Tuesday, June 19, 2012 Estava deitado no sofá improvisado na sala que servia de consultório para o Dr. Pace e toda minha atenção estava voltada para o cubo mágico em minha mão. Trabalhava nele há horas, mas finalmente estava quase completo. Faltava apenas organizar uma fileira de cor quando ele foi arrancado das minhas mãos.
- Ei! Estava quase terminando – reclamei quando Dr. Pace o colocou
no bolso.
- Chamei você cinco vezes, nada de cubo mágico nas sessões a
partir de agora.
- E o que devo fazer nelas então?
- Que tal conversar? Eu
pergunto as coisas e você não responde. A hora passaria mais rápido se cooperasse.
- Já contei o que aconteceu, o que mais quer que eu fale?
- Só estou tentando ajudar, Rupert. Se não quer minha ajuda, por
que continua vindo?
- Ninguém vem me procurar aqui – disse dando de ombros.
- Aqui não é um esconderijo. Se tiver a pretensão continuar vindo,
quero saber o que está pensando.
- Quer saber o que estou pensando? – fiz uma cara pensativa em
deboche – Vamos ver... Que tal “eu matei duas pessoas”?
- Você não os matou.
- Sim, eu matei. Eram
as minhas bombas. A idéia de minar os túneis foi minha, eu ajudei a criá-las! –
minha voz começou a elevar – Eu matei eles!
- Mas você não sabia que eles correriam na direção do túnel. Não podia prever isso.
- Acha que não sei disso? – dei uma risada nervosa – Eu sei disso
tudo, todos repetem isso pra mim o dia inteiro, mas não importa! Foi o meu dedo
que apertou o botão que detonou as bombas. Sempre vou me sentir culpado – houve
um momento de silêncio – Você conhece Scott Foutley, o chef que é casado com o
professor O’Shea?
- Pessoalmente não, mas sei quem é. Por quê?
- Ele tinha uma irmã gêmea, Megan, mas ela morreu na batalha de
Hogwarts contra Voldemort. Sabe como ela morreu?
- Não, como ela morreu?
- Ela morreu pra salvar a vida de Harry Potter. Um comensal da
morte, não sei qual, lançou um avada kedavra na direção dele. Megan se atirou
na frente e recebeu o impacto, morreu na hora. Ele não pretendia matá-la,
sequer viu quando ela surgiu em sua frente, nunca poderia ter imaginado que ela
se jogaria na frente de Harry e, no entanto, ela fez. Mesmo que essa não fosse
sua intenção, ele sempre vai ser o homem que matou Megan Foutley. É assim que
me sinto.
Dr. Pace me encarou sério por um tempo, e então assentiu. Ele
finalmente tinha entendido.
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Depois da última sessão com Martin, ele havia sugerido que eu
seguisse as regras de um programa de recuperação de viciados. Se eu não ia
conseguir esquecer, então teria que aprender a conviver com a culpa. E para
isso precisava dar um passo de cada vez. Meu primeiro passo de volta à rotina
era cumprir uma promessa que havia feito a Oliver, o dono do The Old Haunt.
Meu livro já havia sido publicado nas livrarias trouxas e pedi a
meu editor que mandasse duas cópias dele assim que ficasse pronto. Elas haviam
chegado na manhã seguinte ao ataque e o pacote ainda estava lacrado em cima da
cômoda. Abri a embalagem e contemplei a capa ilustrada por MJ, com o Expresso
de Hogwarts soltando fumaça a caminho da escola. Uma pertencia a Amber e a
outra a Oliver.
Peguei uma pena e meu tinteiro na gaveta e sentei na cama,
escrevendo as dedicatórias na parte de dentro. Guardei a de Amber na gaveta
quando terminei, lidaria com ela depois, e sai da torre da Corvinal com a cópia
de Oliver debaixo do braço. A maioria das passagens secretas havia sido
destruída, mas a do Salgueiro Lutador que levava direto à Casa dos Gritos ainda
estava intacta. Estava em Hogsmeade em menos de cinco minutos e caminhei pelas
ruas quase desertas até o pub. O cenário dentro dele não era dos melhores. O
rastro que os vampiros que invadiram aquele túnel deixaram ainda era visível,
embora a maior parte das coisas estivesse no lugar.
