Wednesday, July 29, 2009 Segunda semana de Julho de 2011 Algumas das anotações de Haley McGregor Warrick O dia do casamento do Ty amanheceu claro, e ensolarado e como minha mãe estava comandando a organização do casamento é claro que tudo já estava pronto e perfeito. Na verdade acho que era uma espécie de realização de um sonho da minha mãe. Como Rory e Ty deram carta branca a ela, ela fez tudo o que ela quis. Tinha banda vestida com ternos dos anos 60, garçons usando paletós brancos e cabelos bem penteados, muita comida, muita bebida, lembranças que eram uns bem casados embrulhados num papel fininho e amarrados com uma fita prateada e azul,docinhos diferentes que nós comíamos a toda hora, uma tenda enorme e branca onde seria realizada a cerimônia foi montada e enfeitada com muitas flores e até uma fonte foi instalada nos jardins, onde haviam mais flores. E quem realizaria o casamento, era um velho sacerdote escocês, amigo da minha avó. Frei McAvoy parecia o fantasma materializado da Lufa-Lufa, frei Gorducho, então era fácil gostar dele, e ele era bem engraçado. Como minha mãe convocou todo mundo para ajudar, ela me tirou do castigo, eu podia ir e vir à vontade, mas isso não foi uma boa coisa para mim: eu podia ir e vir fazendo as coisas para ela, então nada de poder nadar no rio, cavalgar sem rumo, dormir até tarde. Ela me levou junto a cada coisa que ela ia resolver para o casamento, até mesmo para comprar os tecidos das cortinas para todos os quartos da nossa casa, que ela resolveu mudar na ultima hora e é claro, ela quis roupas de cama novas, combinando. . Sim, minha mãe exagera quando o assunto é festa, deve ser seu espírito de lufana. Na véspera do casamento, Ty e os amigos saíram para uma despedida de solteiro e Annia se encarregou de levar Rory para uma também. A noitada deve ter sido boa, porque Ty, voltou apagado para casa. O amigo dele Iago Karkaroff, o carregou desmaiado no ombro como se ele fosse um saco de batatas, e os amigos riam muito. Os filhos destes amigos ficaram hospedados em minha casa então tinha muita comida, refrigerantes, muitos vídeo games, Johny e Lizzie vieram antes dos pais para ficar conosco, tia Morgan e tio Carlinhos só viriam na hora da festa, porque ela tinha plantão no hospital. E para ajudar a ‘cuidar’ de nós Nick, Connor e Rebecca se ofereceram então estava tudo liberado, parecia que estávamos de volta à escola. Tudo seria perfeito, se o amigo mala do Julian, o índio, não ficasse me provocando, enquanto babava em cima da Rebecca e da Gaia, mas eu havia prometido pra minha mãe que não iria bagunçar o casamento do Ty, então eu ignorava, mas estava ficando difícil contar até 10. Ele só parou quando Julian falou com ele num canto, e não deu pra ouvir. Daí em diante foi fácil, fingir que ele não existia. Na hora do casamento, Mary e Beatrice e Annabeth tinham mapas e iam indicando os lugares dos convidados. O time todo do Vratsa estava presente, e até Victor Krum compareceu. Meus amigos estavam todos arrumados e fomos colocados bem na frente. Quando a música das gaitas de fole começou, Ty atravessou o corredor de braço dado com minha mãe. Ela usava o tartan combinando com as cores do clã, e eles estavam muito bonitos juntos. Os olhos de minha mãe brilhavam, e meu irmão estava todo animado, sorrindo de uma orelha a outra. Não demorou e as gaitas começaram outra musica, e as gêmeas da Annia entraram jogando pétalas de rosas brancas para a entrada da noiva, e Rory estava incrível no vestido dela. Era um vestido simples, mas com pontos brilhantes e ela também parecia brilhar, enquanto caminhava para o altar ao encontro do meu irmão, que havia parado de sorrir e estava todo sério. Foi uma cerimônia muito bonita e a festa então foi espetacular. Era engraçado ver Julian de queixo caído vendo aquele monte de jogador de quadribol famoso e meu sobrinho mais velho é tão CdF, que quando ele conheceu Reno Flamel, achei que ele fosse desmaiar de emoção rsrs. Estávamos numa mesa só para nós, e conversamos sobre a festa, os convidados dos noivos, e íamos comentando sobre as roupas de nossos padrinhos quando Arte comentou: - Adorei que meu padrinho estava de kilt, ele ficou muito elegante. - Sim, nosso padrinho fica muito legal naquela roupa dele. Mas tem que ser valente pra usar aquilo sem nada por baixo, eu não consigo. - Hiro comentou e rimos, então Jamal perguntou: - E quem sãos os seus padrinhos Julian? Os seus tios? - Não tenho padrinhos...