Monday, May 21, 2012

Kairos


Lembranças de Artemis A. C. Chronos

Início de Maio de 2017, Avalon

Eu acordei lentamente, espreguiçando-me e logo percebi que estava diferente.
A primeira coisa a se notar era como eu estava radiante de alegria.
Acordei abraçada a ele, com minha cabeça em seu ombro, adormecidos juntos. As memórias daquela noite e de todos os anos juntos me enchiam de alegria e a dor de pensar que por alguns meses eu esquecera completamente dele, ainda doía o peito. A despedida, quando achei que o perderia para sempre, também doía, mas fora o que me fizera me lembrar dele. A prova viva do retorno de minhas memórias sobre ele era o pingente que ressurgira, como se formado do ar, preso em meu pescoço.
Junto de minhas lembranças sobre Tuor, voltaram também os meus poderes e ali abraçada a ele eu percebi que não foram apenas os meus poderes normais que voltaram. Eles voltaram multiplicados em dezenas de vezes e eu estava mais forte e poderosa do que jamais fui.
Percebi também que eu acordara por um motivo, como se alguém me chamasse. Por mais que eu quisesse ficar abraçada a ele, sabia que era importante responder ao chamado.
Avalon parecia ainda mais brilhante, banhada pelo sol que nascia. A névoa que cobria a ilha não era fria, mas sim morna, o que não é natural mesmo em Avalon.
Beijei o rosto de Tuor e acariciei seu rosto, enquanto ele dormia. Eu sabia que o que quer que me chamava, não faria mal a ele, e também que ele permaneceria dormindo.
Me levantei enrolada em meu vestido que reconheci como o vestido cerimonial e o vesti, prendendo-o em minha cintura, enquanto me perguntava o porque de eu estar tão mais forte.
Então me lembrei da época do ano. Maio... Início do Verão e uma palavra me veio a mente, me fazendo compreender: Beltane.
- Sim, minha querida, os Festivais de Beltane. – Uma voz doce e antiga falou as minhas costas e quando me virei, vi que Tuor havia desaparecido, mas eu não me preocupei, sabendo que era o meu corpo e minha alma que haviam sido transportados.
Estava agora no topo da mais alta torre de Avalon, a Torre dos Olhos. Essa torre não tinha paredes, de modo que Arturia era capaz de montar seus dragões ali e voar livremente. Além disso, a torre dava uma visão em 360º espetacular de todos os arredores da ilha. Como o céu estava claro, eu podia ver até mesmo o convento de Glastonbury. Assim que ouvi a voz eu reconheci de imediato quem falava comigo.
Nós duas éramos parecidas, praticamente iguais, se não fossem os cabelos e os olhos. Ela tinha cabelos loiros e os olhos verdes característicos de nossa família, em contraste com os meus olhos azuis e cabelos castanhos. Ela era apenas um pouco mais alta que eu e parecia um pouco mais velha, não mais do que 5 anos.
- Arturia.
- Artemis. – Nós duas falamos ao mesmo tempo, trocando olhares cúmplices e alegres. – É engraçado como você viu todo o meu passado e eu a acompanho desde que nasceu e mesmo assim nunca conversamos... Minha essência ainda ligada a esse mundo permaneceu assim apenas para esse momento.
- Me perdoe... – Eu comecei, ficando vermelha ao perceber o que eu e Tuor havíamos feito. Ela, porém, balançou a mão negativamente e sorriu de forma jovial e travessa.
- Aquilo foi puro, Artemis, um amor puro. Assim como é o amor de vocês, que sobreviveu ao esquecimento e à dor, tornando-se apenas mais forte. E como você bem adivinhou, os Festivais de Beltane foram cumpridos. Mas não se preocupe querida. – Ela falou, quando eu coloquei a mão sobre o ventre, até mesmo um pouco esperançosa.
Beltane era um antigo festival celta, um dos mais importantes, que representava a fertilidade e a vida da terra, marcando o início do verão e a morte do inverno, sendo comemorado até hoje pelos seguidores das crenças célticas.
- Beltane representa a fertilidade da terra e é verdade que isso muitas vezes se reflete nas mulheres, principalmente em nós, as Grandes Rainhas. Nós temos o papel junto do Rei de representar o casamento da terra com a vida, mas hoje não é o caso. Avalon é uma Ilha sagrada surgida das águas e união de todas as energias e elementos. Ela é mais antiga do que minha existência e poderosa por si só. A Ilha é movida por amor e você trouxe esse amor de volta a Avalon. Você trouxe a vida de volta a Ilha, por isso a Ilha lhe ama tanto em retorno. – Ela respondeu e eu assenti. Ela então olhou em volta, seus olhos cheio de amor e admiração. – Esse sempre foi o meu local favorito. A vista é tão bela.
- A vista é linda... E tem um ar tão calmo aqui em cima. – Eu respondi e ela assentiu. Ela sentou-se no parapeito e eu me sentei ao seu lado, sem nenhum receio da altura aos nossos pés.
- Sempre que precisava procurar inspiração e coragem eu vinha aqui. Governar um reino não era tarefa fácil e dediquei muito de mim a isso.
- E fez um papel excelente. Suas lendas são lembradas até hoje. Seu nome em si é uma lenda, um símbolo! Até hoje os ingleses acreditam que a Grande Rainha voltará à Inglaterra quando for necessária. – Eu respondi, com paixão na voz. Desde que comecei a pesquisar a história de Arturia e de minha família, me apaixonei completamente pelas lendas.
- E isso é verdade. – Arturia disse, ainda olhando para o céu. – Todas as vezes que a Inglaterra, a Bretanha, corre perigo, nasce uma mulher em nossa família que receberá o título de Grande Rainha. Era para ter existido uma Grande Rainha na época de Voldemort, mas Gomeisa preferiu sacrificar-se para garantir a força do clã e garantir a sua existência e de seus irmãos. – Arturia falou, me olhando séria. – Vocês são peças importantes no que estar por vir, principalmente você. Como Rainhas, somos poderosas e é nos dado o controle de todos os poderes dos Chronos e dos exércitos de nosso patriarca. – Ela falou e eu me lembrei de Chronos. Não via a hora de revê-lo. – Você o verá em breve.
- Estou ansiosa. É difícil acreditar que me esqueci dele e de Tuor por tantos meses...
- Foi necessário. Eu fui a responsável por transformar o amor dele em energia e trazê-la de volta e fiz com prazer. Mas era necessário pagar o preço de uma vida por isso e Tuor sacrificou todas suas memórias.
- Eu o amo tanto... – Falei corando e Arturia sorriu.
- Eu também amei muito meu Guinerfel. – Ela falou e ficamos um tempo caladas. Eu sabia como o último marido dela, Guinerfel, havia morrido. Fora doloroso e traído pelo próprio sangue, por motivos mesquinhos. – O amor de vocês é abençoado e lhes trará muita felicidade... Tuor dará um excelente Grande Rei e tenho certeza que Guinerfel dará a ele toda a sua sabedoria e força.
- Obrigada. – Eu falei e ela me sorriu.
- Artemis, acho que Chronos já lhe disse isso: você é a mais poderosa Rainha desde o meu reinado. Mas devo lhe dizer outra coisa: você superou os meus poderes, minha cara. Você venceu as trevas de sua mente, de seu coração e de sua vida, tornando-se um ser poderoso e bondoso. Você é digna de carregar o título de Grande Rainha, e eu sou honrada por ser sua antepassada. – Ela falou solene e eu corei, mas fiquei calada, pois sabia que ela tinha coisas importantes a dizer.
- Agora que você finalmente acordou todos os seus poderes, eu quero lhe dar um último presente e ensinamento, que lhe será muito importante nas batalhas por vir. Lhe ensinarei duas coisas que você precisará para o que estar por vir e lhe indicarei o caminho para conseguir tudo isso.
