Sunday, May 27, 2012


Domingo, final do campeonato de quadribol.

Maio passou como um raio. Entre o aumento de revisão de matérias para os N.I.E.M.s, Arte tendo recuperado a memória, os treinamentos com a AD e os treinos cada vez mais intensos de quadribol, mal tínhamos tempo para relaxar. A temporada de jogos estava chegando ao fim e restavam apenas quatro times disputando duas vagas para a final, entre eles a Sonserina. Haley estava virando uma maníaca, mas por mais que estivesse a ponto de nos levar à loucura, queríamos tanto deixar Hogwarts como os atuais campeões que ninguém reclamava. A vantagem era que chegávamos tão esgotados no salão comunal que desmaiávamos na cama.

Tivemos uma semifinal disputada contra a Sapientai Angeli. A partida durou mais de uma hora, mas conseguimos a tão sonhada vaga com um placar de 230 x 180. A outra vaga, para a felicidade de Alvo, ficou com a Grifinória. Desde que havia conquistado o posto de apanhador no time da Sonserina, Tiago não deixava o irmão em paz e Alvo vinha esperando por uma oportunidade de provar ao irmão que se não era melhor que ele, ao menos era tão bom quanto.

Nosso time estava preparado, mas nem por isso estávamos tranquilos. A partida para decidir o 3º e o 4º lugar havia sido no sábado e entre Sapientai Angeli e Red Phanters, o time de Beauxbatons levou a melhor. Com o 3º lugar garantido, Gabriela e Devon passaram no nosso vestiário antes da partida para nos desejar boa sorte e dizer que estavam torcendo pela Sonserina. Assim que eles saíram Haley começou seu discurso motivacional, mas estava tão ansiosa que ele não fez muito sentido. Por fim ela desistiu, apenas pedindo que jogássemos como se aquela fosse a última partida de quadribol das nossas vidas, o que para três de nós de fato era mesmo.

Como esperado, não foi uma partida fácil. O time da Grifinória era organizado e eficiente, e agora que Arte estava 100%, era difícil fazer a goles atravessar os aros. Mas se Arte era uma barreira nos aros da Grifinória, os nossos também estavam muito bem protegidos por Jack. Ele era uma verdadeira muralha, bloqueando todas as tentativas de gol dos artilheiros adversários. E Haley havia insistindo tanto em praticar jogadas ensaiadas que todas as noites exaustivas no campo de quadribol deram resultado. A melhor de todas foi a Manobra de Ploy, onde JJ furou a defesa da Grifinória com a goles debaixo do braço e empinou a vassoura em quase 90º, subindo e atraindo James e Elena para o alto e depois atirando a goles para baixo. Escórpio, sincronizado com ele, agarrou-a no ar e só com Daniel para freá-lo, fez o gol.

Estávamos tão sincronizados que os três até arriscavam alguns passes revés, que era quando os artilheiros jogavam a goles por cima dos ombros para o outro pegar, e isso estava animando a torcida. A cada passe revés que eles faziam, a área verde da arquibancada ia ao delírio. A Grifinória também havia ensaiado algumas jogadas, como quando Luky arriscou um Rebate Falso e acertou o balaço para trás, nos confundindo por um instante e facilitando que Elena marcasse um gol, mas Keiko e eu também tínhamos nossos truques na manga. A Dupla-Defesa era o nosso favorito. Quando víamos que ia dar tempo, voávamos na direção do mesmo balaço e o rebatíamos juntas, dando um impulso maior e desequilibrando quem quer que estivesse na direção dele.

A partida estava empatada em 110 x 110 e com quase uma hora de duração, já estávamos todos exaustos. As manobras já não eram mais tão eficientes e os passes nem sempre davam certo, mas ninguém entregava os pontos. Tinha acabado de rebater um balaço que por pouco não arrancou o nariz de James fora quando vi Tiago jogar a vassoura para o alto e Alvo disparar em seu alcanço. O pomo voava logo acima deles e quando achava que a Grifinória ia levar a melhor, ele fez um mergulho e desceu a toda velocidade. Alvo mergulhou atrás dele primeiro, mas Tiago estava colado nele. O pomo voava em ziguezague, deixando não só eles, mas todo mundo zonzo, e de repente disparou na direção dos aros da Grifinória. Arte só teve tempo de descer a vassoura antes do pomo, Alvo e Tiago atravessarem cada um por dentro de um aro. O pomo tornou a fazer outra virada brusca e Alvo jogou a vassoura para o lado certo, conseguindo agarrar a asa dele. Ele se atrapalhou um pouco para colocar a vassoura no eixo outra vez, mas já tinha o pomo preso na mão erguida.