- ele respondeu e nós o encaramos: - Como assim não tem padrinho? Todo mundo tem padrinho...- comentou J.J. e Julian disse: - Minha mãe disse que eu deveria escolher um, quando chegasse a hora. - Nossa, que legal. E se você fosse escolher alguém daqui, quem seria?? - quis saber Kika e Julian respondeu rápido: - Gabriel e Miyako, eles são muito legais. Keiko saiu correndo e foi falar com Miyako, que quando se levantou da mesa com a ajuda do marido, arrancou alguns risos das pessoas em volta e foi andando num gingado até Gabriel e Ty logo se aproximou quando percebeu a agitação dela. Ele chamou a Rory e ela após alguns comentários acenou positivamente, e Ty foi atrás da minha mãe, enquanto Gabriel, Miyako vinham até a nossa mesa, e Jamal comentou baixinho: - Acho que de dentro da tia Miyako vai sair um super bebê, ela está tão grande... - Não deixa ela te ouvir, ou ela te deserda. - Clara comentou de volta, e ele ficou calado. Miyako e Gabriel se aproximaram da mesa e já foram logo puxando Julian: - Vamos batizar você. Você quer??.- disse Miyako e Ty se aproximava com a esposa logo atrás. - É filho, vamos aproveitar que todos estão aqui e fazer as coisas direito. - e notei que era uma espetada na Rory, mas ela continuou séria. Mas Julian sorriu todo contente concordando. E dali em diante as coisas pareciam um trem descarrilhado. O frei McAvoy foi convocado e após ouvir o que Miyako queria, deu instruções como se fosse um general, e minha mãe junto com nossas tias correram para providenciar tudo, Julian foi levado para dentro e quando saiu usava um camisolão branco, foi difícil não rir, mas uma olhada feia das nossas mães, nos fez segurar o riso ou na melhor das hipóteses disfarçar com muita tosse. Quando Julian foi ungido com óleo, o frei devia estar um pouco alterado pelos vários copos de wisky de fogo que tomou, porque derrubou o vidro todo na cabeça dele, aí era a hora de jogar água na cabeça, o padre nem pensou muito, empurrou Julian dentro da fonte, ele foi pego desprevenido, porque quando veio à superfície, tossia engasgado com a água, mas todos aplaudiram eufóricos quando o frei o chamou pelo seu nome de batismo: Julian Thomas Montpellier McGregor. Vovó Virna e tia Millie choraram e minha mãe enxugou umas lágrimas discretas. Depois da cerimônia, ele foi se arrumar e todos voltaram para a festa super animados, afinal um casamento, um batizado surpresa no mesmo dia, era motivo de celebração em dobro. Alguns convidados começaram a ir embora, e logo só estava a família presente. Claro, uma família de umas 150 pessoas, mas ainda sim a família. Ty depois de dançar com vovó Virna, me puxou para dançar prometendo dançar com as meninas também.Enquanto nós dançávamos vimos quando Miyako que dançava com seu marido Tiago, se dobrou gemendo de dor enquanto segurava a barriga. Tia Louise correu até ela, e quando a examinou rápido, percebeu que o bebê dela estava vindo e seria logo. Os vários curandeiros ajudaram a preparar as coisas para o parto dela, e depois tia Louise, Morgan e tia Mirian se encarregaram do parto em si. Como estava demorando e os adultos não iam nos deixar ficar por perto, ficamos na sala de jogos, e quando tio Sergei entrou gritando que o neto dele havia nascido e que Miyako estava bem, todos pulamos e gritamos felizes, afinal era mais um bebê para ser mimado por nós. Agora sim, posso dizer que minha família quando faz uma festa, ela realmente capricha. Monday, July 27, 2009 Julho passou como um raio. No dia do meu aniversário de 12 anos sai para jantar com meus pais, meu irmão, meus primos e meus tios, mas a comemoração que mais gostei foi a surpresa que tive quando cheguei para o trabalho na ala infantil. As mães de algumas das crianças haviam levado bolo, docinhos e decorado todo o espaço