibus, levamos mais de duas horas para chegar ao destino. Dessa vez era uma casa, mas o Russell Brennan que morava nela não tinha mais que 13 anos. Quando voltamos à rua, Amber estava mais calada que o normal. Restava apenas um endereço, o que significava que era nele que seu irmão morava. - Vamos? – peguei o papel com os endereços em sua mão – Palmdale é muito longe, vamos levar umas três horas pra chegar lá – ela não respondeu, tampouco se moveu – Que tal almoçarmos? Já passa das duas. Ela concordou, claramente aliviada por ter uma desculpa de adiar em mais algumas horas o momento pelo qual ela vem esperando desde os sete anos. Encontramos uma lanchonete não muito longe do bairro onde o Russell de 13 anos morava e demoramos muito mais que o necessário para terminarmos nossos sanduiches. Quando não dava mais para enrolar, Amber deixou que eu pedisse a conta e partimos. Perdemos muito mais que três horas para chegar até Palmdale. Como já passava das 15h, o transito estava um verdadeiro nó. Quando finalmente descemos o céu já começava a querer escurecer e minha família já devia estar deixando Venice Beach de volta para Santa Monica. Era outra casa, em um bairro típico do subúrbio americano. As crianças já estavam de volta da escola e a rua estava tomada por elas, correndo de um lado pro outro a pé ou em suas bicicletas. Caminhamos até o numero indicado no endereço e Amber se dirigiu até a porta, mas parou no meio do caminho. - O que houve? - perguntei a alcançando. Andava sempre dois passos atrás dela quando ela ia bater na porta de alguém. - Isso foi um erro, não posso fazer isso – ela havia entrado no modo racional automático, quando dificilmente conseguíamos fazê-la mudar de ideia. - Se não está pronta pra isso podemos ir embora, mas pense bem. Chegamos até aqui, quer mesmo desistir? - E se não for como imaginei? - Quer dizer se ele a convencer a perdoá-lo? – ela hesitou, mas assentiu – Então você vai ter seu irmão de volta. Tem que dizer a ele tudo que está entalado, mas também deve ouvi-lo, entender seus motivos. - Não, não posso fazer isso! – ela passou por mim em direção a rua, mas a porta da casa abriu de repente, congelando nós dois. Uma garotinha loira de no máximo cinco anos passou correndo pelo jardim e um homem em torno dos seus 30 anos saiu atrás dela, gritando para que ela não corresse daquela maneira. Não havia necessidade alguma de perguntar seu nome, porque ele era uma cópia fiel de Amber, mas homem e 10 anos mais velho. Ele saiu atrás da garota, mas quando seus olhos baterem nela, ele congelou. -Amber? – primeiro o espanto, depois seu rosto se iluminou em um sorriso sincero. Ele fez menção de abraçá-la, mas ela recuou – É você mesma? - Você me abandonou – foi a única coisa que Amber conseguiu dizer, mas ao menos não fugiu. - Nina, eu sinto muito, mas nunca foi minha intenção deixa-la pra trás. - Não me chame assim! Não tem o direito! - Por favor, vamos entrar. Temos tanto o que conversar, quero que você entenda tudo que aconteceu nos últimos 10 anos – ele esticou o braço para tocar seu ombro, mas ela o repeliu. - Não encoste em mim! – e saiu andando na direção da rua. - Amber! – fiz sinal para ele esperar e corri atrás dela. Ela só parou quando segurei seu braço – Ei, o que está fazendo? - Foi um erro vir aqui, não quero ouvir suas desculpas. Ele me abandonou! - Eu sei, ele foi um idiota, mas porque não lhe dá uma chance de explicar? Ele tinha 17 anos, talvez não tenha tido escolha. - Você está do lado dele? – ela ficou zangada. - Não, claro que não! Estou do seu lado, sempre. Só que acho que deve ouvi-lo. Goste ou não, ele é seu irmão. Seu único laço com sua família biológica. Ela olhou para Russell, em pé no meio da calçada, visivelmente abatido. Pensei que ela fosse voltar, dar a ele uma chance, mas não poderia estar mais enganado. Amber deu uma olhada rápida na rua e quando nenhuma das crianças parecia estar prestando atenção ao que acontecia ali, desaparatou. Seu irmão correu até onde eu ainda estava parado, desesperado para saber onde ela estava, mas eu não fazia ideia de onde ela havia ido. Era a primeira vez que via Russell Brennan, tudo que sabia a seu respeito tinha sido contado pela versão de Amber, mas por alguma razão sabia que sua preocupação em recuperar a relação que tinha com a irmã era verdadeira. Não fazia ideia de onde Amber estava hospedada, mas sabia o que fazer. Com uma única ligação para seu pai, descobri que ela estava no Four Seasons de Hollywood e ele me deu até o numero do quarto. Convenci Russell a me deixar conversar com ela antes dele tentar qualquer coisa, porque a conhecia melhor que ele para saber que, caso se sentisse pressionada, ia se fechar ainda mais. Ele acabou concordando, mas não tinha muita opção. Sua esposa