Eu cometi muitos erros em minha vida e espero que possa ajudá-la a não cometê-los também. O primeiro, e talvez o maior deles, foi não saber controlar o envelhecimento de meu corpo. Nossa família possui longevidade grande e eu não soube controlar essa longevidade. Isso fez com que meu povo me considerasse uma deusa, o que foi um erro. Eles passaram a acreditar que eu era capaz de tudo e também despertei o desejo carnal de muitos homens, causando guerras e disputas... E por fim causei a traição de meu próprio neto.
Mordred perdeu-se em seu desejo carnal por mim, pois ele desejava mais do que meu poder, ele desejava a mim de um modo que nenhum familiar deve desejar o outro.
Quando ele nos traiu eu cometi meu segundo grande erro.
Abalada pela perda de Guinerfel e movida apenas pelo desejo de vingança, eu sabia que deveria liderar meu povo e meus homens para a grande batalha contra meu neto. Eu não esperava que ele seria capaz de libertar tantos demônios do mundo de Chronos e não percebi o quão abalada ainda estava para lutar.
Eu sabia que tinha que ser forte e liderar meu povo naquela luta, mas esse foi o erro. Eu deveria ter dado a liderança da batalha para um de meus filhos e poder lamentar a perda de meu marido como deveria.
Mas a vingança e a dor tornaram minha mente nebulosa e não percebi o erro. Eu poderia enfrentar os inimigos e liderar meus homens, mas não seria capaz de protegê-los realmente.
Esse também foi seu erro ao lutar contra Gustav. Como Rainha seu dever é proteger seus amados e aliados e você cometeu o mesmo erro que eu. Você achou que proteger significaria apenas proteger o corpo deles, assim como eu. Também conjurei escudos, barreiras e proteções para meus aliados, mas de nada adiantou.
Artemis, uma Rainha deve proteger o corpo e o espírito de seus seguidores. Agora você tem o poder para isso.
As lendas sempre falaram da bainha de Excalibur, um item antigo e poderoso que me protegia de qualquer ataque e me ajudava a me curar rapidamente. – Ela falou e esticou a mão a frente. Uma bainha muito bela, trabalhada em ouro branco e safiras surgiu no ar, materializando-se em suas mãos. Mas eu soube que aquela não passava de uma imagem da verdadeira bainha. Excalibur e sua bainha haviam desaparecido, consumidas com a morte de sua mestra. – A verdadeira bainha não existe mais, mas ela me fora dada pelo primeiro Merlin, quando eles decidiram que eu seria sua Rainha. Mas o poder da bainha era ainda maior e eu trabalhei para que seus efeitos fossem sentidos por todos e não apenas por mim. Me inspirei em Avalon e usei o poder da bainha e de Excalibur para criar uma aura de proteção ao meu redor. Essa aura curava meus aliados, protegia-os e os abençoava.
Você deve ser capaz de fazer o mesmo. – Ela falou e a bainha levitou até mim. Eu estiquei o braço e a toquei. Senti um grande fluxo de energia entrar em meu corpo e soube que Arturia passada o final de seus poderes para mim. Ela então continuou.
- Você deve ser capaz de mudar o destino e o futuro de seus aliados. Você deve ser capaz de perceber os diferentes caminhos que o futuro de cada um pode assumir e fazer com que eles sigam os caminhos benignos para seus amigos.
Naquela batalha, a dor de perder meu marido me impediu de realizar isto e não pude proteger o meu povo... O terror que os demônios encarnam faziam os homens mais fracos enlouquecerem e era tamanho o seu poder que eles eram capazes de atrair os piores futuros... Muitos morreram naquela batalha... A imagem do campo cheio de sangue e corpos me acompanhou pelo restante de minha vida... – Ela olhou o horizonte com os olhos tristes e eu a entendia, pois já fura assombrada por essas imagens em meus pesadelos...
- Anos depois daquela batalha, os druidas e os alquimistas conseguiram sintetizar esse efeito em uma poção, dando origem à poções da sorte e da morte e outras mais.
Os vampiros não são tão poderosos quanto os demônios e Cadarn não conseguiu invocá-los novamente, graças aos esforços dos druidas e magos de meu tempo.
Após aquela batalha decisiva, os druidas e magos unidos a mim e a minha família lacramos os grandes portões de conexão entre nossos mundos. O maior deles, Stonehenge, fora praticamente destruído no ritual de Mordred, mas os demais ainda seriam capazes de fazer a conexão entre os mundos. A Bretanha é cheio desses círculos de poder. Por isso é tão difícil a comunicação entre os dois mundos e apenas você consegue fazer a passagem, seja para si própria ou guiando outros.
Agora, como se é capaz de moldar o futuro e o destino de seus seguidores? É o que irei lhe ensinar. É meu primeiro ensinamento a você, a Dança do Destino.
Você deve ser capaz de tocar todos com sua aura e perceber cada mudança de futuro que possa acontecer. Você deve encher as almas deles também com bondade e carinho. Deve deixar a sua preocupação e seu amor por eles enchê-los atraindo assim os futuros mais benignos e promissores.
Isso será crucial em sua batalha... Cadarn está criando seres malignos com sangue de inocentes e sangue antigo que ele roubou de outros. Ele não é capaz de trazer os demônios, mas é capaz de trazer e criar parte do terror deles aqui...
E então lhe darei meu segundo e último ensinamento.
Cadarn merece pagar por seus pecados, mas não basta destruí-lo. Ele roubou milhares, talvez milhões, de vidas ao longo de sua existência. Almas que agora são torturadas e presas a esse mundo por causa dele.
Meu neto fez o mesmo. Em sua ânsia de poder, Mordred usou as almas de milhares de inocentes para trazer e controlar os Abissais.
Só há uma forma de punir alguém que faça isso. É o Ritual da Purificação. Nesse ritual, você condenará o seu alvo a danação eterna, sem jamais ter descanso, enquanto liberará as almas presas a ele para que possam descansar.
Para que o Ritual dê certo você deve colocar sua própria vida na balança e ter certeza do que quer, pois sua confiança é essencial para o sucesso do feitiço. Porém ninguém é capaz de efetuar esse Ritual sozinho, nem mesmo eu ou você e precisaremos de ajuda. Mas não basta qualquer ajuda, precisamos da ajuda de seres superiores.
Você deve invocar espíritos elevados para lhe ajudar. Um dos espíritos deve ser ligado ao alvo, um às almas que você quer libertar, um deve dar a punição que você deseja e dois ou mais devem dar a você poder e suporte.
Essa magia é difícil, muito mais do que a Dança do Destino. Exigirá mais de você e da sua magia que qualquer coisa que você fará em sua vida. Por isso, você deve ser capaz de dominar as duas armas, Lognus e Masamune. Apenas com o poder dos dois deuses você poderá efetuar o Ritual. – Ela concluiu e eu a encarei, surpresa.
- Lognus e Masamune?! Usar a lança de Chronos, tudo bem, mas a espada de Seph? Isso é impossível!
- Não, não o é. – Ela falou, olhando fundo em meus olhos. – Você será a única mortal capaz de fazê-lo, prova de que está muito acima de meus poderes e prova do quão grandiosa você se tornou. Mas você precisa estar pronta para isso. Você saberá quando e como buscá-la.
Ela falou e olhou para o céu, como se percebesse algo, então sorriu e levantou-se. Eu me levantei também e nos olhamos longamente.
- Meu tempo aqui se esgota... Guardei minhas últimas energias para esse encontro e agora vou mergulhar no descanso eterno. Mas não duvide disso: estarei ao seu lado nos seus momentos mais difíceis. – Ela falou e começaram a surgir centenas de silhuetas as suas costas. Elas rapidamente tomaram todo o horizonte, flutuando no ar. – Não apenas eu, mas todas as Rainhas antes de você e todos os membros de nossa família.
Então todos os espíritos se ajoelharam e eu reconheci alguns deles. Vi Morgana, Gomeisa, meu bisavô Alderan, minha tataravó Rigel e tantos outros. Arturia sorriu para mim e me abraçou, fazendo uma reverência. Depois ela desapareceu, assim como todos os espíritos.