com balões coloridos. Minha mãe tinha me dado folga naquele dia, mas Mônica me ligou soando desesperada pedindo que fosse até lá e quando abri a porta da sala, levei um susto com a bagunça que eles haviam preparado. Aos poucos minha mãe ia amolecendo do castigo, permitindo que saísse mais cedo e voltasse para casa sozinha se quisesse, mas ainda não tinha aberto mão de que fosse lá todos os dias. Minha habilidade com a linguagem dos sinais melhorava a cada dia e já conseguia conversar sozinha com Lucas sem me atrapalhar muito, ele agora não encontrava brecha pra caçoar de mim. Ele agora não saia mais do hospital, parecia sempre mais um pouco abatido e frágil, mas não perdia o bom humor. Lucas queria sempre discutir futebol comigo, e foi no meio de uma discussão sobre um jogo da noite anterior que levei o maior susto da minha vida. Ele de repente ficou pálido, seus lábios perderam a cor e antes que pudesse pensar em chamar alguém, ele desmaiou. Um batalhão de enfermeiras o cercaram e fiquei olhando assustada enquanto elas o furavam de todas as maneiras nos braços tentando colocar um soro e um médico gritava ordens para levá-lo para uma sala reservada. Naquele dia não consegui me concentrar em mais nada, estava assustada e com medo de que alguma coisa acontecesse a ele. Mônica percebeu que não estava bem e não me pediu que fizesse muita coisa, liberando para que fosse embora duas horas antes do normal. Ela havia avisado minha mãe do que tinha acontecido e ela foi me buscar lá, dizendo que também tinha saído mais cedo e ia me levar pra casa. Fui quase o trajeto todo calada, olhando pela janela parecendo perdida. Minha mãe, obvio, percebeu. - Está tudo bem? – perguntou sem tirar os olhos da rua enquanto dirigia. - Sim, só estou cansada – respondi completamente aérea. - Mônica me contou o que aconteceu hoje cedo. Quer conversar sobre isso? - Foi horrível, mãe – desviei os olhos da rua e a encarei, ainda assustada – Ele caiu na minha frente, estava mais branco que os fantasmas de Hogwarts. Depois quando já estavam levando ele embora, começou a espumar. O que era aquilo? - Ele teve uma convulsão, provavelmente provocada pelo excesso de remédios que toma diariamente. - Mas ele desmaiou antes de começar a babar! - A imunidade dele é muito baixa, Clara – mamãe falava paciente, como se estivesse escolhendo bem as palavras – Lucas tem uma doença muito séria, que deixa o organismo dele vulnerável e seu corpo fraco, que foi o que causou o desmaio. - Deixa vulnerável a que? – perguntei tentando entender o que ela dizia. - A tudo. Com a imunidade baixa, Lucas é mais propicio a pegar qualquer tipo de doença do que as outras pessoas. E até mesmo um simples resfriado pra ele pode ser perigoso, é por isso que ele raramente sai do hospital. - Mas ele saiu na semana passada – falei preocupada – Passou três dias em casa! - Esse talvez tenha sido o erro, mas vamos esperar até sabermos como ele está, ok? Não quero que fique assustada, os médicos que cuidam dele são competentes. Assenti com a cabeça e sem dizer mais nada voltei a encarar a rua. O tempo estava feio e começava a chover, lentamente engarrafando o transito. O carro ficou em silencio durante um bom tempo, mas mamãe o quebrou mais uma vez. - Suas férias já estão quase terminando e ainda não fizemos as compras para o seu segundo ano – disse mudando de assunto – Pode aproveitar esses últimos dias, está liberada do castigo. Acho que já aprendeu muita coisa nesse tempo que passou ajudando a Mônica – olhei para ela espantada e ela riu, mas continuei seria. - Acho que vou continuar indo, não me importo – respondi vagamente e agora era ela que parecia espantada – Gosto de ajudar as crianças, é divertido. - Que bom que gostou de ajudar, mas o combinado com a Mônica era que você ficaria só até sua penúltima semana, ela vai receber outros voluntários a partir de amanha e não pode ficar sobrecarregada – mamãe falou séria, não me dando margem para argumentar – Se quiser ir lá amanha para se despedir, levo você depois do almoço. Vamos tirar a manha para fazer todas as compras da escola. Você cresceu um pouco, seu