estava trabalhando e não poderia deixar a filha sozinha, nem queria levar ela para o que poderia ser um confronto pesado. Não ia pegar ônibus para levar mais três horas até o centro de Los Angeles, então desaparatei de dentro da casa na rua deserta mais próxima do Four Seasons. Era um hotel cinco estrelas, não tinha duvidas. Parei na recepção para perguntar pelo quarto e eles a chamaram no interfone. Respirei aliviado quando ela atendeu, ao menos tinha voltado direto para ele. A recepcionista me autorizou a subir e ela já estava com a porta aberta quando cheguei à cobertura. O quarto era um mini apartamento, com uma sala grande e duas portas nas laterais, cada uma levando a um quarto. Era ali que seus pais sempre se hospedavam quando visitavam a Califórnia, tendo um quarto só deles e outro dela. - Como me achou? – ela perguntou quando fechou a porta. - Liguei para o seu pai. - Claro. - Você está bem? - Sim – ela sentou no sofá tentando parecer indiferente, mas não durou muito – Não. - O que houve? – perguntei sentando ao seu lado. - Perdi o controle. Ele tem uma família só dele. - O que esperava encontrar? - Não sei – ela admitiu – Não acho que estaria preparada para o que quer que fosse. - Não estou dizendo que abandoná-la foi certo, mas se ele não a queria em sua vida, por que lhe escreveu agora, 10 anos depois? – ela deu de ombros, sem saber o que responder – Ele deve ter tido uma boa razão para isso e você deveria dar a ele a oportunidade de contá-la. Mesmo que depois não queria mais vê-lo, não quer poder dizer a ele tudo que vem guardando todo esse tempo? - Gritar com ele faria com que eu me sentisse melhor. Ela relaxou um pouco e passamos a noite inteira conversando sobre seus sentimentos conflitantes sobre o irmão. Com um pouco de resistência, ela concordou em conversar com ele no dia seguinte e ligou para sua casa. Em poucas palavras, combinaram de se encontrar no hotel depois que ele saísse do trabalho, já que ela se recusou a ir até sua casa. Para não passar o dia inteiro sozinha na ansiedade de como a conversa ocorreria, convidei-a para passar o dia conosco na Universal Studios. - Kaley me ligou antes de você chegar, histérica e me dando bronca – ela disse mudando de assunto de repente – Você ligou pra ela? - Não – ela me olhou desconfiada – Mandei uma mensagem. Achei que talvez não estivesse no hotel, queria saber se tinha procurado por ela. - Eu o respeitava tanto, Rup – ela voltou ao assunto Russell – Quando era pequena. Prendia-me em cada palavra que dizia, achava que ele era a pessoa mais sábia do mundo. Mais até que meus pais. Então, depois de um tempo, percebi que ele só inventava a maioria das histórias para me impressionar, mas não me importava. Não acredito que ficamos tantos anos sem nos ver. - Sabe o que pensei quando a conheci? Que você era um enigma, que eu talvez nunca fosse capaz de decifrar. Sempre com a guarda levantada e sem deixar ninguém se aproximar, intimidadora. E mesmo agora, depois de ter quebrado essa barreira, ainda consigo me impressionar com a profundidade de sua força, seu jeito diferente, mas verdadeiro, de lidar com sentimentos... E sua beleza, claro – completei em tom de brincadeira. - Você também não é de se jogar fora, Rup – e ela respondeu com um sorriso lindo no rosto. Ficamos em silêncio na sala, nos encarando sem desviar o olhar. Amber estava à vontade o suficiente para não me afastar, mas não tinha certeza de até que ponto estaria sendo prudente. Ela já havia deixado claro que não estava preparada para entrar nesse território e se eu insistisse, podia acabar fazendo com que ela se fechasse ainda mais. Não sei se teria tentado alguma coisa, porque ela foi mais rápida. - Acho melhor eu dormir, está tarde – ela se levantou de repente do sofá, caminhando na direção da porta de seu quarto – Nos vemos amanhã na Universal. Boa noite. - Amber. - Boa noite, Rupert. E fechou a porta do quarto, me deixando sozinho na sala. °°°°°°°°° Amber fechou a porta e encostou o corpo contra ela, deslizando até o chão, as mãos na cabeça. Era a primeira vez, em muito tempo, que ela perdia o controle das emoções. Se por um lado o que mais queria fazer era abrir a porta do quarto e voltar para a sala, voltar para onde havia deixado Rupert e dizer tudo que tinha vontade, seu lado racional dizia que ainda não era o momento certo, que uma precipitação poderia colocar tudo a perder. Os 30 segundos que passou sentada no chão do quarto com a cabeça apoiada na porta pareceram uma eternidade. Nunca havia feito um esforço tão grande para manter a racionalidade, mas no fim quem venceu foi a vontade irracional. Ela levantou do chão, respirou fundo e apertou os dedos contra a maçaneta. Abriu a porta bem a tempo de ver Rupert fechando a da sala ao sair. |