- Ei garoto! – Oliver me saudou quando me viu, deixando a cadeira
que limpava de lado – Faz tempo que não lhe vejo, está tudo bem?
- É, tudo indo… - olhei em volta do pub –
Eles deixaram uma bagunça e tanto.
- Sim, vampiros nojentos, destruíram quase tudo! – ele praguejou –
Mas pelo menos minhas molduras ficaram intactas.
- Precisa de ajuda com alguma coisa?
- Não, tudo bem, meus funcionários dão conta. Mas o que o trouxe
aqui? Estamos fechados, mas posso lhe servir
alguma coisa.
- Não quero nada, obrigado. Na verdade só vim aqui lhe trazer isso
– e estendi o livro a ele.
- Seu livro! Obrigada, Rupert – ele pegou o livro animado – Estava
querendo comprar minha cópia, mas ainda não chegou a Hogsmeade e não tive tempo
de ir até Londres.
- Disse que ia lhe dar uma cópia de presente, não ia faltar com a
palavra.
- Vou começar a ler hoje mesmo, ouvi dizer que as vendas estão
boas.
- É, meu editor disse que um critico importante leu e gostou. A
crítica que ele escreveu pro The Times atraiu as atenções pra ele.
- Vai ficar famoso, garoto. Quero minha foto com você na parede
antes que não se lembre mais dos velhos amigos, mas não hoje, você está muito
pálido.
- Prometo voltar menos abatido antes da formatura – disse rindo
pela primeira vez em dias – E sim, acho que vou ficar famoso. Ele disse que vai
ter uma festa de lançamento oficial do livro depois que eu me formar e vou ter
ficar lá dando autógrafos na capa dos livros. Isso é muito esquisito.
- Você se acostuma. Contanto que não deixe que isso o mude.
- Não vou mudar. Bom, só queria trazer o livro, preciso voltar para
o castelo.
- Passe aqui antes de ir embora de vez, ok? – ele apertou minha
mão e assenti – E obrigado outra vez.
- Sabe que não deveria estar aqui, não é? – ouvi a voz de Micah e
me assustei. Ele estava sentado em uma mesa no fundo do pub lotada de papel.
- Desculpa, só vim trazer uma coisa ao Oliver, já estou voltando.
Acha que pode esquecer de mencionar que me viu aqui a McGonagall ou ao meu pai?
- Sem problemas – ele riu – Sente aqui um instante, quero
conversar com você.
- Não me leve a mal, mas não queria conversar – continuei parado
no meio do pub, já sabendo o que ele ia dizer – Não quero falar disso.
- Não precisa falar nada, apenas escute – ele bateu na mesa e não
vi alternativa senão sentar – Martin conversou comigo sobre o que disse na
última conversa que teve com ele e acho que posso ajudar.
- Como? Desculpa, mas não acho que alguém possa ajudar a menos que
entenda o que estou sentindo.
- Eu entendo, Rupert. Eu também carrego o peso de ter
indiretamente causado a morte de um inocente.
- Do que está falando?
- Quando eu tinha a sua idade, uma brincadeira que deu errado
resultou na morte de um garoto chamado Ryan Merric. Estávamos em um barco,
Gabriel e Connor também estavam lá, houve uma discussão e Ryan e Josh começaram
a brigar. O barco balançava muito, todos estavam agitados e numa tentativa de
apartar os dois, empurrei Ryan pra trás. Ele tropeçou no banco do barco, perdeu
o equilíbrio e caiu na água.
- O que aconteceu com ele?
- A correnteza o levou embora e descobrimos que ele não sabia
nadar. Gabriel e eu pulamos imediatamente na água, mas com a correnteza
atrapalhando quando conseguimos alcança-lo já era tarde demais. Arrastamos seu
corpo para a beira do rio, fizemos de tudo que estava ao nosso alcance, mas ele
já estava morto.
- Gabriel nunca me contou isso.
- Fizemos um pacto de nunca contar o que aconteceu naquele dia pra
ninguém. Isso foi em julho de 1998. Desde então, não houve um único dia sequer
que não tenha pensado em Ryan.