uniforme antigo já não deve servir mais. Concordei mais uma vez em silencio e retomei minha atenção nos carros do lado de fora. A chuva engrossava cada vez mais e colei o meu rosto no vidro, vendo os pingos grossos batendo contra ele na minha direção, deixando a janela gelada. Não era justo ela me obrigar a não ir mais, mas sabia que não ia adiantar insistir e já havia a provocado demais esse ano. Sem alternativa, me vi obrigada a obedecer. ***** - Posso entrar? Ouvi uma batida na porta do quarto e vi meu irmão entrando. Ele trazia um livro debaixo do braço e beijou minha testa antes de se sentar ao meu lado na cama. Estava separando os materiais que havia comprado há dois dias atrás com a minha mãe e ele me entregou o livro. - Livro Padrão de Feitiços 2ª Série – li o titulo na capa e olhei pra ele – É o mesmo livro desde quando você estudava em Hogwarts? - Sim, por isso se chama livro “Padrão” – disse batendo de leve na minha testa e ri, empurrando sua mão pra longe – Hogwarts pode ter evoluído em alguns aspectos, mas alguns professores continuam tradicionais. - Só tinha esse livro de diferente na lista, a maioria das coisas eram ingredientes para poções, e também tive que comprar mais rolos de pergaminho, tinta e penas novas. Não cresci tanto assim, só precisou aumentar um pouco a saia – e dei de ombros, indiferente se havia ou não crescido durante o verão. - Claro que não cresceu, continua a pirralha nanica de sempre – ele me provocou, mas dessa vez não revidei e continuei dobrando minhas vestes para colocar no malão – Ok, você está bem? Chamei-a de pirralha e não tentou me bater. - É que... – comecei a falar, mas parei de repente, arrependida. Gabriel arqueou a sobrancelha e me encarou sério – Esquece, é bobagem. - O que aconteceu, Clara? – insistiu – Sabe que pode conversar comigo, não é? - Mamãe não quer que eu continue indo ao hospital com ela, a ouvi conversando com papai ontem. - E isso é um problema? – ele se espantou – Pensei que trabalhar lá fosse um castigo. - Era no começo, mas agora eu realmente gosto! - E você acha que ela não quer mais que você vá porque está gostando? - Não, ela não quer mais que eu vá porque quase vi uma das crianças morrer essa semana – falei desanimada – Um menino com quem fiz amizade desmaiou na minha frente e teve uma convulsão. Ele está bem agora, mas mamãe me explicou por alto o que ele tinha e quando cheguei em casa, fui pesquisar na internet. Ele pode morrer a qualquer minuto, Gabriel! - Você a ouviu dizer que não quer que você sofra caso aconteça algo com esse menino, não é? – ele perguntou e fiz que sim com a cabeça – É, ela conversou sobre isso comigo ontem. Ela está preocupada que você ainda não esteja preparada para lidar com a perda, não pensou que fosse se envolver tanto com os pacientes do hospital, e eu concordo com ela, mas não acho que proibi-la de continuar ajudando no hospital vá solucionar o problema. - Não vai mesmo, vou continuar aqui, preocupada com ele. E se ele morrer? – falei assustada outra vez, lembrando de tudo que li sobre o que ele tinha, e Gabriel me abraçou. - Se isso acontecer, vamos estar aqui para conversar com você a hora que precisar e consola-la, mas não fique pensando nisso. Pense que ele vai se recuperar e logo vai poder sair do hospital e viver uma vida normal. E enquanto não volta para Hogwarts, continue indo visitá-lo. Ele com certeza sente falta da companhia de amigos. - Você me leva lá hoje? - Claro, termine de arrumar as coisas da escola e eu te dou uma carona – sorri mais animada e continuei dobrando as roupas. - O que foi? – perguntei vendo que Gabriel me observava com uma cara engraçada. - É que eu nunca imaginei que, em dois meses, fosse enxergar tantas mudanças em você. Tenho certeza que ainda vai dar dor de cabeça pra mamãe quando voltar a Hogwarts, mas sem duvida você está mais madura e não vai beirar a expulsão outra vez. - Obrigada. – sorri de volta pra ele – Não vou mesmo beirar a expulsão, mas acho que não consigo ainda abandonar as brincadeiras. - Não abandone, você só tem 12 anos, aproveite enquanto ainda pode aprontar pela escola. Depois