Eu fiquei um tempo parada olhando o céu também, absorvendo tudo que Arturia tinha me dito. Eu sabia que as duas coisas que ela queria me ensinar eram importantes. No momento em que me abraçou, ela me passou suas últimas energias e com elas os seus conhecimentos do Ritual da Purificação e da Dança do Destino. Mas eu ainda não me sentia preparada para eles.
- Você ficará em breve, minha pequena.
A voz, tão familiar, falou as minhas costas e eu pulei de alegria, já sabendo quem era. Chronos estava parado atrás de mim e eu o abracei com força, com lágrimas nos olhos.
- Como eu pude me esquecer de você! Como você deixou isso? – Eu falei indignada e ele riu, acariciando meu cabelo.
- Era um preço necessário a pagar. Mas veja você agora, voltou mais forte e melhor que nunca! – Ele falou rindo e eu me afastei, sorrindo também. Nos encaramos por algum tempo e ele suspirou. – Fico feliz que esteja bem. Tive medo que nunca se lembrasse. Senti sua falta.
- Eu também senti, Chronos. No fundo sentia que faltava algo de muito importante para mim: você e Tuor. Eu nunca te agradeci tudo que fez por mim.
- Não precisa agradecer, é meu papel como seu guardião.
- E vou precisar muito ainda da sua proteção e sabedoria. – Eu falei sorrindo. – Mas devo agradecer!
As minhas asas brancas surgiram e nos envolveram em luz, enquanto eu transportava a mim e a ele para longe.

