Monday, May 07, 2012
Sexta-feira era sempre um dia ruim, com três tempos seguidos
de Transfiguração de manhã e mais três tempos de DCAT depois do almoço, mas
aquela estava sendo particularmente cruel. Alheios aos meus problemas fúteis,
tio Ben e tio George me fizeram trabalhar em dupla com Leslie o dia inteiro. Desde
o meu surto, onde gritei pra quem quisesse ouvir o que sentia por Hiro, as
coisas entre nós duas não poderiam estar mais desconfortáveis. Ela não sabia o
que falar, eu muito menos, e ficávamos as duas naquele silencio constrangedor
por horas a fio.
Quando o sinal para o fim da aula tripla de DCAT soou, sai
da sala o mais rápido que pude. Sabia que todos iam direto para o salão
principal atrás de alguma coisa para comer, então fiz o caminho contrário
direto para a Sonserina para me livrar da mochila, mas estava com fome e teria
que ir até o salão principal. Arte estava sentada sozinha na mesa da Grifinória
e fui direto pra lá, sentando ao seu lado.
- Vou ficar aqui com você, não aguento ter que dividir a
mesa com eles hoje, foi um dia muito torturante – disse puxando um prato para
me servir de biscoitos.
- Desculpe... – ela me encarou com um olhar confuso – Nós
nos conhecemos?
- Ah não, Arte! – larguei o biscoito assustada – Sua memória
nunca falhou tanto assim! Sou eu, Clara, nós nos... – ela começou a rir.
- Desculpa, não resisti! – ela agora ria descontroladamente.
- Isso não teve graça! – levantei da mesa furiosa, mas ainda
ria.
- Ah qual é, Clara. Foi um pouquinho engraçado! – dei as
costas pra ela e sai – Clara!
Sai furiosa do salão comunal esquecendo que estava com fome
e voltando para a Sonserina. Não voltei a sair do dormitório. Liguei o rádio
para me distrair e estava tocando uma música antiga bem deprimente, mas muito
bonita, que tio Scott adorava. Enfeiticei o rádio para tocá-la em loop e quando
acordei na manhã seguinte, ela ainda estava ecoando pelo dormitório.
As meninas passaram o dia tentando me fazer levantar, mas
estava desanimada demais para tirar o pijama. Por fim elas desistiram, afinal,
era sábado e todos tinham planos de escapar para Hogsmeade com seus respectivos
namorados e ninguém precisava de uma vela mal humorada para acompanha-los.
- Oi, Clara – Gabriela entrou no dormitório e ficou me
encarando da porta.
- Oi.
- Que música é essa?
- "The River". Gostou?
- Ontem às 22h estava bom. Passei a gostar menos às 2h. Comecei
a odiar às 14h. Agora, quero que o sol nasça, descongele o rio e afogue a
mulher.
- Sai daqui! – atirei uma almofada nela, que desviou a
deixando cair no corredor – James era perfeito e eu devia ter ficado com ele.
Qual o meu problema? Pratico auto-sabotagem? Sou um androide?
- Você não o amava. Você ama o Hiro.
- Mas e se minha ideia de amor estiver totalmente errada?
- Pare com isso! Você fez a coisa certa.
- Fiz mesmo?
- Você fez uma escolha. Se foi a certa ou a errada só você
pode dizer, mas vai ter que aprender a conviver com ela. – não respondi nada e
ela se aproximou – Podemos desligar o som?
- Mas eu...
-Desligue – ela disse em um tom autoritário e desliguei o
rádio.
- Ótimo. Agora levanta a bunda dessa cama, tira esse pijama
ridículo e vamos sair para beber. Você precisa sair desse quarto.
- Qual o problema com o meu pijama? Comprei na nossa viagem.
- Não tem nada de errado, eu também trouxe um pijama do pato
Donald pra mim, mas quando você está usando em um sábado à noite ele passa de
fofo pra deprimente.
- Não quero sair, não estou no clima.
- Mas é exatamente por isso que você vai sair – ela agarrou
meu braço e me puxou tão forte que cai da cama de cara no chão – Nós vamos
sair, vamos beber e falar mal dos garotos. Você pode reclamar o quanto quiser
do Hiro, eu vou fazer algumas queixas do Devon e tudo vai ficar bem.