fica mais velha e perde a graça. - Você não embalsamou um gato quando tinha 15 anos? – perguntei desconfiada e ele tossiu. - Bom, foi um caso isolado, digamos que um remendo para uma idéia furada do Ty. Faça o que eu digo, não faça o que eu faço. - Sim, claro, mas se embalsamarmos o gato do Filch estaríamos fazendo um favor à humanidade. - Chega dessa conversa, acabe de arrumar isso logo antes que mude de idéia e não leve mais você ao hospital. Bati continência sorrindo travessa para ele e comecei a dobrar as roupas mais rápido, terminando de arrumar o malão alguns minutos depois. Ele me levou para visitar o Lucas e no caminho ia pensando no que ele havia me dito. Sentia também que tinha mudado um pouco durante o verão, mas não tanto assim. Meu espírito maroto ainda estava a todo vapor e tinha muita energia acumulada nesses dois meses parada, gritando para serem extravasadas o mais rápido possível. Passar dois meses em casa seria sempre bom, mas não via à hora de voltar a Hogwarts. Monday, July 06, 2009 - Clara. Clara, acorde. – ouvi a voz de minha mãe falando baixinho, mas ignorei – Clara, sai dessa cama! A voz suave se transformou numa voz alta e minha coberta foi arrancada sem piedade de cima de mim. Ainda tentei me manter na cama abraçando o travesseiro e o colchão, mas as mãos da minha mãe agarraram minhas pernas e fui arrastada para fora dela, parando quando cai no chão. Ela arrancou o travesseiro que ainda abraçava e o atirou de volta na cama, jogando uma toalha em cima de mim. - Tome banho e se vista, o café já está esfriando na mesa – disse caminhando até a porta do quarto – Vamos sair em meia hora, acho bom estar pronta. - Mãe, por favor... – supliquei ainda sentada no chão – Eu faço qualquer outra coisa que você quiser, mas não me mande pra lá. Eu não gosto de doentes... - Isso não é uma negociação, Clara. Você esgotou a minha paciência, agora vai andar conforme a minha música. Meia hora! – ela disse enfática e bateu a porta do quarto. Sem alternativa, fui me arrastando até o banheiro e apareci na sala 20 minutos depois, pronta para sair. Tomei um café rápido e mamãe apareceu na cozinha já arrumada para o trabalho, consultando o relógio. - São quase 8 horas, vamos – ela estalou os dedos me apressando e sai da bancada. - Você me acordou as 7:30 no meu primeiro dia de férias? – perguntei chocada e ela me puxou para perto dela, já abrindo a porta. - Acostume-se, esse é o seu horário de segunda a sexta até dia 30 de Agosto. Pronta? Mesmo contrariada, fiz que sim com a cabeça e ela me empurrou para fora do apartamento. O hospital que ela trabalhava era trouxa, então mamãe não podia aparatar no meio do corredor sem causar o pânico, o que a obrigava a ir de carro todos os dias. Era tão cedo e com as escolas fechadas para as férias, não tinha transito nenhum na rua e chegamos ao hospital em menos de 10 minutos. Todo mundo ia chamando ela enquanto passávamos pelo corredor, mas mamãe não parava e dizia que já ia voltar para ajudar. Só paramos de andar quando chegamos ao quarto andar, em frente a uma porta enfeitada com algumas cartolinas coloridas recortadas em forma de bichos e outros desenhos. - Chegamos – ela abriu a porta e me deparei com um quarto imenso, cheio de pufes, brinquedos e aparelhos para exercício de fisioterapia. - O que é isso? – perguntei olhando para o quarto ainda vazio. - Nosso Centro de Terapia Infantil. Você vai trabalhar aqui junto com os outros voluntários, ajudando as enfermeiras e os outros voluntários com as crianças quando elas não estão fazendo fisioterapia. – uma mulher apareceu atrás da gente e mamãe sorriu – Ah, Mônica! Trouxe sua nova ajudante, minha filha Clara. - Olá Clara, muito prazer – a mulher estendeu a mão para mim e apertei – Sou a chefe da pediatria, seja muito bem vinda. É sempre bom ter voluntários jovens, as crianças adoram. - Bom, vou deixá-la por sua conta, sei que está em boas mãos – mamãe me soltou e a olhei suplicante uma ultima vez, mas ela não deu bola – Volto para buscá-la às 17h. Divirta-se. Mamãe voltou ao elevador e desapareceu dentro dele logo depois, me deixando sozinha