Eu surgi no mesmo lugar que sempre via em meus sonhos, tanto quando tinha quanto quando não tinha minhas memórias. Eu estava flutuando no céu, enquanto aos meus pés um lindo vale se estendia entre as montanhas. Haviam dois templos ali e duas pequenas casas próximas. Pessoas, um total de sete pessoas, corriam para o centro dos templos, enquanto um outro homem já os esperava, com lágrimas nos olhos.
Então Chronos surgiu diante deles e a alegria de todas aquelas pessoas, assim como a de Chronos, era intensa.
Eu senti lágrimas nos olhos, enquanto abria um largo sorriso. Chronos abraçou então as duas jovens do grupo e acariciou seus cabelos, da mesma forma que fazia comigo. Ele lhes falou e então desapareceu.
Eu sorri para ele, quando ele surgiu ao meu lado. Ele não falou nada, mas pegou minhas mãos entre as dele e as beijou, com lágrimas nos olhos.
- Obrigado, Artemis. Nunca fui capaz de revê-los em forma física.
- Isso é o mínimo que eu podia fazer por você, Chronos. É meu agradecimento. Sem você eu estaria morta, ou perdida nas diferentes realidades. E foi graças ao seu poder que eu pude fazer isso.
- Não, apenas você poderia fazer isso... Vamos voltar para casa? Há aqueles que lhe aguardam.
Ele me sorriu e eu sorri de volta. Nossas asas se abriram novamente e desaparecemos no ar.