- Não vou conseguir convencê-la a me deixar em paz, não é?
- Não. Levante e troque de roupa.
Levantei do chão fazendo corpo mole pra ver se Gabriela me
deixava em paz, mas realmente não funcionou e tive que me trocar. Usamos a
passagem do Salgueiro Lutador, ao sábados a melhor opção era sempre sair pela
Casa dos Gritos por ser afastada do vilarejo, e fomos direto pro The Old Haunt.
Era o novo point de Hogsmeade, porque apesar de estar sempre cheio, você sempre
se sentia confortável. Como não tinha nenhuma mesa vazia, sentamos no balcão
mesmo. Oliver, o dono do bar que sempre estava atrás do balcão, nos serviu duas
doses de tequila.
Durante as três horas seguintes ouvi Gabriela se queixar do
quanto Devon não percebia o obvio e da pressão que estava sofrendo do pai para
seguir carreira como curandeira, algo que ela não queria, e ela me ouviu
reclamar de como estava sendo torturante conviver com Hiro e Leslie todos os
dias, especialmente por ter que dividir o dormitório com ela e não ter
realmente nada nela que eu não gostasse, porque seria muito mais fácil se eu a
odiasse.
- Michel pode assumir o hospital – Gabi resmungou – Por que
precisa ser eu?
- Porque você é a mais velha e seu pai acha que o hospital é
seu por direito.
- Não é justo. Como se já não fosse ruim o bastante ele me
pressionando, aquele velho na pesagem de varinhas ainda disse que a minha é boa
para cura. Papai agora enfiou na cabeça que é o meu destino.
- Não olhe agora, mas Devon acabou de entrar... – comentei e
ela engasgou com a tequila, não disfarçando para olhar na direção da porta.
- Não olhe você, Hiro está com ele.
Olhei outra vez e percebi que Hiro e MJ estavam com Devon.
Eles acenaram na nossa direção, mas graças a Merlin, ou talvez a MJ, sentaram
em uma mesa distante. Gabriela começou a reclamar de Devon outra vez e quando o
viu conversando com uma garota de Durmstrang, levantou irritada do balcão e
sentou-se à mesa de um cara que estava nos encarando há algum tempo. Ele não
era aluno de Hogwarts, mas não devia ter mais que 21 anos. O papo dos dois não
durou nem dez minutos e Devon sentou do meu lado.
- O que ela está fazendo? Esse cara tem quantos anos, 30? –
ele disse irritado, olhando para a mesa deles.
- Você só pode estar de brincadeira! – respondi irritada
também e ele me olhou assustado – Não, você não tem o direito de ficar irritado
com ela, nem sentir ciúme. Ela pode fazer o que quiser. Se tiver algum problema
com isso, vá até ela e diga a verdade, não adianta ficar se queixando com
outras pessoas!
- Nossa, calma! Só fiz um comentário...
- Você gosta dela! Gosta dela e não admite! Se não quer que
ela dê em cima de outros garotos, deixe de ser covarde e diga a ela o motivo! –
ele me encarou sério, mas não disse nada e apenas abaixou a cabeça, pensativo –
O que ainda está fazendo sentado aqui?
Devon levantou depressa e parou em frente à mesa onde
Gabriela estava. Ouvi-o pedir para falar com ela e quando ela se recusou, ele a
segurou pelo braço para arrastá-la a força. O homem levantou para defendê-la e
Devon o empurrou com tanta força que ele caiu por cima da mesa. Imediatamente
todos correram para impedir a briga que ia começar e Gabi saiu empurrando Devon
para longe, furiosa. Os dois começaram a discutir no canto do bar, Gabi batia o
dedo no peito dele revoltada, e de repente Devon agarrou seu rosto e a beijou.
Gabi derreteu na mesma hora, qualquer raiva que estava sentindo foi embora.
Balancei a cabeça rindo e voltei à atenção para o copo vazio na minha frente.
- Oliver, mais uma – empurrei o copo pra frente e ele se
aproximou.