com a tal de Mônica. Ela sorria pra mim e me indicou o interior do quarto, não me dando alternativa senão entrar. Aquelas seriam longas férias... ***** Dizem que quando estamos à toa o tempo demora mais a passar, mas quando temos mil coisas pra fazer, o tempo voa. Pude comprovar essa teoria durante as férias, pois o mês de Julho estava passando num piscar de olhos. Vinha trabalhar todos os dias no hospital com a minha mãe e as únicas vezes que ela e papai permitiram que saísse foi para assistir ao casamento do tio Ty. Eles teriam me liberado para o aniversário do Jamal, da Keiko e do Hiro, mas as comemorações foram canceladas por conta do nosso histórico escolar e apenas trocamos votos de feliz aniversário por telefone. Meu aniversário de 12 anos estava cada diz mais próximo, mas já não tinha expectativas de ter alguma comemoração em casa também. Já havia passado da metade do meu primeiro mês como voluntária e era obrigada a admitir que estava gostando da experiência. A parte ruim era ter que acordar cedo todo dia, especialmente porque nessa época é inverno no Brasil e dá mais preguiça de sair da cama, mas quando chego ao hospital e sou recebida com tanta alegria pelas crianças da pediatria, a preguiça passa na mesma hora. A maioria delas mora no hospital, não podem ir para casa para não interromper os tratamentos e os pais não podem ficar lá o tempo inteiro, então elas se sentem sozinhas. Sempre que chega uma visita nova, elas ficam numa alegria contagiante, é impossível ficar de mau humor perto delas. A maioria das crianças eram bem pequenas, a média de idade era de 7 anos, mas tinham algumas maiores e entre elas estava o Lucas, um menino de 11 anos com Leucemia. Ele era surdo e mudo e uma das enfermeiras estava me ensinando a linguagem dos sinais para que eu pudesse conversar com ele. Lucas era muito alegre e brincalhão, estava sempre sorrindo e adorava caçoar de mim quando errava algum sinal e acabava dizendo alguma besteira para ele. Mas nem sempre eu ficava o dia inteiro no hospital. Tinham dias que as atividades terminavam mais cedo, e como minha mãe só saia às 17h, passava o tempo livre no ginásio esportivo que tinha há uma quadra do hospital. Não participava de nada, e nem podia, mas ficava sentada na arquibancada observando as equipes de basquete, vôlei e algumas vezes ginástica olímpica treinarem. Já havia feito parte daquela equipe mirim de ginástica olímpica, treinava naquele mesmo ginásio, mas tinha me cansado da exploração que eram os treinos e convenci minha mãe a me tirar da equipe. Mas apesar de não treinar mais, não havia deixado de gostar do esporte. - Ah, ai está você – ouvi a voz da minha mãe e desviei a atenção da arena onde as meninas treinavam barras assimétricas e olhei para ela – Mônica disse que liberou você mais cedo e que tinha vindo para cá. É aqui que você se esconde quando sai antes da hora? - Não tem problema, tem? – perguntei logo, com receio dela me dar uma bronca por sair do hospital. - Não, tudo bem, contanto que não venha pra cá sem ser liberada pela Mônica – disse sorrindo e sentando ao meu lado – Sente falta, não é? - Do que está falando? – me fiz de desentendida, voltando a olhar pra arena. - Você sabe do que estou falando. Insistiu para que tirasse você da equipe de ginástica dizendo que forçavam demais nos treinos e que não queria mais ouvir grito do treinador e fiz o que me pediu, mas sei que não foi só por isso que quis sair. Só não sei o real motivo. - Está alucinando, mamãe. Está trabalhando demais... – respondi desinteressada – Sai da equipe porque não sou cachorro pra ficar ouvindo gritos exaltados de um treinador louco. Essas meninas são corajosas de ainda estarem com ele. Já podemos ir? - Sim, podemos – mamãe respondeu me olhando com atenção, levantando da arquibancada – Vamos, pois ainda tenho que passar no mercado. Sabia que ela não tinha acreditado muito na minha versão para abandonar a ginástica, mas não queria falar sobre isso de novo. Foi bom enquanto durou, mas já havia tomado minha decisão e não voltaria para aquela equipe nunca mais. E eu nem sentia tanta falta assim... |