Atirei o bastão para o alto e voei na direção dele, que gritava enlouquecido com o pomo de asa quebrada preso na mão esquerda. Tudo que vi pelos cinco minutos seguintes foram borrões verde e prata enquanto pulávamos abraçados no meio do campo e tudo que ouvia eram gritos alucinados vindo das arquibancadas. Mal me lembro de quando recebemos os parabéns do time da Grifinória, nem de quando recebemos a taça das mãos da professora McGonagall, tampouco do discurso de agradecimento de Haley à nossa torcida, mas lembro do tio Yoshi chorando e pulando ao mesmo tempo no meio dos professores e de Sheldon, mesmo ainda parecendo deslocado, gritando Sonserina junto dos outros alunos.

Quanto à festa de comemoração... Bom, dessa então eu não me lembro de absolutamente nada. Ou seja, ela foi a melhor de todas.

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Acordei mais cedo do que o normal naquela manhã de terça-feira. Era tão cedo que nem tive coragem de chamar as meninas para a nossa corrida matinal. Ainda estava muito escuro lá fora, então calcei o tênis e deixei o dormitório sozinha. Eram 4h da manhã, mas por mais que tenha ido dormir tarde, não conseguia mais pregar os olhos. Uma sensação estranha, sensação de que algo muito ruim está prestes a acontecer, me impedia de continuar dormindo. Não sabia o que era, mas a inquietação era tanta que a única maneira de me afastar dela era correndo.

Cheguei perto dos limites da floresta negra antes de voltar. Corríamos por lá tantas vezes que não precisava mais da trilha para me localizar, sempre sabia que direção seguir ou se estava longe demais do castelo. Sem as meninas para acompanhar o ritmo, acabei correndo rápido demais e antes das 6h já estava de volta. Sentia-me totalmente alerta e morta de fome, então meus pés automaticamente foram para a cozinha. Ainda era muito cedo, os elfos não tinham servido o café da manhã, mas sem duvida já o estavam preparando e quem sabe não conseguia roubar um bolinho antes de tomar banho.

- Jamal? – disse surpresa ao entrar na cozinha e me deparar com ele de avental e com as mãos sujas de massa – O que está fazendo aqui?
- Perdi o sono e vim ver se já tinha café, acabei ajudando a fazer cupcakes – ele deu de ombros, mas parecia chateado.
- Aconteceu alguma coisa? – disse sentando na mesa em frente a ele e pegando um dos cupcakes prontos.
- Não, por quê? – ele não me encarava e isso me deu a certeza de que algo estava errado.
- Está ranzinza. Você nunca fica ranzinza.
- Não estou ranzinza! – respondeu na defensiva, o que só provava que eu estava certa – Só estou concentrado, os elfos disseram que se mexer errado estraga a massa.
- Qual é, Jamal? Está mesmo dizendo que está com essa cara de bunda por causa de uma massa de bolo?
- Não é bolo, é cupcake.
- Fala logo qual é o problema ou jogo esse suco de abóbora na massa – disse segurando a jarra perigosamente perto da bacia na mão dele – Um, dois, três...
- Você estava botando pilha pra Penny ficar com o Zach na festa da vitória domingo! – disse enfim, quando uma gota de suco pingou na massa.
- Mentira que você está com esse bico do tamanho de um abacaxi por causa disso! – comecei a rir e ele ficou ainda mais brabo, mas não consegui evitar.
- Logico, você fez pra me provocar! Você sabia que eu ia chegar nela e a empurrou pro Zach!
- Claro que eu não sabia de nada, você chega em todo mundo! – ele atirou a massa dentro da bacia e apoiou as mãos na cintura, o que me fez rir – Desculpa, mas é muito difícil discutir com alguém usando um avental.
- Não tem graça.
- Você já parou pra ouvir o que está dizendo? Você, Jamal Coleman Shacklebolt, está morrendo de ciúmes.
- Não estou com ciúmes coisa nenhuma.
- Nós fizemos uma promessa dois anos atrás. Eu cumpri a minha parte, você vai cumprir a sua?