- Não acha que já beberam demais? – ele perguntou enquanto
enchia o copo.
- Não, eu estou bem.
- Querida, quando você está sentada sozinha no balcão de um
bar, com a cabeça apoiada na mão, você não está bem.
- Não quero falar sobre isso.
- Tudo bem, falamos de outra coisa então. Como está Rupert?
Já faz uns dias que não o vejo.
- Ele está bem, conseguiu uma editora para publicar o livro
– disse um pouco mais animada, estava muito feliz por ele – Black Pawn, acho.
- Conheço essa editora, imaginei que eles se interessariam
pela história. Essa é uma ótima noticia, dê os meus parabéns a ele e diga que
nunca duvidei que fosse conseguir.
- Darei o recado. Ele está muito animado, agora é só uma
questão de tempo até o livro ser lançado. Pelo meu irmão falou, talvez saia
antes da nossa formatura.
- Oliver, duas águas de gilly, por favor – ouvi a voz de
Hiro ao meu lado, mas não olhei.
- Oliver, eu já estou indo. Dê minha conta pra Gabi, ela que
me arrastou pra cá hoje, vai pagar – e sai do banco, mas Hiro segurou meu braço
antes que eu andasse.
- Clara, por favor. Sinto sua falta. Nunca quis magoar você.
- Não percebe que está fazendo isso agora mesmo? – respondi
sem encará-lo e ele soltou meu braço, me deixando sair.
Apertei o passo na direção do fundo do pub, porque para
voltar Oliver sempre pedia que usássemos a passagem dele, mas antes que
conseguisse chegar à metade do túnel já estava chorando tanto que não consegui
mais continuar. Só encostei-me à parede e deixei meu corpo escorregar até o
chão. Passei quase uma hora com a cabeça apoiada nos joelhos chorando, torcendo
para que Hiro não resolvesse voltar para o castelo enquanto eu estivesse ali,
até que senti alguém tocando meu ombro. Levantei a cabeça devagar e vi que era
Arte.
- O que houve? – ela perguntou sentando ao meu lado – Vi
você pelo mapa e como não estava se movendo, achei que pudesse estar machucada.
Você ainda não está braba pela brincadeira de ontem, não é?
- Não, já tinha até esquecido – respondi com voz de choro,
mas não conseguia me controlar.
- Isso é por causa do Hiro? – assenti e ela suspirou –
Clara, você é a G.I. Jane. Pare com isso.
- Não sou G.I. Jane, sou a Barbie – disse chorando ainda
mais e ela começou a rir – Não tem graça!
- Ah, é ao menos um pouco engraçado. Olhe pra você! Essa
situação está patética!
- Não é algo que consigo controlar, ok? Ou você acha que gosto
de chorar o tempo inteiro?
- Essa não é a Clara que eu lembro. Ou aconteceu alguma
coisa nesses dois anos que eu apaguei que transformou você na Murta?
- Você está tentando ajudar? Porque não está fazendo um bom
trabalho!
- Na verdade estou fazendo um ótimo trabalho, porque parece
que ninguém teve coragem de dizer isso pra você.
- Estou mesmo tão patética?
- Sim, está. Você deixou isso lhe abalar além do que deveria
e está mesmo parecendo uma Barbie histérica. Se Hiro não quer nada com você,
azar o dele. Levanta a cabeça e segue em frente. Ele não vai se afastar do
grupo e nem você, então vão ter que aprender a contornar isso. Pode levar um
tempo, mas tenho certeza que as coisas vão voltar ao normal.
- Quando foi que a desmemoriada se tornou a voz da razão?
- Foram aqueles cartões que vocês fizeram. A maioria deles
dizia o quanto eu era demais e acabei acreditando, agora me aguentem.
Comecei a rir e Arte estendeu a mão para me ajudar a
levantar do chão. E enquanto caminhava de volta para o castelo com ela, fiz uma
promessa a mim mesma de que, de agora em diante, não ia mais deixar nenhum
garoto me fazer chorar.
A promessa seria quebrada apenas uma vez, algumas semanas
depois, por algo que eu nunca poderia controlar.
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