Abri os olhos e estava sentada ao lado de Tuor, que ainda dormia e respirava calmamente. Eu me lembrava de tudo que Arturia dizia e sabia o que implicariam. Lembrava também do que eu havia feito por Chronos e sabia que ele me daria mais tempo com Tuor, nos dando privacidade.
Eu conjurei algumas coisas, como frutas, bolinhos e sucos e me deitei ao lado de Tuor. O abracei com força e aos poucos ele acordou. A primeira coisa que eu fiz foi beijá-lo intensamente e ele me retribuiu com vontade.
- Essa noite foi mágica. – Ele falou enfim. – A melhor da minha vida. Eu senti sua falta – Ele falou, afagando meu rosto e vi que tinha lágrimas nos olhos, mas sorria.
- Foi apenas a primeira de muitas. Nunca mais sairei do seu lado. – Eu falei e o beijei novamente, abrindo meu vestido. Ele sorriu e me ajudou a me despir, enquanto nos deitávamos.
Tinha coisas importantes a fazer, mas elas podiam esperar um pouco mais...

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No mesmo dia, Avalon.

- Não acha que deveríamos voltar? Seus pais devem estar preocupados.
- Eu avisei mamãe hoje de manhã que estávamos juntos. – Eu falei e ele corou um pouco, mas eu sorri. É verdade que até mesma eu corei ao pensar que mamãe imaginaria bem como tínhamos passado a noite, mas ela sorriria. – Mas há algumas coisas que preciso fazer e vou precisar da sua ajuda. – Eu falei, quando eu e Tuor entramos de mãos dadas na sala do Trono.
- Sempre te ajudarei, em tudo.
- Eu sei que sim. – Falei, beijando-o. – Bom, eu sou a Grande Rainha e preciso de um Rei. Você aceita ser meu Rei?
- Isso é um pedido de casamento?! Se for eu vou ter que recusar! Eu que tenho que te pedir em casamento! – Ele falou indignado e eu ri, fazendo biquinho.
- Vai me renegar? – Falei com cara triste e ele suspirou revirando os olhos.
- Não. Você sabe que não, mas eu quero te pedir em casamento!
- Eu deixo você pedir... Mas vai ser meu Rei e meu Campeão?
- Serei. – Ele falou e eu sorri.
- Sente-se naquele trono. – Eu indiquei o segundo trono e ele pareceu hesitar.
- Tem certeza? Lembro que você falou que isso era perigoso.
- Não mais. Confie em mim.
Tuor assentiu e sentou-se no Trono do Rei. Vi pelo seu semblante que ele sentira o fluxo de poder fluindo pelo seu corpo, mas ele resistira. Por alguns segundos vi o rosto de Guinerfel misturado ao dele e eu soube que daria certo.
Sentei-me então no Trono de Arturia e fechei os olhos.
A onda de poder foi intensa, não apenas de poder, mas de conhecimento e sabedoria também.
Me senti conectada completamente a Avalon e senti cada grão de arei da praia, cada gota d’água dos lagos e rios, cada molécula das árvores e animais. Senti também a presença ancestral dos espíritos que a habitavam.
Então expandi minha aura e senti-me conectando ao círculo de pedras diante do Templo de Chronos. Então foi como abrir os olhos diante de uma janela enorme.
Diante de mim estava toda a Bretanha. Eu podia ver cada centímetro do meu país, conectada à terra pelos círculos de poder. Viajei pelas pradarias, pelas montanhas, pelos rios e florestas. Visitei cada cidade e cada vilarejo, me conectando até mesmo aos animais e pessoas. Senti Fidelus em Hogwarts e todos os outros dragões e seres míticos, senti meus amigos e familiares. Eu era uma com a minha nação.
Então expandi ainda mais minha aura e senti quando cada círculo de poder, obelisco, pirâmide ou monumento do mundo se conectava a mim e passei a ter olhos e ouvidos ao redor do mundo inteiro.
Ainda de olhos fechados, estiquei a mão a frente e conjurei um mapa feito de energia na sala do Trono. Marquei a localização de cada esconderijo de Cadarn, cada um deles. Eu o localizei também. Sabia exatamente onde ele estava e sabia que ele nunca poderia me detectar.
Mas o mais importante: detectei onde ele estaria com precisão.
Abri os olhos exausta e Tuor correu até mim, me apoiando.
- Você está bem?
- Não poderia estar melhor. – Eu falei sorrindo.