- Você nunca superou.
- Não, eu aprendi a viver com a culpa. Se a correnteza não o deixa
cruzar o rio, construa uma ponte que o ajude a atravessá-lo.
- Como aprendeu a conviver com isso?
- Faço muitos trabalhos voluntários e sempre me mantenho ocupado –
e apontou para a pilha de fichas do curso de auror na mesa – E também conheci
uma garota que me fez ver que eu não podia deixar a culpa me consumir e jogar a
minha vida fora por causa disso. Ela sabia o que tinha acontecido, entendia
como eu me sentia e sempre esteve ao meu lado.
- E o que aconteceu com ela?
- Nos casamos – ele piscou e ri – Rupert, o que importa é você não
deixar de viver sua vida por causa disso. Restam apenas duas semanas antes da
formatura, não jogue fora o tempo que lhe resta com seus amigos aqui. Não deixe
que isso o abale. Construa sua ponte e siga em frente.
- Obrigado. Realmente ajudou.
- Sempre que precisar conversar sobre isso, não hesite em me
procurar. Agora volte logo para o castelo antes que me arrependa de fazer vista
grossa.
Assenti levantando da mesa e refiz o caminho para o castelo me
sentindo mais leve. Era a primeira vez que alguém não me dizia que eu não era
culpado e que devia esquecer isso, mas sim me encorajava a aceitar que a culpa
nunca desapareceria. Ainda me sentia péssimo, mas finalmente tinha a sensação de
que as coisas iam melhorar. Faltava cumprir a segunda promessa e precisava ir
até o dormitório pegar o outro livro, mas ainda estava no gramado em frente ao
Salgueiro Lutador quando Amber veio ao meu encontro.
- Por onde andou? Procurei você por toda parte.
- Fui até o pub levar uma cópia do livro ao Oliver. A sua está no
dormitório, estava indo agora mesmo buscar.
- Pediu uma cópia pra mim? – ela pareceu surpresa.
- Claro. Sem você o livro não teria saído, o mínimo que poderia
fazer era garantir que não precisasse pagar para ter uma cópia em mãos.
- Obrigada – ela abriu o sorriso mais lindo do mundo – Estava te
procurando porque queria dizer uma coisa.
- Vá em frente.
- Acho que não fui muito útil nos últimos dias, não o apoiei como
devia. Eu estava lá também, deveria ser mais solidária, mas você me afastou
porque não queria conversar e eu deixei. Não deveria ter feito isso. Gosto
muito de você e quero que saiba que pode sempre contar comigo. E não importa o
qual mal esteja, não vou mais permitir que-
Cortei o que ela dizia com um beijo. Sabia que com ela não funcionava
dessa forma e que tudo precisava ser feito com cautela, mas o que Micah havia
dito estava mais claro do que nunca na minha cabeça. Amber era quem eu queria
que estivesse sempre do meu lado me apoiando e eu sabia que ela era essa pessoa.
Ela podia brigar comigo por causa do beijo, e provavelmente o faria, mas eu não
ia desistir.
Ela interrompeu o beijo e me afastou com as mãos, me encarando parecendo
atordoada. Pensei que ela fosse me dar um soco, me azarar ou sair correndo,
qualquer coisa, menos o que realmente fez. Amber me fitou por alguns segundos
que pareceram uma eternidade e então agarrou meu pescoço, me puxando para outro
beijo.
- O que isso significa?
- Você sabe o que significa.
- É, eu sei. Só queria ter certeza que você sabia.
- Pode ter certeza que eu sei.
Ela deu um sorriso atrevido e me puxou para outro beijo, dessa vez
muito mais intenso. Micah tinha razão, eu não podia deixar que a culpa atrapalhasse
minha vida e não tinha uma modo melhor de aproveitá-la que daquela forma.
Feeling, hands
in the dark
You know I'm heeling, but it's only a start Because the wind will blow and topple me over And the undertow will wash me to nowhere
‘Cause when the day’s over
I've got your shoulder To help me carry the weight pulling under Didn't you wonder how everybody gets through the day
Lucy Schwartz – Those Days
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