Roubei outro cupcake do tabuleiro e levantei da mesa, saindo da cozinha sem esperar por uma resposta. Sabia que ela não viria agora, mas sabia que viria. Tomei um banho demorado no banheiro dos monitores, na esperança de relaxar um pouco, e quando as meninas finalmente acordaram e se aprontaram para tomar café, já estava agitada outra vez. A sensação ruim estava de volta e sem ter mais o que fazer para abafá-la, começava a ficar aflita.

- Você está pálida – Keiko comentou quando sentei ao lado delas na mesa do salão principal.
- Está parecendo a noiva cadáver outra vez – Haley apontou para o meu rosto, onde um par de olheiras me acompanhava fazia alguns dias.
- Não consegui dormir direito, estou acordada desde as 4h – mordi um dos cupcakes feitos por Jamal e apoiei a cabeça no braço – Estou com uma sensação ruim e não sei o que é.
- Bom, Arte nos avisou que os vampiros vão atacar amanhã – Keiko disse em voz baixa, olhando para os lados – Deve ser isso. Você sabe que vamos ter que lutar outra vez e está aflita.
- Não, não é isso. Estou ansiosa para enfrentá-los, isso que estou sentindo é diferente. É sensação de que algo muito ruim está para acontecer e não tem nada a ver com essa guerra.
- Ah, Srta. Lupin, que bom que já está aqui – a professora McGonagall entrou agitada no salão e parou ao meu lado – Preciso que me acompanhe. E traga seu material, não vai acompanhar a turma nas aulas de hoje.
- O que houve? – olhei para as meninas, preocupada.
- Sua mãe está aqui, ela veio lhe buscar.
- É essa a sensação ruim – disse enquanto me levantava e recolhia meu material.

Caminhei com McGonagall até seu escritório, onde minha mãe me esperava. O semblante sério quando me viu somado ao modo reconfortante como me abraçou me deu a certeza de que, o que quer que fosse a sensação ruim, era ela quem tinha vindo dizer o que era. Temi que algo tivesse acontecido ao papai ou Gabriel e sua família, mas no fundo sabia que não era por causa deles que ela estava ali.

- Ele morreu? – perguntei e ela soube a quem me referia.
- Não, mas está na hora de se despedir.

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Aquela terça-feira foi sem sombra de dúvidas um dos piores dias da minha vida. Quando chegamos ao hospital Lucas estava sedado e não podia receber visitas, então mamãe teve tempo de me contar o que estava acontecendo. Alguns meses atrás, depois de sofrer um acidente de bicicleta, Lucas precisou de um transplante de uma parte do osso da perna. Ele já estava curado da Leucemia, mas por alguma razão o osso que implantaram em sua perna era de um paciente com câncer, o que não só causou a volta da Leucemia como em um estado ainda mais avançado e inoperável. Era o temido erro médico. Ela garantiu que o responsável por isso já estava sendo processado, mas que para fosse acusado de assassinato, algum paciente que recebeu os implantes precisaria morrer. Infelizmente, o primeiro desses pacientes seria Lucas.

Ele acordou perto da hora do almoço e o Dr. Wyatt permitiu que eu ficasse no quarto com ele. Conversamos durante a tarde inteira e era doloroso ver o quanto ele estava conformado em morrer. Ninguém deveria se conformar com isso, mas Lucas parecia ter entregado os pontos. Fiz um esforço fora do comum para não chorar na frente dele. Embora não tivéssemos mencionado isso em momento algum, sabíamos que aquela era a nossa despedida. Sabíamos que, quando eu saísse daquele quarto, nunca mais voltaríamos a conversar. Mamãe me chamou para ir embora perto das 19h e demos um abraço demorado, como se não quiséssemos mais nos soltar dele, e quando nos afastamos não consegui impedir que algumas lágrimas escorressem. Lucas sorriu e seus olhos também se encheram de lágrimas, mas sai do quarto antes que ele pudesse deixá-las cair.