Depois dali, guiei Tuor, sem entender muita coisa, até o Templo de Seph, no início da colina onde Camelot ficava. Ele olhou curioso para o templo e me olhou curioso.
- O que você vai fazer?
- Acabar de vez com a guerra contra Cadarn... Mas para isso, preciso entrar no Templo.
- Érr... Chronos não tinha dito que não deveríamos fazer isso?
- E não devem. – Chronos falou surgindo ao nosso lado e Tuor soltou uma exclamação de surpresa.
- Você voltou! É tão bom revê-lo.
- Obrigado, Tuor, sinto o mesmo por você. – Ele falou sorrindo e virou-se para mim.
- Tuor, poderia encher essa taça com água do poço? – Eu pedi, entregando uma taça branca nas mãos de Tuor. Ele assentiu e foi na direção do poço sagrado. Então me virei para Chronos. – Eu serei capaz de controlar os dois poderes? Um eu sei que consigo, mas os dois? – eu perguntei, direta, e Chronos assentiu.
- Sim. Você está pronta para isso. Terá o controle dos dois Poderes Primordiais, desde que ao entrar no Templo permaneça firme. Você deve se manter ligada a esse mundo quando entrar no templo. Isso é o mais importante. – Chronos falou, no momento em que Tuor chegava com uma taça da água do poço. Chronos sorriu para ele, enquanto esperava eu pegava a taça.
- Obrigada, meu amor.
- Tem certeza? A água do poço sempre aumenta seus poderes.
- Eu sei, vou precisar disso. Amo você, Tuor, com todas as minhas forças. – Falei, beijando-o com felicidade, depois pisquei para ele e virei a taça de um gole só. Uma luz branca começou a surgir ao meu redor e soube que esse era o momento.
Antes que Tuor pudesse falar outra coisa, Chronos estendeu Lognus a frente, e eu a segurei com força na mão direita. Houve uma faísca branca quando Lognus tentou me repelir, atacando-me, mas resisti e a lança me aceitou.
Então, vi o assombro no rosto de Tuor, puxei a lança para mim e, como se saísse de dentro de um poço de água, a lança estava em minhas mãos.
A Verdadeira Lognus, aquela que somente Chronos podia tocar e controlar, não um eco dela, como a que Griffon usava. Tuor sorriu e ia parabenizar-me, quando eu sorri para ele e me virei correndo, entrando no Templo, desaparecendo em suas sombras. Ele tentou correr atrás dela, mas Chronos o impediu.
- Não. Ela deve fazer isto sozinha.
- Mas o que tem lá?! Para onde ela foi?! Eu não sinto mais ela aqui! – Tuor gritou, desesperado.
- Ela sabe o que está fazendo. Devo pedir que se acalme e apenas concentre-se nela, mantendo-a nesse mundo. Confie nela, Tuor.
Tuor olhou perplexo para ele, mas se sua amada confiava no Deus, ele também confiaria. Ele andou de um lado para o outro, preocupado com ela, e com todas suas forças desejava sua volta.
           
Fui parar em um mundo diferente daquele que costumava visitar ao usar os poderes de Chronos.
Eu estava em uma dimensão escura, onde não havia luz e podia ouvir o eco de guerra, de luta e de morte. Soube no mesmo momento que estava no primeiro dos Universos de Chronos.
Eu me sentia leve e quase fechei os olhos, mas sabia que precisava manter-me firme. Pensei em meus amigos e em Tuor e a visão deles foi como se houvesse uma âncora me mantendo firme.
Lognus brilhou e seu brilho iluminou todo o espaço. A lança transmitia coragem e poder para mim e a segurou com força. Lognus não mais me machucava ao tocá-la, pelo contrário, agora o toque com o cabo da lança me transmitia energia, poder e carinho.
Então, diante de mim, surgiu um homem. Ele era exatamente igual a Chronos, porém suas doze asas eram negras como a noite. Ele tinha o mesmo porte altivo e poderoso, porém não a mesma aura de felicidade e alegria que Chronos transmitia. A aura dele era mais densa, transmitindo dever e sabedoria, um fardo enorme que ele carregava. Seus olhos eram prateados e me encarava com intensidade. Os olhos dele saltaram rapidamente para Lognus, e depois voltaram a me encarar e eu soube que ele entendera o que isso significava.
- Jurei jamais duvidar de meu irmão após o pecado que eu cometi. Confio em você para, além de nós dois, usar pela primeira e última vez os poderes de ambos. Confio a você o domínio que eu possuo, para que se torne a Única. – O homem falou, sua voz parecia mais velha e mais cansada que a de Chronos, porém era igualmente poderosa.
De sua cintura ele sacou uma longa espada, sua lâmina era prateada e seu cabo era negro. A espada era do meu tamanho e eu soube que fora a espada que servira de molde para Excalibur. A arma era enorme e extremamente poderosa. O homem a fincou no espaço com força.
Eu então me aproximei e finquei Lognus do lado da espada. Então respirei fundo e olhei mais uma vez nos olhos prateados, que relampejavam em um fogo negro.
Então toquei as duas armas com as mãos, segurando-as com força e determinação.
As armas me atacaram, e faíscas de energia saltavam delas para mim e ao meu redor. A espada lançava faíscas negras, que contrastavam com os raios brancos da lança. Percebi então que os raios brancos de Lognus começavam a se fundir aos negros da espada e percebi também que a lança não me machucava, pelo contrário, parecia lutar por mim. Eu resisti aos raios, pois agora sabia que estava pronta e não tinha mais dúvidas disso.
Com toda minha força eu puxei as armas para mim, assumindo o controle de ambas. Raios brancos e negros saltavam de uma arma para a outra e delas para mim, em uma tempestade de branco e negro.
O homem sorriu e por um momento pareceu cansado, antes de desaparecer. Porém, antes de sumir na escuridão, ele falou algo. Ele me revelou o nome daquela arma.

- Muito bem, minha jovem, agora você não é mais uma filha de Chronos. – Um homem me falou. Ele era parecido com os outros dois que encontrei também enquanto meditava e buscava me aprofundar nos meus poderes. Ele, porém, parecia mais velho que eles, e também de certa forma mais sério e poderoso. Havia um imenso livro preso a ele por correntes douradas. Ele estava parado diante de uma porta, na minha frente.
- Quem é você?
- Destino.
- Destino? Aquele que odeia Chronos? – Eu falei, me mantendo atenta e pronta para contra-atacar. Ele porém riu.
- Você acha que um velho como eu possa fazer algo a você? A não ser que esteja escrito aqui. – Ele indicou o livro preso em sua cintura. – Eu odiei muito Chronos, é verdade, mas agora, eu começo a entender tudo que ele significa. E não o odeio mais. – Ficamos em silêncio por um tempo. – Você sabe o que é essa porta?
- Não... Chronos não me explicou muito bem.
- Fez ele bem, nenhum mortal pode conhecê-la. Nem mesmo eu a conheço. Eu apenas sei que no final, minha irmã abrirá a porta e me deixará passar, apagando a luz em seguida. Logo após matar Deus, quando será o fim desse mundo.
- O que quer dizer?
- Não é para você entender. – Ele falou, olhando-me seriamente. – Estou aqui apenas para lhe dar os parabéns. Como falei, você agora não é uma Chronos... Agora você é Kairos, como apenas uma vez aconteceu.