Chorei tudo que segurei durante a tarde na viagem de volta a Hogwarts. Mamãe ainda perguntou se não queria ir para casa com ela, mas amanhã seria o dia do ataque de Cadarn e por mais abalada que tivesse, queria estar lá para ajudar meus amigos. Se minha aparência estava ruim quando sai pela manhã, passar quase uma hora chorando sem parar havia piorado a situação. As meninas vieram desesperadas quando me viram querendo saber o que havia acontecido e quando contei a elas, ninguém sabia o que dizer. Não havia o que dizer, essa era a verdade. Arte havia marcado uma reunião de emergência da AD praquela noite, mas pedi desculpas a ela e disse que não ia comparecer. Não tinha a menor condição de ser útil em uma reunião de estratégia. Quando a operação começasse, dali algumas horas, eu estaria pronta.

Haley e Keiko se ofereceram para ficar comigo no dormitório e agradeci a oferta, mas recusei. Precisava ficar sozinha. Tudo que queria para a noite era deitar na cama abraçada ao meu travesseiro e chorar a perda do meu amigo em paz. Fiquei a noite inteira sozinha no dormitório, já que todos os alunos do 7º ano da Sonserina e as meninas de Beauxbatons estavam na reunião. Passava tanta coisa pela minha cabeça enquanto chorava encolhida na cama, de como eu odiei o castigo imposto por minha mãe que resultou na minha amizade com Lucas e em como tudo aquilo acabou me ajudando a decidir o meu futuro.

Ouvi uma batida na porta e olhei para o relógio, já marcava quase 22h. Continuei na mesma posição e bateram outra vez.

- Clara? – reconheci a voz de Hiro, mas não virei.
- A reunião já acabou? – perguntei tentando disfarçar a voz de choro, mas não era uma tarefa fácil. Estava tão triste que não me importava se ainda estava com raiva dele.
- Não, Arte ainda tem muita coisa pra repassar, mas pedi pra sair antes. Estava preocupado com você.
- Eu estou bem – nem sei por que me dei ao trabalho de mentir, já que ele nunca acreditaria.
- Eu não vou voltar pra lá. Se quiser conversar, estou organizando algumas coisas que ela pediu no meu dormitório.

Assenti ainda de costas pra ele e senti que ele demorou um tempo até sair do quarto, mas por fim foi embora e me deixou sozinha. Uma vez disse que quando estava muito triste, sempre tomava as decisões erradas. Naquela noite eu extrapolei todos os limites. Hiro havia saído do quarto há quase 10 minutos quando vi o Zangado de pelúcia que ele havia me dado sentado na cômoda do outro lado do quarto. Meu travesseiro já estava encharcado de tantas lágrimas e não aguentava mais ficar ali lamentando por algo que não tinha conserto. Sequei o rosto molhado e levantei, traçando uma reta sem pensar nas consequências até o quarto dos meninos. Bati na porta duas vezes e ele a abriu.

- Está sozinho?
- Sim. Quer conversar?
- Não.

Hiro não esperava por aquilo. Agarrei seu rosto com as mãos e o beijei, empurrando seu corpo contra a porta. Pensei que ele fosse recuar, mas ele não hesitou nem por um segundo e me pegou pela cintura, me guiando na direção da cama com uma de suas mãos já desabotoando minha blusa. Os beijos e movimentos começavam a ficar mais urgentes e perigosos quando ouvimos a voz de Sheldon dando uma bronca em algum aluno no salão comunal. Hiro levou um susto tão grande que bateu com a cabeça no dorsel da cama. Levantei depressa abotoando a blusa e Hiro tentou resgatar sua camisa, mas não foi rápido o bastante.

- Clara, não sabia que estava aqui – Sheldon disse surpreso quando entrou no quarto, mas era o Sheldon. Ele nunca perceberia o que estava prestes a acontecer ali, mesmo que Hiro estivesse descabelado e com a camisa na mão – Está melhor? Sinto muito pelo seu amigo.
- Obrigada, Sheldon. Já estou de saída. Boa noite.
- Boa noite... – Hiro respondeu ainda ofegante.

Quando cheguei de volta ao meu dormitório, com um sorriso estampado no rosto, adormeci assim que minha cabeça encostou no travesseiro. Era daquele consolo que eu estava precisando.


I miss the sound of your voice
And I miss the rush of your skin
And I miss the still of the silence
As you breathe out and I breathe in

If I could walk on water, If I could tell you what's next
Make you believe, make you forget

So come on, get higher, loosen my lips
Faith and desire in the swing of your hips
Just pull me down hard
And drown me in love.

Come On Get Higher – Matt Nathanson