Eu senti a presença de Tuor e corri para fora do Templo.
Quando entrei no Templo, ele estava mergulhado em escuridão, mas agora parecia haver luz prateada em todas as suas paredes e eu avançava feliz e por fim emergi do Templo.
Tuor respirou aliviado e correu até mim, levantando-me do chão enquanto me abraçava. Ele me beijou antes de qualquer coisa, e eu sorriu para ele, e só então ele notou que eu ainda segurava a lança, e agora uma espada, maior do que eu mesma.
- Uau! Isso sim é uma espada. – Ele falou, quando eu finquei ambas as armas no chão. Chronos olhava para a espada com um olhar ao mesmo tempo feliz e triste. As armas então se dissolveram no ar, virando partículas de luz.
- Sim, é A espada.
- Não quer me dizer que ela é a Excalibur?
- De certa forma. Excalibur era a espada de Arturia, mas desde que ela morreu, Excalibur desapareceu. Mas a Excalibur de Arturia era baseada nesta.
- E qual o nome dela? De quem ela é? – Tuor perguntou.
- Isso, não é o momento certo para falar. Nomes são coisa poderosas. – Eu falou, olhando para Chronos. – Mas ela nos ajudará a derrotar Cadarn.
- É chegada a hora. Meus parabéns, minha querida, você conseguiu algo que jamais foi realizado. Agora você possui os dois Poderes Primordiais. Você não é mais apenas minha filha, você se tornou Kairos. – Chronos falou.
- Destino falou a mesma coisa...
- Destino? Encontrou-se com ele? – Chronos pareceu alarmado.
- Sim, diante daquele mesmo portão... Ele me deu os parabéns e disse que agora eu era Kairos, o que isso significa?
- Então significa que você realmente está pronta para mudar a história. Se até mesmo Destino se deu o trabalho de lhe parabenizar... Kairos... De certa forma é o que sou.
- Agora sinto que estou realmente pronta. – Eu falei e sabia que isso era verdade. Tudo que Arturia me ensinou parecia penetrar fundo na minha alma, completando-me e dando-me os ensinamentos que eu precisaria. De posse da Lança e da Espada, eu sabia que seria possível fazer o que eu estava planejando. – Obrigada Tuor, obrigada Chronos. Sem vocês nunca teria chegado até aqui e não teria conseguido... Nunca teria crescido tanto nem me tornado o que sou hoje. – Eu falei sorrindo para os dois homens que esqueci por meses, mas que eram essenciais na minha vida. – Muito bem, agora podemos ir. Preciso acabar com essa guerra.
Eu invoquei minhas asas brancas e nos envolvi com elas. Porém, antes de nos transportar de volta para Hogwarts, vi sombras e silhuetas ao meu redor. Eram soldados armados para a batalha e todos tinham o “C” negro no fundo branco de Chronos e eu soube que eram os Exércitos de Chronos que surgiam para me seguir, convocados para a guerra.

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No mesmo dia, Hogwarts.

Voltar para Hogwarts foi excelente.
Rever meus amigos e meus pais foi ainda melhor.
Eu me transportei para os jardins de Hogwarts, bem do lado de Fidelus e ele foi o primeiro a me receber com carinho e urros de alegria. Me assustei de como ele estava mais jovem e altivo e soube que ele refletia o mesmo crescimento que havia em mim.
Andei de mãos dadas com Tuor pelo caminho que levava para a escola, mas sabia que em breve meus amigos nos alcançariam. Eu tinha certeza.
Perto das grandes portas, eles saíram correndo da escola, os olhos arregalados ao meu ver ao lado de Tuor. Então entenderam que eu tinha recuperado as minhas memórias e foi uma confusão de todos querendo falar ao mesmo tempo.
Clara começou a me perguntar milhares de coisas que antes eu tinha esquecido e ríamos junto sempre que eu completava o que ela ia dizer. Os outros faziam as mesmas coisas e caímos na gargalhada por nos lembrar de nossas travessuras e confusões. Keiko então lembrou de uma coisa e conjurou um álbum de fotos. Lá estava a foto de todos nós juntos em uma festa do ano passado. Eu estava abraçada com Tuor e ele beijava meu rosto, então soubemos que tudo tinha voltado ao normal.
- O que vocês fizeram? Está tão diferente! – Rupert perguntou e eu troquei um olhar com as garotas, que entenderam. Começamos a dar risadinhas e vi quando Tuor corou.
Mamãe e papai também me receberam com carinho e mamãe me olhou travessa e corei. Nós duas rimos juntas enquanto papai fingia não entender nada.
Eu estava de volta e pronta para dar um fim a Cadarn.
Já sabia exatamente o que fazer e não esperaria mais.
O fim de Cadarn estava próximo.